Boris Johnson caiu do cargo de primeiro-ministro do Reino Unido. Na última quinta-feira, dia sete de julho, perante a residência oficial, no número 10 de Downing Street, em Londres, ele fez um pronunciamento anunciando que “o processo de escolha de um novo líder deve começar". O primeiro-ministro demissionário estava sob pressão depois de uma série de problemas e escândalos, mas a sua queda é muito mais calculada do que parece.
O escândalo mais recente foi o de Chris Pincher, ex-vice-líder da bancada do partido no Parlamento, cargo chamado no Reino Unido de whip, literalmente chicote, já que ele é responsável por manter a disciplina e coesão partidária. Pincher renunciou depois de diversas denúncias de assédio sexual, admitidos por ele, colocando a culpa na bebida por seu “comportamento inapropriado” de apalpar diversos homens em várias ocasiões.
Inicialmente, Boris Johnson negou saber desses episódios. Posteriormente, isso se mostrou uma mentira, o que levantou outra questão: se Boris sabia do comportamento de seu aliado, por qual motivo ele o nomeou como vice-líder mesmo assim? O governo também tentou rapidamente abafar o caso, considerando ele “encerrado” após a renúncia de Pincher, o que contribuiu para a repercussão negativa.
Demissões em massa
O episódio provocou uma avalanche de demissões no governo Boris Johnson. Em menos de três dias, sessenta integrantes do gabinete renunciaram aos seus cargos, incluindo Rishi Sunak, Chanceler do Tesouro, nome oficial do ministro da economia britânico. Michelle Donelan, secretária de Educação, também renunciou, assim como o secretário para Gales e o para a Irlanda do Norte.
No dia seis, uma comitiva de conservadores foi até a residência oficial dizer para Boris Johnson que acabou, que era hora de renunciar. Antes desse episódio, a imagem de Boris Johnson e de seu governo já estava afetada pelo escândalo do Partygate, as festas realizadas pelos integrantes do governo durante a pandemia, incluindo o período de luto oficial pela morte do príncipe consorte, e as mentiras contadas pelo primeiro-ministro.
Também existe a questão da Irlanda pós-Brexit, um problema quase sem solução e que, semana sim, semana também, gera tensões no Reino Unido e na ilha da Irlanda, em um tema bastante presente aqui em nosso espaço. O país está registrando sua maior inflação em quase quarenta anos, passa por greves no seu setor de transportes e o governo também é criticado por suas políticas migratórias.
Eleições
Falando em temas presentes aqui em nossa coluna, comentamos a possível renúncia de Boris Johnson ainda em janeiro de 2022. E a conjuntura política britânica não mudou desde então. Indo além dos escândalos e das festinhas, existe outro motivo principal para as lideranças conservadoras estarem a meses querendo a cabeça de Boris Johnson. Hoje, ele não seria eleito nem para síndico, e afundaria o partido.
Seu índice de aprovação está na casa dos 30%, um dos menores para um primeiro-ministro no cargo depois da Segunda Guerra Mundial. Cada dia de Boris Johnson no poder era um dia a menos para o partido se recuperar. As pesquisas eleitorais apontam que, hoje, o Partido Trabalhista, o principal na oposição, teria cerca de 40% dos votos, contra entre 32% e 35% dos conservadores.
O Partido Liberal Democrata ruma para seu melhor desempenho desde 2010, com cerca de 12% dos votos, muitos deles de eleitores que antes votaram com os conservadores, mas divergem do Brexit e de Boris Johnson. No último ano, os conservadores perderam quatro eleições distritais de meio de mandato. Em uma delas, foi a primeira vez na História em que os conservadores saíram derrotados no distrito, justamente para os liberal-democratas.
Isso não é uma avaliação abrangente do governo de Boris Johnson, trata-se simplesmente do Partido Conservador constatando como o eleitorado britânico está se sentindo. Se Boris Johnson iniciou a primeira campanha nacional de vacinação contra a covid-19, se fez muito ou pouco em relação ao conflito na Ucrânia, o que for, isso é parte de um balanço posterior. Novamente, hoje, Boris Johnson sofreria uma derrota avassaladora.
Substituição
O Partido Conservador, então, junta o “útil ao agradável”, aproveitando a janela dos escândalos políticos que sacodem a opinião pública, e se livra de Boris Johnson, evitando maiores perdas. O partido mantém a maioria no Parlamento e elege internamente alguém que terá até o fim do atual mandato, em 2024, para recuperar a imagem do governo e as chances eleitorais do partido.
Hoje, cinco nomes despontam como potenciais ocupantes da cadeira de chefe de governo do Reino Unido. O secretário da Defesa, Ben Wallace, que tem se destacado por declarações duras contra a Rússia; Penny Mordaunt, ministra do Comércio; Rishi Sunak; o ex-ministro da Economia; Liz Truss, atual secretária de relações exteriores; e Dominic Raab, secretário de Justiça e vice-primeiro-ministro.
Desses, Raab agrada os pró-Brexit, enquanto Ben Wallace surge como nome mais popular e Mordaunt como um nome “técnico”. Existe a possibilidade de, pela primeira vez, o Reino Unido ter um primeiro-ministro de origem imigrante. Não é possível, ainda, cravar quem será o vencedor para substituir Boris Johnson, mas sua missão principal já está definida: reverter a maré que hoje está contra os conservadores.