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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Eleição antecipada

Os neofranquistas farão parte do poder na Espanha?

Alberto Núñez Feijóo, líder do PP, grande vencedor das eleições municipais, provinciais e regionais da Espanha (Foto: EFE/Javier Lizón)

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Após uma derrota marcante nas eleições locais e regionais, o governo espanhol convocou eleições antecipadas. O primeiro-ministro Pedro Sánchez, líder do Partido Socialista Operário Espanhol, antecipou as eleições gerais que estavam previstas para o fim do ano para o dia 23 de julho, daqui a pouco mais de um mês, após ver o crescimento do Partido Popular nas eleições. O verdadeiro cálculo e motivo da antecipação, entretanto, é outro partido, o neofranquista Vox.

Primeiro, é necessário entender as subdivisões administrativas da Espanha. O país é unitário, com um sistema de poder devoluto nas comunidades autônomas. Não é como uma federação, como o caso do Brasil, em que existem competências claras dos entes da federação, separados em basicamente dois tipos, os estados e os municípios, mais o Distrito Federal com suas particularidades.

A Espanha possui 17 comunidades autônomas, algo levemente similar ao estado no Brasil, mais as duas cidades autônomas no norte da África, Ceuta e Melilla. Existe outra subdivisão menor, a província, que numeram em 50. Finalmente, existem as 8.131 municipalidades. Quando se fala em eleições locais, tratam-se das eleições municipais e provinciais. As eleições regionais tratam das comunidades autônomas.

Os três tipos de divisão administrativa escolhem seus governos em um modelo similar ao nacional, com a escolha de uma assembleia legislativa pelos eleitores e posterior formação de governo internamente aos representantes eleitos. Por exemplo, na capital Madri, a assembleia local, o Ayuntamiento de Madrid, é formado por 57 representantes. Caso um partido eleja 29 desses, nomeia o prefeito. Caso nenhum partido tenha maioria, é formada uma coalizão.

Eleições e derrota da esquerda

Nesse pleito, estavam em jogo todos os assentos de todas as mais de 8 mil assembleias municipais, 1.038 assentos em 38 das 50 assembleias provinciais, 737 assentos nos parlamentos de 12 das 17 comunidades autônomas e 50 assentos nas duas cidades autônomas. Feita essa explicação, ela é importante, pois a proporção nacional de votos pode ajudar a ilustrar a derrota do PSOE, mas ela é mais profunda ainda.

O partido de centro-esquerda perdeu diversas prefeituras e governos provinciais onde tradicionalmente vence. O PSOE, no total, teve 28% dos votos. O número não é tão catastrófico à primeira vista, já que é apenas 1% a menos do que nas eleições regionais de 2019 e a mesma proporção do que nas eleições nacionais de novembro de 2019, quando o atual governo Pedro Sánchez foi formado. Novamente, entretanto, esse número mente.

O Partido Popular, PP, conservador de centro-direita, teve 31% dos votos. Na última eleição regional, havia conquistado apenas 23%. Na última eleição nacional, menos ainda, com meros 20,8%. Além do grande crescimento proporcional, o PP conseguiu vitórias-chave, virando o governo de, no mínimo, três comunidades autônomas. Também está na liderança em outras comunidades, como em Aragão e Valência. Manteve a prefeitura de Madri e conquistou a de Múrcia, uma das maiores cidades do país, dentre outras.

Os conservadores serão o partido com maior número de representantes nos três níveis citados. Já o Vox, neofranquista de extrema-direita, consolidou sua posição como terceira força do país, dobrando sua proporção de votos em relação ao último pleito regional, agora com 7% do eleitorado. Ainda assim, metade dos 15% obtidos na última eleição nacional pela legenda. Isso se dá pelo fato de que muitas das pautas do partido são nacionais, como imigração ou a própria identidade espanhola.

Alienação do eleitorado

É essencial olharmos para o Vox para entender a decisão de Pedro Sánchez em antecipar as eleições. Em uma coluna de maio de 2019, contextualizamos o motivo do partido ser classificado como uma legenda de extrema-direita, e sugere-se a leitura, ou releitura, daquele texto. Um dos motivos do crescimento do Vox é o fato do PSOE ter se fiado nos partidos separatistas, republicanos e de esquerda radical para governar.

Isso alienou boa parte do eleitor moderado, que flutua entre as duas forças tradicionais, PSOE e PP, e também parte do eleitor de esquerda, que pode até apoiar maiores poderes regionais para bascos e catalães, mas não deseja uma fragmentação do atual Estado espanhol. Além do PSOE ter se aproximado de legendas como o basco Eh Bildu e o catalão Esquerda Republicana de Catalunha, a esquerda e a esquerda radical espanhola se fragmentaram.

Onde antes havia o Unidas Podemos como uma frente unida dos partidos menores de esquerda, agora existem o Podemos e o Movimiento Sumar, mais os vários partidos regionais de esquerda. Enquanto isso, a direita existe em duas forças, o gigante PP e o crescente Vox. Anteriormente havia o Ciudadanos, que caiu no esquecimento após sua mensagem de “renovação anticorrupção" fracassar.

Mira no Vox

Então, qual o motivo de falarmos que é o Vox, e não a vitória do PP, que explicam a decisão de Pedro Sánchez? Nas próximas semanas, o Vox será essencial para a eventual formação de governos viáveis em diversas comunidades, províncias e municípios. Devido ao fato de o Vox ser intrinsecamente ligado ao franquismo e seu legado, Sánchez espera que essas negociações desgastem o PP no curto prazo.

Na data original do pleito, o PP teria tempo de recuperar sua imagem, e questões como a inflação recorde atual, relacionada ao conflito na Ucrânia, terminariam de liquidar as chances do PSOE. Além disso, Sánchez deseja usar a ameaça do crescimento nacional do Vox como uma bandeira unificadora dos diversos partidos de esquerda, pensando que eles podem se juntar contra uma “ameaça comum”.

Isso, entretanto, possivelmente é ingenuidade do premiê. Os partidos de esquerda espanhóis, hoje, não chegariam a um consenso sobre temas básicos, quanto mais a formação de uma espécie de “frente ampla”. No fim das contas, a realidade é que o Vox se tornará o “kingmaker” de um eventual governo espanhol, o partido que pode, ou não, viabilizar uma coalizão parlamentar.

Aí os olhares se direcionam ao PP. Se o partido aceitar formar coalizões com o Vox nas comunidades autônomas, poderá sofrer algum desgaste e rejeição, mas abre caminho para uma aliança nacional entre as duas forças de direita. Pelas pesquisas eleitorais, hoje, essa coalizão teria maioria do parlamento espanhol e Alberto Núñez Feijóo, líder do PP, se tornaria o novo premiê. O nome é grafado com dois “o”s mesmo, e o som quase lusitano se dá pelo fato dele ser galego, uma região histórica e geograficamente próxima de Portugal.

Outra possibilidade é o PP não aceitar negociar com o Vox, rejeitando o caráter chauvinista e neofranquista da legenda. Isso acontece em outros países europeus. Por exemplo, na Alemanha, existe o consenso de não se fazer alianças com o Alternativa para a Alemanha, também de extrema-direita. Nesse caso, o parlamento espanhol ficaria fragmentado, sem governo viável, e o país repetiria sua sina recente. A de realizar uma série de eleições em busca de destravar um parlamento com quase dez legendas.

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