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Netanyahu está de volta em Israel. A raposa velha da política e seu partido Likud foram os grandes vencedores da mais recente eleição no país, a quinta em quatro anos. No momento, tudo indica que teremos o governo mais religioso da História israelense, incluindo um partido de extrema-direita. Em paralelo, a esquerda israelense teve seu pior desempenho eleitoral da História. Surpresas podem acontecer, entretanto.
Nossos leitores acompanham a política israelense com frequência aqui em nosso espaço. Por isso, vamos nos ater às novidades do pleito recente. O comparecimento de 70,6% do eleitorado foi ligeiramente maior do que o da eleição passada e na média das cinco eleições recentes. Com 23,4% da preferência do eleitorado, o Likud, da direita secular, levou 32 cadeiras, duas a mais do que sua bancada anterior.
Em segundo lugar ficou o Yesh Atid, de centro, do atual primeiro-ministro Yair Lapid. Com 17,7% dos votos, o partido terá 24 cadeiras, um substancial crescimento de sete parlamentares. Lapid já concedeu derrota e ligou para Netanyahu, parabenizando-o e se comprometendo com a formação de uma transição de governo. Agora Lapid torna-se o líder institucional da oposição no Knesset, o parlamento.
Kahanismo
No terceiro lugar ficou a coligação do Sionismo Religioso, com 10,8% dos votos e catorze parlamentares, mais do que dobrando sua bancada anterior. O líder da coligação é Bezalel Smotrich, ex-Yamina, o partido de direita que era liderado por Naftali Bennet, ex-premiê. Bennet abandonou seu então aliado Netanyahu e formou uma coalizão ampla de governo anti-Netanyahu. Esse ato, como previsto, causou o fim do Yamina como partido viável.
Smotrich pode ser o líder da coligação, mas não é seu integrante mais conhecido, nem o mais influente. A coligação é formada pela união de dois partidos religiosos. Um deles é o Otzma Yehudit, liderado por Itamar Ben-Gvir. O partido é o sucessor do banido Kach, fundado pelo rabino Meir Kahane. O Kahanismo é uma ideologia fundamentalista de extrema-direita israelense.
Em suma, defendem um Estado religioso fundamentado na lei religiosa judaica, a halakha. Talvez o exemplo mais visível do extremismo de Kahane é o fato de que, alguns anos antes de ser assassinado em Nova Iorque por um cidadão local de origem egípcia, ele foi condenado em Israel por terrorismo, por planejar ataques contra representações árabes. Hoje, seu líder é o colono Ben-Gvir.
Em maio do ano passado, o chefe de polícia israelense culpou Ben-Gvir e suas provocações anti-árabes por terem causado a então leva de hostilidades em Gaza. Ele é uma figura divisiva dentro de Israel e também fora, com o embaixador dos EUA em Israel já tendo recusado recebê-lo. Caso o Kahanismo seja oficializado como parte do governo israelense, certamente teremos outra coluna apenas sobre o tema e seu histórico.
Partidos religiosos
Netanyahu pode não necessariamente contar com os Kahanistas em seu governo. Ou, ainda, pode apenas usá-los no curto prazo, para fazerem volume em seu discurso de ser “perseguido” pelo sistema judicial israelense. Lembrando que Netanyahu responde por acusações de corrupção e tráfico de influência, o que motivou a frente ampla contra ele, para impedir que Netanyahu usasse o cargo para interferir nas investigações.
Uma maneira de compensar os assentos do Otzma Yehudit seria atrair Benny Gantz, atual ministro da Defesa, que foi também ministro com Netanyahu, para a coalizão de governo. Ela teria então mais um partido secular, afastaria o caráter religioso da atual composição e evitaria as potenciais críticas internacionais por incluir Ben-Gvir. Gantz e o seu Unidade Nacional tiveram 9% dos votos e doze cadeiras, duas a menos do que antes.
Em quinto e em sexto lugar ficaram os habituais aliados religiosos ortodoxos de Netanyahu, o Shas, sefardita, com 8,2% dos votos e onze cadeiras, duas a mais do que antes, e o Judaísmo Unido da Torá, asquenazim, com 5,8% dos votos e sete cadeiras. Ou seja, somando o Likud e seus três aliados religiosos, a coalizão teria 64 assentos, garantindo uma maioria no parlamento.
O Yisrael Beiteinu, de Avigdor Lieberman, ex-aliado de Netanyahu, ficou com 4,4% dos votos e seis assentos, perdendo um parlamentar. O partido é de direita secular, muito ligado ao eleitorado descendente de imigrantes russos, e Lieberman rompeu com Netanyahu por não concordar com o que enxerga como o favorecimento dos setores religiosos ortodoxos na sociedade israelense, como a dispensa do serviço militar, em algo que já vimos aqui.
Derrota da esquerda
Fecham o Knesset o Ra'am, partido árabe liderado por Mansour Abbas que integrou o governo Lapid, e a Lista Conjunta árabe, ambos com cinco cadeiras cada. O Ra'am aumentou sua bancada em um assento e, somados, os partidos árabes tiveram 7,8% dos votos. Finalmente, o partido Trabalhista ficou com quatro assentos, perdendo três parlamentares.
O Trabalhista, que já foi uma potência da política israelense e governou o país, teve apenas 3,6% dos votos. Para contribuir com o desastre da esquerda isralense, o Meretz não passou da cláusula de barreira e, pela primeira vez em trinta anos, não terá parlamentares. Anteriormente, o partido, que é o principal defensor de pautas ambientalistas no país, tinha seis cadeiras no Knesset.
As conversas oficiais para formar um governo começam na segunda-feira, embora as conversas “paralelas” ocorram nos últimos dois meses. A luta será por ministérios que podem afetar o que se convencionou chamar de “pauta de costumes”. Por exemplo, no início da pandemia de covid-19, o ministério da Saúde estava na mão dos ortodoxos, interessados na pasta para combater, por exemplo, o aborto de gestação.
O grande objetivo dos religiosos é o ministério da Educação, pensando no financiamento público de escolas religiosas, não-seculares. Como mencionado, resta saber se Netanyahu vai resistir à pressão e manter os Kahanistas em sua coalizão depois das eleições. Outra opção é atrair Gantz e manter o apoio do partido religioso. O fato é que, depois de um breve hiato, Netanyahu está de volta.
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