Papa Francisco em visita à Polônia| Foto:

O Papa é um Chefe de Estado, além de líder espiritual de mais de um bilhão de católicos do mundo inteiro. Em diferentes períodos da História, o Bispo de Roma teve maior ou menor poder temporal, entretanto, nunca deixou de ter relevante papel nas relações internacionais. Para termos um exemplo, a presença portuguesa onde hoje é o Brasil se deve, em parte, ao papel mediador do Papa na disputa entre lusitanos e castelhanos pelas novas descobertas ultramarinas, que resulta na assinatura do Tratado de Tordesilhas, em 1494.

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Com a concretização da unificação italiana, em meados do século XIX, é sacramentada a mudança no papel político do Papa, deixando para trás os momentos em que ele liderava exércitos ou conduzia a Itália. O papado de Leão XIII é um marco nesse sentido. A diplomacia, a negociação e a possibilidade de ser visto como um ator sereno e engajado na paz de longo prazo serão o tom da atuação política dos Papas no século XX.

Papa Francisco e a América Latina

Meses após sua eleição, Francisco veio ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que reuniu três milhões e meio de pessoas. Embora uma casualidade, já que o evento foi planejado para a presença de seu antecessor, Bento XVI, serviu de sinal do foco latino-americano das visitas de Francisco. Na América do Sul, o atual pontífice apenas não visitou a Venezuela, devido a crise econômica e a instauração de um governo autoritário; o Uruguai; e sua nativa Argentina, para evitar que sua imagem tenha uso partidário.

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Mesmo assim, Francisco coordena esforços da Santa Sé para servir como interlocutor entre o governo Maduro e a oposição venezuelana, que ainda está no país e os exilados políticos. A Igreja Católica busca cumprir o mesmo papel na Nicarágua, que também é conduzida por um governo autoritário que persegue opositores; ainda na América Central, Francisco canonizou o bispo salvadorenho Oscar Romero, executado em 1980 durante a guerra civil de seu país por um atirador do exército, enquanto celebrava a missa. Em 2019, Francisco irá ao Panamá, que receberá a JMJ.  

O Papa também visitou o México, mas foi em relação a dois conflitos herdados da Guerra Fria que ele teve papel decisivo. Em dezembro de 2014, o mundo foi tomado de surpresa pelos anúncios simultâneos feitos por Barack Obama e por Raúl Castro, declarando que EUA e Cuba retomariam suas relações. Ambos agradeceram ao sumo pontífice pelo seu papel em mediar tais conversas, via a troca de cartas entre os líderes; cerca de 60% da população cubana é católica, algo em torno de sete milhões de pessoas.

Francisco também mediou os diálogos secretos entre o governo colombiano e as FARC, contribuindo para acabar uma guerra de cinco décadas com um acordo assinado em novembro de 2016; o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, representou o Papa. A visita de Francisco à Colômbia, em setembro de 2017, ajudou na aproximação entre os diferentes lados do conflito e lançou iniciativas ao amparo dos afetados pela guerra.

Papa Francisco e o Oriente

O Papa também é notável por seus esforços ecumênicos para aproximar Roma de outras igrejas cristãs. Sua inauguração, em 19 de março de 2013, foi a primeira a contar com a presença do Patriarca Bartolomeu de Constantinopla da Igreja Ortodoxa, algo que não ocorria desde o Grande Cisma de 1054. Em 2016, em Havana, Francisco se encontrou com o também ortodoxo Patriarca Cirilo de Moscou, quando emitiram uma declaração conjunta buscando a união das igrejas. Novamente, algo que não ocorria desde 1054.   

Além desses exemplos, Francisco realizou diversas aproximações com líderes protestantes de diferentes igrejas. Também se encontrou com rabinos, imãs e líderes políticos relacionados à disputa entre israelenses e palestinos, como o premiê de Israel Benjamin Netanyahu e o presidente palestino Mahmoud Abbas. Em junho de 2015, a Santa Sé reconheceu oficialmente o Estado da Palestina, e, em janeiro de 2017, foi aberta uma embaixada palestina no Vaticano. Francisco espera que isso contribua para uma paz negociada e uma solução de dois Estados.  

