Os conservadores confirmaram sua vitória na Grécia, enquanto a extrema-direita deu um jeito de voltar ao parlamento. No último dia 25, os gregos foram às urnas votar na segunda eleição nacional nesse ano. Kyriakos Mitsotakis, líder do partido conservador Nova Democracia, confirmou o favoritismo e será o primeiro-ministro. Enquanto isso, a esquerda sofreu um dos seus piores resultados na história recente grega.
A eleição de 21 de maio foi tema de uma coluna aqui em nosso espaço de política internacional. Naquela ocasião, o parlamento grego ficou travado, sem clara maioria e sem possibilidades de uma coalizão de governo. Isso foi devido ao fato de ter sido uma eleição atípica, sem o sistema de bônus por desempenho habitualmente implementado na Grécia, que foi restaurado nesse pleito.
É o sistema de bônus que explica o fato de que o Nova Democracia teve 40,5% dos votos, menos do que no pleito anterior, mas ficou com 158 das 300 cadeiras do parlamento, 12 a mais do que em maio. Como o leitor deve ter notado, isso garante uma maioria ao partido sem necessidade de coalizão e Mitsotakis continuará primeiro-ministro, cargo que ocupa desde 2019, com um breve intervalo do último mês.
Fracasso da esquerda
O Syriza, principal partido da esquerda grega na atualidade, continuou em segundo lugar, mas com apenas 17,8% dos assentos e 48 cadeiras, perdendo 23 em relação ao pleito anterior. Alexis Tsipras renunciou ao posto de líder do partido, afirmando que o Syriza precisa de reformas e novas lideranças. Atualmente com 48 anos de idade, ele foi primeiro-ministro de 2015 a 2019, o mais jovem ocupante do cargo.
Em terceiro lugar ficou o Pasok, acrônimo para Movimento Socialista Pan-Helênico, o tradicional partido social-democrata grego, fundado após a ditadura militar dos anos 1970. O Syriza é mais recente e está mais à esquerda no espectro político, enquanto o Pasok possui também posições nacionalistas em questões como o Chipre. No pleito anterior, o Pasok “roubou” diversos eleitores do Syriza.
Dessa vez, o Pasok teve 11,8% dos votos e ficou com 32 cadeiras. Em quarto lugar ficou o tradicional Partido Comunista grego, de esquerda radical, com 7,6% dos votos e 20 cadeiras. O PC grego foi o único partido de esquerda que teve mais eleitores em junho do que em maio, apesar de ter perdido seis cadeiras, devido ao sistema de bônus que premia o primeiro colocado. Outro partido já presente no parlamento é o Solução Grega.
O partido, nacionalista de direita, ficou com 4,4% dos votos e 12 assentos, ambos os números menores do que o pleito de maio. Isso se deve ao fato de que o parlamento grego terá três partidos estreantes, sendo dois de direita, incluindo uma legenda neofascista. O número de estreantes foi parcialmente facilitado pelo fato de que o comparecimento eleitoral encolheu em 8,2% do eleitorado total, com 52,8% dos eleitores votando.
Em maio, por exemplo, o partido Niki, “Vitória”, recebeu mais de 172 mil votos, mas ficou abaixo da cláusula de barreira de 3%. Dessa vez, o partido Plefsi Eleftherias, “Rumo da Liberdade”, teve cerca de 165 mil votos. O número bruto foi menor, mas, proporcionalmente, garantiu oito assentos à legenda populista de esquerda, com bandeiras contra as medidas de austeridade fiscal adotadas na Grécia desde a crise de 2008.
O citado Niki teve 3,6% dos votos e ficou com dez assentos. O partido é conservador religioso, fundado com o apoio de alguns segmentos da Igreja Ortodoxa Grega. A maioria de seus votos veio do norte da Grécia, possivelmente devido ao fato do partido ser explicitamente crítico do acordo de 2018 entre Grécia e Macedônia do Norte, também abordado aqui em nosso espaço.
Além da bandeira nacionalista, também defende posturas conservadoras nas chamadas “pautas de costumes” e seu lema é “Fé, Nação e família”, um lema cristão ortodoxo também utilizado em outros países, como Sérvia e Montenegro. Finalmente, com 4,6% dos votos, em torno de 241 mil votos brutos, o partido Spartiátes, “Espartanos”, ficou com 12 assentos, marcando o retorno de um partido neofascista ao parlamento grego pela primeira vez desde 2019.
Retorno neofascista
Entre maio de 2012 e julho de 2019, o partido neofascista do Aurora Dourada teve cerca de 20 cadeiras no parlamento grego, sempre na oposição. Seu fundador, Nikolaos Michaloliakos, era vocal admirador da Alemanha nazista e espalhava teorias da conspiração, como o negacionismo histórico do Holocausto. Em 2020, ele e outros 67 integrantes do partido foram condenados por associação criminosa.
O Aurora Dourada foi banido e, dentre os crimes atribuídos aos seus líderes, estavam homicídios, extorsão e envolvimento no desaparecimento de até cem pessoas imigrantes na Grécia. Um dos líderes condenados do partido foi o ex-parlamentar Ilias Kasidiaris, que chegou a citar Os Protocolos dos Sábios de Sião no parlamento, um livro forjado nos tempos da Rússia czarista que propõe ser um manual judaico de “dominação mundial”.
A farsa histórica dos Protocolos, trazido ao Brasil pelo integralista Gustavo Barroso, é um marco do antissemitismo. Kasidiaris fundou um “sucessor” extraoficial ao Aurora Dourada, o Partido Nacional, que foi banido das eleições pela Justiça eleitoral, que o considerou uma continuidade do partido previamente banido. Kasidiaris, então, que cumpre 13 anos de prisão, procurou uma legenda já estabelecida.
Em 2017, Vasilis Stigkas, um militante de movimentos nacionalistas religiosos, fundou o partido Espartanos, que nunca havia disputado uma eleição nacional. O principal, porém, é que a legenda tinha um registro eleitoral válido. Com o perdão do trocadilho mais que óbvio, Kasidiaris usou o Espartanos como cavalo de Tróia para seus apoiadores neofascistas, conquistando 12 assentos.
Stigkas publicamente agradeceu Kasidiaris. Dos 12 parlamentares eleitos, dez são do círculo de Kasidiaris, incluindo seu advogado pessoal. O partido, cuja campanha girou em torno de slogans nacionalistas, irredentistas e anti-imigração, atesta em seu site que busca ser “o braço de ferro e o verdadeiro baluarte que porá fim ao declínio e a venda da Grécia e dos cidadãos gregos”.
Enquanto a Grécia precisa lidar com o impacto do recente naufrágio que deixou centenas de mortos, caberá ao premiê Mitsotakis governar a Grécia não apenas de acordo com sua legenda conservadora, legítima na disputa eleitoral, mas também de maneira que distancie seu governo do retorno neofascista ao parlamento grego. No fundo da sala, a esquerda grega terá que se reorganizar e se recuperar depois de um fracasso histórico.