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O que o Brasil ganha ao se tornar um importante aliado dos EUA

Foto: Brendan Smialowski / AFP (Foto: )

A visita do presidente brasileiro Jair Bolsonaro a Washington ainda irá ressoar por bastante tempo. Ele já está de volta ao Brasil, e essa ressonância virá não apenas dos eventuais resultados, mas também do lapidar dos detalhes e pormenores do que foi acordado. Como em qualquer primeiro encontro, muito do divulgado ainda está no campo das intenções. Como será a mudança no status brasileiros na Organização Mundial de Comércio? Quais as próximas etapas da entrada brasileira na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)? Tudo isso será tratado em seu devido tempo.

E compreender esses detalhes, o “como”, não apenas o “o quê”, é essencial para avaliar ganhadores e perdedores, o que pode melhorar, o que não. Ainda é cedo para uma análise ampla e fundamentada do saldo da visita de Bolsonaro. Que ela é promissora, não há dúvidas. Que o presidente teve ganhos políticos perante seu eleitorado, também. Se esse cenário promissor se converterá em ganhos perenes, ainda não se sabe. Talvez seja mais atraente, nesse momento, para analistas e acadêmicos, avaliar os interesses envolvidos, os prós e os contras, do que brigar por provar ou refutar um saldo vencedor.

Brasil como aliado  

Uma das novidades foi o apoio de Donald Trump à ascensão do Brasil ao status de Aliado importante não-OTAN, tradução livre de Major non-NATO ally (MNNA). Essa designação é exclusiva do governo dos EUA, ou seja, não depende da aprovação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), pois, na prática, não tem relação com a OTAN; diferente da situação da Colômbia, que é um parceiro global da organização. É algo que diz respeitos às relações exteriores dos EUA. Trump precisa apenas notificar o Congresso de seu país. Hoje, são dezessete países nessa categoria.

Em ordem alfabética: Afeganistão, Argentina, Austrália, Bahrein, Coréia do Sul, Egito, Filipinas, Israel, Japão, Jordânia, Kuwait, Marrocos, Nova Zelândia, Paquistão, Taiwan, Tailândia e Tunísia. Na prática, Israel está acima dessa categoria, como Major Strategic Partner (Importante parceiro estratégico, em tradução livre). A categoria de aliados foi implantada em 1989, no ocaso da Guerra Fria, e contava com cinco países; Austrália, Coreia do Sul, Egito, Israel e Japão. Desde então a categoria foi ampliada e, em 1998, a Argentina foi incluída na lista, o único país latino-americano até o momento.

A categoria inclui e amplia possibilidades de cooperação em temas de defesa e de segurança, como treinamento e contra-terrorismo. Inclui possibilidades em temas aeroespaciais, o que congrui com o recente acordo sobre Alcântara. A maioria das benesses, entretanto, gira em torno da aquisição e manutenção de equipamentos militares e de tecnologia, incluindo maiores possibilidades de financiamento por parte dos EUA. Também inclui a prioridade em obter equipamentos usados ou em estoque pelas forças armadas dos EUA.

Qualquer acordo, qualquer trato, desde entre duas pessoas até dois Estados, inclui duas partes, duas perspectivas. O que o Brasil ganha com esse novo status perante o governo dos EUA? Mais acesso e mais possibilidades em temas de defesa, de segurança e de tecnologia, como dito. Agora, e a pergunta o que os EUA ganha com esse novo status? Ninguém se faz essa pergunta? E não é necessário pensar como um jogo de soma zero, em que um deve perder algo para o outro ganhar. Sim, existem acordos em que as duas partes ganham. No mínimo, entretanto, deve-se pensar no quê, para uma verdadeira compreensão.

Bilhões de dólares

O mercado de armas mundial gira cem bilhões de dólares por ano e cada país quer sempre uma fatia maior desse bolo. Ampliar o leque de ofertas de equipamentos ao Brasil e facilitar as condições significa também ampliar as possibilidades de vendas, novos contratos, mais dinheiro. No século XXI, as forças armadas brasileiras, ao contrário do que o senso-comum pode apontar, assinaram contratos polpudos de compras de equipamento. Alguns exemplos são um contrato de 300 milhões de dólares, em Novembro de 2008, por helicópteros russos.

