Os líderes das vinte maiores economias do mundo estarão todos em Buenos Aires nos próximos dias. Esse é o décimo terceiro encontro do G20, e as cúpulas também costumam envolver convidados, seja do país anfitrião, seja representando organizações internacionais. Ou seja, praticamente todos os atores de peso no cenário internacional estarão concentrados em apenas um lugar.
Além das dezenove maiores economias nacionais e da União Europeia, estarão presentes também Sebastián Piñera do Chile, Mark Rutte dos Países Baixos, Pedro Sánchez da Espanha e os chefes executivos dos países que ocupam a secretaria-geral da União Africana e seu programa de desenvolvimento econômico, da Comunidade do Caribe e da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).
Um encontro dessa magnitude, que reúne 85% da riqueza mundial, por motivos óbvios, desperta muita atenção, ao mesmo tempo que é pouco compreendido, muitas vezes tratado de forma monolítica, como se a mesma coisa, sempre, com funções definidas. Uma cúpula do G20 não é igual à outra, cada uma em seu contexto. Uma reunião com tantas lideranças importantes fornece uma igual quantidade de oportunidades de diálogos, cooperação e negócios. E também não se trata de um patota global que irá determinar os rumos do universo, como titereiros com fantoches.
Incertezas da anfitriã
A Argentina enfrenta dois problemas ao receber o G20. O primeiro deles é o econômico. O país foi confirmado como sede do G20 em Novembro de 2017, embora a decisão fosse anterior. No início de 2017, a expectativa sobre o estado da economia argentina para Novembro de 2018 era muito diferente, muito mais otimista. O anfitrião seria um exemplo, esperava-se, de recuperação econômica e de dinamização da economia.
O caminho foi o oposto. Por questões tanto internas, como um Congresso dividido, quanto externas, como pouco confiança de investidores, o governo de Mauricio Macri aprofundou a crise argentina, que remonta à virada do milênio. Macri foi o primeiro presidente argentino à direita do espectro político eleito desde 1916; desde então, todos os eleitos são associados às várias facetas do peronismo ou sociais-democratas. Excluídos governos não eleitos, como as ditaduras militares argentinas.
Esses cem anos criaram uma expectativa que não foi saciada, ao menos até o momento. Para acirrar ainda mais as tensões internas, Macri teve que buscar financiamento no Fundo Monetário Internacional, com reformas como condições. De possível menina dos olhos, a Argentina foi para anfitriã convalescente, com os convidados desejando melhoras e uma pronta recuperação, longe das relações que poderiam ser estabelecidas.
O segundo problema é de estrutura. Nas últimas semanas as ruas argentinas foram tomadas por protestos contra o governo e contra o G20. Colaborou para a imagem de insegurança o fato de que o país não conseguiu realizar as finais da Copa Libertadores de futebol, com vandalismo e agressões contra atletas da equipe do Boca Juniors.
O governo argentino chegou ao ponto de pedir aos moradores de Buenos Aires que saiam da cidade ou fiquem o máximo possível dentro de casa. O temor de protestos contra o G20 e as preocupações de segurança das autoridades estrangeiras motivam um aparato policial tamanho que aumenta os custos da anfitriã e transmite uma imagem negativa, de baixa receptividade. Encurta a estadia de lideranças internacionais e empresariais, diminuindo as oportunidades. E talvez não cumpra seu papel, já que protestos ainda são esperados.
Relações azedas e G-Zero
O analista político Ian Bremmer, fundador e presidente da consultoria Eurasia Group, cunhou a expressão G-Zero em 2012. Em suma, como consequência da grande crise de 2008, ocorre uma retração da influência tradicional Ocidental no mundo. Ao mesmo tempo, a influência econômica chinesa não seria acompanhada de uma influência política e cultural. Enquanto isso, os países ditos emergentes, progressivamente, perderam fôlego em sua ascensão internacional. Além disso, a posição do hard power russo permaneceria.
O resultado da grande crise de 2008 seria então um mundo de “cada um por si”. Não existiria um G2, pois a China não está, ao menos ainda, no patamar dos EUA. O antigo G7 estaria obsoleto, sem representar novos atores importantes. E, finalmente, o G20 reuniria visões e prioridades muito diversas entre si, com mais dissenso do que consenso. Ou seja, o mundo atual é regido pelo G-Zero, sem um claro protagonismo, com busca por espaço.
Pode-se discutir, é claro, essa formulação. Não é uma receita de bolo, tampouco infalível. O cenário prévio ao G20, entretanto, corrobora com essa interpretação. É marcado mais pela incerteza em relação a crises do que pela ansiedade por soluções ou saltos ambiciosos. Tensões bilaterais, represálias, falta de entendimento ou possíveis constrangimentos são a tônica da discussão.
Donald Trump cancelou uma reunião com Putin, por causa do incidente naval no Estreito de Kerch; não se sabe quem se encontrará com o príncipe herdeiro do reino absolutista saudita, para evitar constrangimentos por causa do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi; a relação entre Trump e as lideranças europeias está azeda, especialmente após as declarações sobre um exército europeu; dois líderes presentes serão “patos mancos”, em fim de mandato, sem autoridade concreta.
Um deles, o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, só poderá participar do primeiro dia da cúpula, já que, no dia seguinte, a posse de Andrés Manuel López Obrador, presidente-eleito do México. Por isso, o documento final da cúpula não será exatamente final; negociado previamente, será assinado ainda no primeiro dia, com a presença de Peña Nieto. O próprio documento final será, provavelmente, um texto brando, pasteurizado, sem grandes compromissos.
