Joe Biden discursa em evento na Casa Branca, 26 de janeiro| Foto: MANDEL NGAN / AFP
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Joe Biden completou uma semana como presidente dos EUA. Já são oito dias assinando medidas executivas, algumas revertendo políticas de Donald Trump. Ao menos duas delas já foram parar no judiciário, como a determinação de uma moratória de cem dias nas deportações, barrada pelo juiz Drew Tipton, do Texas, nomeado por Trump. O texto, entretanto, não é sobre pesos e contrapesos do sistema dos EUA, mas sobre as primeiras ações de Joe Biden em relação ao Oriente Médio, onde ele enfrentará alguns dos principais desafios externos de seu governo.

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Durante essa semana, Biden teve seus nomes para as secretarias de Estado e de Defesa aprovados na sabatina no Senado. Antony Blinken e Lloyd Austin serão os nomes, respectivamente, e ambos já foram abordados previamente aqui no nosso espaço. Em relação ao Oriente Médio, algumas novidades já podem ser verificadas. A primeira é a reversão da política de Trump perante a Palestina, retomando as diretrizes do período Obama. Ou seja, retomada do contato com lideranças palestinas e restauração do financiamento dos EUA para a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo.

Segundo Richard Mills, embaixador interino dos EUA nas Nações Unidas, o novo governo está comprometido com uma solução de dois Estados para a questão israelense-palestina, com um "Estado palestino viável", como "a melhor maneira de garantir o futuro de Israel como um estado democrático e judeu". O uso do termo "viável" é uma referência velada ao plano de paz elaborado pelo genro de Donald Trump, considerado impraticável pelas lideranças palestinas. Outro aspecto interessante da decisão do governo Biden é que isso pode dar uma posição proveitosa aos EUA em relação ao processo eleitoral palestino, que, em 2021, escolherá um novo presidente e um novo legislativo.

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Questões como lisura eleitoral e até mesmo uma vitória do Hamas serão melhor abordadas existindo uma base de diálogo e algo para barganhar. Ao mesmo tempo, aparentemente, o governo Biden não vai retroceder no reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel. Esse parece ser um mote da nova política dos EUA para a região, uma relação de "morde e assopra" com Israel. Enquanto os Estados são aliados e possuem uma profunda relação que não pode ser descartada, os atuais governos não necessariamente possuem as mesmas prioridades e princípios. Um desacordo, então, é acompanhado de uma concessão simultânea, mantendo o jogo nivelado.

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Sauditas e emirados

Outra novidade é o anúncio de que Washington vai reavaliar sua postura em relação ao conflito no Iêmen. No apagar das luzes, o governo Trump classificou como terroristas os grupos houthis, xiitas apoiados pelo Irã que lutam contra o governo sunita mantido pelos sauditas. Sem sinalizar ainda uma revogação dessa classificação, o governo dos EUA afirmou que o conflito no Iêmen está causando uma das maiores tragédias humanitárias já registradas e que precisa ser interrompido. Ambas as afirmações são verdade, somente não são aceitas pelos sauditas.

E é em relação aos sauditas e aos Emirados Árabes Unidos que veio outra novidade, com o governo Biden anunciando que vai "colocar em suspenso" as exportações de armas para as monarquias do golfo. Indo direto ao ponto, as exportações vão ocorrer, Washington está apenas forçando a mão para receber garantias que possa cobrar depois. No caso dos sauditas, os contratos são principalmente para o fornecimento de munição e de bombas guiadas. Muito provavelmente para serem usadas no Iêmen. Uma eventual garantia de que as armas não serão utilizadas nessas circunstâncias, se cumprida, é ganho de Washington em "nome da paz". Se descumprida, abre possibilidade de uma cobrança.

No caso dos EAU, o assunto é mais delicado. O que foi colocado em suspenso é a exportação dos caças F-35, de tecnologia de ponta. Supostamente, por pressão israelense, que também opera o vetor, temendo perder a vantagem bélica em relação aos vizinhos. Possivelmente, também por temor de espionagem de outros países, motivo que colaborou para o cancelamento da venda do avião para a Turquia.

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O problema é que os F-35 foram prometidos pela administração Trump como contrapartida pelo reconhecimento de Israel por parte dos Emirados. Quem também não gostou da decisão foi o governo britânico, já que as vendas armamentistas do Reino Unido para países do golfo ficam ameaçadas de paralisação também, por conterem componentes de origem dos EUA. Novamente, as exportações provavelmente vão ocorrer, mas vão gerar alguma negociação extra e servem para a política de "morde e assopra" com Israel.

Finalmente, a pergunta de dezenas de bilhões de dólares: e o acordo nuclear com o Irã? Blinken já sinalizou que deseja que os EUA retornem ao acordo. O Irã pressiona, aumentando seu enriquecimento de urânio e declarando publicamente que o governo Biden precisa retirar as sanções impostas por seu antecessor. Biden provavelmente está em dúvida sobre como agir, e o comando israelense sinalizou com um eventual ataque contra o Irã. Para apaziguar seus aliados, Biden ordenou mais uma missão de bombardeiros de longo alcance na região, para exibir presença militar. A própria suspensão da venda dos F-35 pode ter conexão com o Irã, já que são eles os antagonistas dos emiradenses. Resta aguardar alguma novidade nas relações entre Washington e Teerã.

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