Hoje, três de novembro de 2020, começa nos EUA uma das mais disputadas e divisivas eleições da História recente. De um lado, o republicano Donald Trump busca sua reeleição, do outro o democrata Joe Biden deseja ser um “governo de transição”. Pouco mais de um mês atrás, fizemos aqui um raio-X da disputa entre Trump e Biden, com os pontos principais da disputa. Diferenças, vantagens, desvantagens e os estados-chave para a eleição. A questão é que hoje é o dia em que as eleições começam, mas estão sem data para acabar.
Cenários
Todas as pesquisas indicam que ao menos parte do cenário da eleição de 2016 vai se repetir: os democratas terão a maioria do voto popular. Joe Biden está na frente por uma larga margem percentual. A chance de Trump está na combinação de dois fatores, um eleitorado fiel e bem distribuído geograficamente. Por isso, para ele, quanto menos votos, melhor, já que a quantidade estará do lado de Biden, por rejeição ao atual mandatário. Segundo pesquisa do Pew Research Center, mais da metade das pessoas que afirmaram que votarão em Biden alegaram como motivo principal “ele não é Trump”.
Isso significa que o habitual cenário eleitoral dos EUA, onde o eleitorado de apenas um estado pode ser decisivo entre a vitória e a derrota, fica ainda mais importante. Em um exemplo já evocado aqui, na eleição para governador da Flórida em 2018, o republicano Ron DeSantis foi o vencedor por uma diferença de menos de quarenta mil votos. Essas quarenta mil pessoas podem decidir o destino dos 29 votos no colégio eleitoral, 5% dos votos necessários no formato indireto do pleito do país.
Segundo a média das pesquisas, o placar no colégio eleitoral está em 212 a 125 para Biden. O número mágico é 270, ou seja, dos 201 votos em estados ainda em disputa, Trump precisa conquistar 145. Difícil, mas não impossível. Flórida, Ohio, Carolina do Norte, Texas, Iowa, Geórgia, Pensilvânia, Michigan, Arizona, Minnesota e Wisconsin são os principais. Não é coincidência que a campanha de Trump passou por sete desses estados em apenas três dias no encerramento da campanha.
Nada disso é exatamente uma novidade para o leitor desse espaço. O problema começa no fato de que a eleição para presidente dos EUA não é um pleito único e homogêneo, mas a combinação de 51 eleições estaduais. Ou seja, grupos como os 40 mil cidadãos da Flórida citados podem ter um impacto nacional. Além disso, são 51 possíveis regras diferentes sobre quem vota, como vota e como os votos são contabilizados. O problema se agrava e ganha contornos mais graves pelo fato de 2020 ser um ano extremamente atípico, com ainda mais mudanças e incertezas.
Problemas
A pandemia do novo coronavírus atrapalhou ou prejudicou as primárias, as campanhas e a logística eleitoral. Houve mudanças para incentivar o voto pelo correio ou o voto antecipado, como o realizado por Donald Trump na Flórida no dia 24 de outubro. O voto por correio dobrou em comparação com 2016, com cerca de 75 milhões de votos postais. Além disso, cada estado encarou e sofreu de maneiras diferentes a pandemia, consequentemente tomando medidas diferentes uns dos outros. No final das contas, são praticamente 51 regras diferentes para o que supostamente é uma mesma eleição.
Uma das principais diferenças será nos prazos para o voto por correio. Vinte e um estados, mais o Distrito de Columbia, vão aceitar cédulas que tenham sido postadas antes do dia da eleição, mesmo que cheguem depois. Por exemplo, o estado da Pensilvânia, um dos mais disputados, contabilizará cédulas recebidas até sexta-feira. Na Carolina do Norte o prazo será até 12 de novembro, desde que tenham sido enviadas até o dia dois. Por outro lado, vinte e nove estados contabilizarão apenas as cédulas recebidas até hoje.
Do universo de cinquenta estados, vinte e três permitiram o voto provisório, quando a pessoa votou pelo correio mas, para valer, esse voto precisa ser confirmado posteriormente. O próprio sistema de confirmação varia de estado para estado. Em pleitos anteriores, dezenas de milhares deixaram de valer por não passarem pelo crivo das autoridades eleitorais. Se isso evita uma fraude ou possibilita uma fraude, provavelmente vai depender do gosto partidário do freguês, caso ele não confie nas autoridades eleitorais.