Como exigir um comprometimento entre EUA e China no que concerne ao comércio, semanas após a troca de farpas aberta entre os dois países na cúpula da ASEAN, com a presença de Xi Jinping e Mike Pence, vice-presidente dos EUA? Está programado um encontro entre Trump e Xi Jinping que pode resultar em uma trégua nessa guerra comercial, embora dificilmente com algum acordo de longo prazo.
A questão climática é virtual consenso de que não ocorrerá consenso, especialmente entre Europa e EUA, mesmo com a anfitriã colocando em pauta a questão de segurança alimentar hoje e no futuro, de maneira sustentável. Migração e refúgio, que dividem a União Europeia, além da postura do governo Trump, são outros temas que devem ficar apenas nas palavras de praxe. No final das contas, um G20 de cada um por si, buscando o melhor proveito possível unilateral da cúpula e dos contatos que ela permite.
Brexit e tecnologia
Para não dizerem que essa coluna não falou das flores, em três pontos o encontro do G20 promete certo grau de entusiasmo e de otimismo. O primeiro é o Brexit. Com um acordo preliminar já costurado entre o governo britânico e as autoridades europeias, a primeira-ministra Theresa May viaja para Buenos Aires com uma base concreta de onde partir para negociar acordos bilaterais de seu interesse.
Tais negociações entre o Reino Unido e potenciais parceiros são de vital importância para a economia britânica, especialmente para compensar, no curto prazo, o choque da saída da UE. Uma golfada de ar fresco que dê fôlego para aguentar até o momento em que a economia britânica já tenha se adaptado ao novo cenário do país, pós-Brexit. Novos mercados para produtos e serviços britânicos ou acordos de investimentos são algumas dessas possibilidades.
Outra pauta colocada pela anfitriã é a discussão sobre o futuro do trabalho. A robotização e o desenvolvimento de inteligências artificiais, em breve, poderão substituir praticamente qualquer trabalhador humano. Não existirá uma ocupação que não poderá ser desempenhada por robôs. Esse é um tema já debatido na filosofia e por figuras do setor, como o excêntrico Elon Musk. Como ficará o trabalho? Como garantir o benefício dessas tecnologias?
Uma pauta tecnológica que não foi proposta pela anfitriã, mas costurada pelos enviados iniciais da cúpula, os sherpas, é a discussão sobre criptomoedas. Um fenômeno global ainda pouco compreendido e que é visto como uma ameaça por governos, seja por aspectos de política monetária, seja pela desconfiança de segurança, como o uso de criptomoedas para lavagem de dinheiro ou contrabando. E, segundo alguns presentes, como um fenômeno global sem fronteiras, ele precisaria ser discutido de maneira coletiva.
Freios e incógnitas sobre o Brasil
O outro “pato manco” da cúpula é o presidente do Brasil, Michel Temer. Com um mês restante em seu mandato, ele cumprirá funções virtualmente cerimoniais. O presidente eleito Jair Bolsonaro foi convidado para ir ao G20, porém, não comparecerá, citando seu processo de recuperação de saúde como motivo. Uma delegação sem grandes poderes e sem o atrativo da construção de relações, já que possui uma data de validade.
Especula-se, com certa evidência, que a cúpula do G20 de Buenos Aires só será realizada ali por conta do processo político brasileiro. Seria lógico que a primeira cúpula do G20 na América do Sul fosse no país de maior economia da região, além de maior território e maior peso internacional. Os aspectos divisivos e polêmicos do processo de impeachment brasileiro, com repercussão internacional, entretanto, diminuíram momentaneamente a atratividade do Brasil e de seu governo.
Sediar uma cúpula do G20 em um Brasil passando por momento político delicado poderia ser visto como respaldo ou tomar um lado. Em palavras mais objetivas: não valia a pena para governantes internacionais se aproximar de Michel Temer. O custo político dessa relação poderia ser muito grande, seja no Brasil, seja na sua nação. Os proveitos seriam poucos, já que Temer era muitas vezes visto como um governo de transição, com a possibilidade do próximo governante usar o respaldo das urnas para reverter processos iniciados com Temer.
Isso não é um comentário partidário, mas empírico. Nos últimos três anos, o presidente da maior economia latino-americana e com o maior território mal recebeu líderes do exterior. Quando presente em cúpulas internacionais, Temer frequentemente antecipou o retorno ao Brasil, tanto por ser visto como um convidado de importância menor quanto por questões políticas do cotidiano brasileiro. “Temer antecipa volta” é uma busca que rende uma miríade de resultados em diferentes períodos e eventos.
Enquanto o Chefe de governo “pato manco” Temer não terá autoridade ampla para temas como o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, ainda pode sofrer constrangimentos como Chefe de Estado. A notícia recente de que o Brasil, com interferência do presidente eleito, retrocedeu em sediar a próxima Conferência do Clima, foi vista com bastante pessimismo na Europa e por outras lideranças.
Primeiro, pelo timing, coincidente com o G20 e, de certo modo, em cima da hora, já que a candidatura brasileira já estava consagrada. Segundo, por mostrar um possível caminho do novo governo, que vai contra os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro e contra os parâmetros de negociação com a UE. Finalmente, o constrangimento pelo fato do Brasil ser, ao menos até o momento, uma grande liderança mundial em questões ambientais e climáticas, fazendo uma importante e delicada ponte de diálogo entre os países industrializados e os países em desenvolvimento. Uma ponte agora comprometida.