No mês seguinte, um contrato de quase dez bilhões de dólares com a França para a compra de submarinos, helicópteros e tecnologia para o submarino nuclear brasileiro. Os exemplos seguem: em Novembro de 2009, um contrato de quase três bilhões de dólares para mais de dois mil veículos leves para o exército em conjunto com a Itália; em Janeiro de 2012, um contrato de 175 milhões de dólares por três corvetas inglesas; em Setembro de 2015, um contrato de quase cinco bilhões de dólares pelos 36 caças Gripen suecos; em Dezembro de  2017, a pechincha de 113 milhões de dólares pelo navio de assalto anfíbio britânico HMS Ocean, hoje o PHM Atlântico.

E esses são apenas alguns exemplos, com diversos outros contratos no período, incluindo os menos chamativos, como fornecimento de peças e modernização de sistemas. Sem mencionar projetos autóctones, como o novo fuzil padrão do exército, o IMBEL IA2, os navios patrulha da classe Macaé e o submarino Tikuna, uma evolução brasileira do desenho original alemão. Tudo isso não significa que os EUA não tiveram contratos com as forças armadas brasileiras, como a venda de mísseis e de equipamentos excedentes, entretanto, claramente o país quer buscar uma fatia maior do mercado brasileiro.

Isso num contexto de renovação dos equipamentos brasileiros e a possibilidade de contratos novos em breve. Renovação dos fuzileiros navais brasileiros, o início do fim da vida útil das fragatas classe Niterói, um eventual novo carro de combate para o Exército, a aquisição de drones para as três forças. Um exemplo recente de contrato com os EUA foi o do recebimento de 96 veículos blindados, sendo 56 obuseiros autopropulsados  M109 e quarenta blindados remuniciadores, que estão em processo de modernização e adequação no Paraná.

Esse contrato foi no âmbito Excess Defense Articles (EDA), uma modalidade de venda do Departamento de Defesa dos EUA em que o país cede, ou vende a preços baixos, equipamentos estocados que foram usados, ou peças sobressalentes redundantes. Os termos são de que o país beneficiado deve buscar os equipamentos nos EUA e nas condições em que eles estiverem; “as is, where is”, como está, onde está. Ou seja, o país arca com os custos de transporte, de remoção e de eventuais modernizações e adequações. Surpresa: o governo dos EUA oferece esses serviços via empresas do país, ou então empresas conveniadas.

Recentemente, nesse âmbito, o governo dos EUA ofereceu fragatas da classe Oliver Hazard Perry para o Brasil, desativadas após serviço na marinha do país. A outra modalidade de venda mais comum é a Foreign Military Sales (FMS), contato direto entre dois governos e que habitualmente se trata de equipamento novo que envolva tecnologia exclusiva dos EUA. Se essa tecnologia será transferida é outra coisa, variando em cada caso. Esse detalhe é importante pela política brasileira, e insistência dos militares, de desejar a transferência de tecnologia para o fortalecimento da indústria e da pesquisa brasileira.

Antiamericanismo

Na recente visita aos EUA, Bolsonaro falou muito de um suposto “antiamericanismo” de governos brasileiros recentes. A mesma impressão poderia vir da análise do mercado bélico envolvendo o Brasil. Isso está totalmente longe da verdade. Primeiro, o fato do governo brasileiro ter comprado equipamentos de outros fornecedores. Isso ocorreu por uma série de fatores, em cada caso, como preço, ocasião, transferência de tecnologia e preferência do oficialato da arma correspondente. O histórico de transferência de tecnologia pelo governo dos EUA é, no mínimo, complicado, e isso foi um fator central na compra dos caças suecos.

Além disso, é salutar manter uma variedade de parceiros e fornecedores em uma área estratégica como essa. É o que se vê na postura indiana, uma das maiores compradoras de armas do mundo, por exemplo. E, indo além da superfície, é esse tipo de postura que abre portas. Ao mostrar que existem outros fornecedores viáveis, força-se a oferta de produtos ou condições melhores por um fornecedor; não muito diferente de uma situação empresarial. Um país ao permanecer inerte ou alinhado de forma incondicional dificilmente mudará alguma situação para melhor.

E também não é “antiamericano” apontar os interesses do país em conferir esse status de MNNA ao Brasil. Oras, o governo dos EUA irá defender o que for melhor para seu país, sua economia e sua população. Recentemente, Trump negou suspender vendas de armas para os sauditas, apesar da pressão pelo assassinato de Khashoggi. Os motivos? Bem simples. São bilhões de dólares e dezenas de milhares de postos de trabalho. É louvável, ideal ou bonito? Não, mas não dá pra fugir da realidade que é a indústria bélica e seu impacto econômico. E, nas relações internacionais, são as trocas e os interesses que servem de bússola. Fortalecer as relações militares com o Brasil é também acenar para mais vendas.

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