Em diversos casos o tema foi parar na Suprema Corte, que não se guiou por interesses partidários e rejeitou tanto pedidos de extensão da contagem por democratas quanto pedidos de limitar a contagem por republicanos. A alegação jurídica foi da primazia dos estados e de que mudanças não devem ser feitas na véspera do pleito. No fundo, parte dessas decisões foi para evitar acusações de interferência política pela corte.
Essas regras diferentes afetam também o anúncio de resultados preliminares, com o placar final de apenas nove estados previstos para até quarta-feira. Consequentemente, o viés de confirmação ideológico das pessoas vai disparar durante a apuração, com suspeitas e acusações de fraudes diversas. Um estado que anuncie primeiro a apuração dos votos pelo correio vai contar com Biden na frente, enquanto um estado que comece pelo voto presencial vai ter Trump largando primeiro. Se o outro candidato se recuperar, virá a suspeita. “Como assim, do nada, o outro se alcançou?”.
Consequências e riscos
Esses dois problemas terão duas possíveis consequências. A primeira já ocorre, que é a extrema judicialização do pleito. Se cada voto em cada estado chave conta, cada partido vai buscar legitimar ou deslegitimar a maior quantidade possível de votos para sua vantagem, especialmente no que concerne o voto pelo correio. Cada distrito, cada condado e cada estado estará sujeito aos pedidos de recontagem e questionamento de algum conjunto de votos por alguma filigrana jurídica.
Uma contagem final vai demorar semanas e os mais céticos colocam que um resultado definitivo sairá apenas ao final do ano ou início de 2021, levando a ansiedade às alturas. Um agravante nisso é que, caso os delegados do colégio eleitoral não sejam confirmados até o dia 8 dezembro, os estados podem indicar esses representantes. E, dentro de cada estado, podem ocorrer mais disputas, agora entre governadores e legislaturas, caso sejam de partidos diferentes.
E sem ilusões movidas por preferências. Essa consequência é bipartidária, ambas as campanhas vão agir assim de acordo com o que melhore suas chances. Trump, por exemplo, fala explicitamente sobre a judicialização da eleição e a possibilidade dela parar na Suprema Corte, falando disso inclusive quando do processo de nomeação da juíza Amy Coney Barrett. A segunda consequência é a mais grave e, infelizmente, já se desenha em certa proporção.
Aceitar o resultado
A de que um dos candidatos, ou parte de seus apoiadores, não aceite uma derrota. Derrotas são sempre amargas, mas a ansiedade que fermenta por semanas de apuração e questionamentos acaba abrindo caminho para raiva, rancor, questionamentos maiores e comportamentos de risco. Por exemplo, declarar vitória, independente da realidade, e questionar o resultado posteriormente, minando a legitimidade da eleição como um todo. Assédio de eleitores ou em locais de votação. Confrontos entre apoiadores de cada candidato. Protestos de maior escala.
Nesse caso é importante apontar que Donald Trump tem jogado gasolina na fogueira. Ele é a pessoa que mais fala em fraude dos votos pelo correio, de uma eleição “armada”, de que ele enfrenta “forças poderosas”, etc. E claro que ele faz isso por interesse, já que, como dito, quanto menos votos, melhor para Trump, que possui um eleitorado mais engajado. A maioria dos votos pelo correio certamente será de Biden.
Ao mesmo tempo, é bom lembrar que o diretor dos correios, indicado em junho, é Louis DeJoy, aliado de Trump que colaborou com sua campanha. A Comissão Eleitoral Federal está paralisada desde julho, pois Trump não nomeou novos integrantes. É necessária muita boa-vontade para falar em fraudes generalizadas contra um governo que está no poder. E Trump é o atual presidente, o parâmetro de cobrança em relação ao seu comportamento precisa ser maior do que o em relação a algum líder comunitário do interior da Geórgia.
Toda essa tensão eleitoral citada por todo esse texto já produziu cenas de violência ou de prevenção contra um desastre, como tapumes cobrindo vitrines de lojas. E quando se trata da maior economia do mundo, a tensão não ficará reduzida às fronteiras dos EUA, mais a incerteza política entre Washington e seus principais aliados, com um mês de “limbo” aguardando o resultado das urnas. Um grande proveito, entretanto, pode vir dessa eleição nos EUA. O Brasil valorizar mais seu processo eleitoral, que está longe de ser perfeito, mas é melhor organizado e célere.
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