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É no Extremo Oriente, entretanto, que está a principal atuação de Francisco em tempos recentes; ao menos, em potencial. A terceira visita do Papa foi à Coreia do Sul, em agosto de 2014; 8% da população é católica, quatro milhões de pessoas. Seis meses depois, Francisco celebrou a maior missa da História, em Manila, nas Filipinas, com a presença de cerca de seis milhões de fiéis, em um país com 80 milhões de católicos. Os números são importantes pois demonstram o alcance e a relevância do Papa como diplomata.

Sua atuação como mediador no Extremo Oriente começa a aparecer ao final de 2017, quando Francisco visita Mianmar e Bangladesh em meio ao genocídio dos rohingya, muçulmanos perseguidos no budista Mianmar e expulsos para o vizinho ao norte. Publicamente, quando em Mianmar, Francisco mediu as palavras, sendo alvo de críticas internacionais; entretanto, em Bangladesh, foi mais vocal em público.

Nessa viagem, Francisco encontrou-se com algumas das principais lideranças de ambos os países, inclusive o comandante do exército mianmarense, (ir)responsável último pelo genocídio. Algo que nenhum outro representante mundial conseguiu, e em dois países em que o catolicismo é minoritário. Se tais diálogos renderão frutos, ainda não sabemos. Podem, inclusive, ocorrer agora, por canais discretos.

Em 2019, Francisco pode retornar à península coreana, agora para visitar as duas repúblicas da Coreia. O presidente sul-coreano, Moon Jae-in, entregou ao Papa, no Vaticano, um convite do norte-coreano Kim Jong-un, para uma visita à capital Pyongyang. Isso ocorre durante mais uma visita de Mike Pompeo, secretário de Estado dos EUA, ao norte, em que foram acordadas inspeções nucleares e novo encontro entre Kim e Trump.

Ou seja, um momento em que a aproximação coreana e, principalmente, a projeção da Coreia do Norte em relação ao mundo serão temas culturais e sociais. Há necessidade de se mostrar aberto ao diálogo e aos símbolos ocidentais, mesmo que pouco presentes na Coreia do Norte. O Papa que serviu de ponte entre Havana e Washington pode também criar uma ligação entre Pyongyang e o mundo.

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É na China, entretanto, que Francisco foca seus esforços nos últimos anos. Estimativas colocam o número de católicos na China entre nove e doze milhões de fiéis. Um montante que cresce bastante nos últimos anos, e com enorme potencial, já que, convenhamos, é proporcionalmente ínfimo na imensidão demográfica chinesa. Na China continental, embora exista liberdade de fé, as autoridades religiosas devem estar subordinadas do Estado e não podem sofrer interferência estrangeira.

Ou seja, existem duas igrejas católicas na China, uma oficial, subordinada à Pequim, que nomeia seus bispos, e outra clandestina, perseguida, seguidora de Roma. Um impasse que remete à chamada “questão das investiduras” da Idade Média europeia. Em setembro de 2018, a Santa Sé e a China assinaram um acordo para melhoria das relações; o Papa irá apontar os bispos em concórdia com Pequim, poderá vetar qualquer bispo recomendado pelo governo chinês e reconhece sete bispos já nomeados por Pequim. Dois bispos chineses, inclusive, participarão imediatamente do próximo sínodo no Vaticano.

Nem tudo são flores, entretanto, como mostra o sentimento de “traição” de alguns católicos chineses, relatado por um padre brasileiro. Se, por um lado, o acordo permite o fim da perseguição pelo regime, por outro, ele pode apagar as décadas de perseguição e os mortos martirizados. Além disso, ao menos uma dúzia de clérigos católicos está presa pelo governo chinês.

Dado o gigantismo chinês e o potencial de crescimento do catolicismo no país, é natural que o Papa busque criar condições para que isso ocorra – ao ponto de ter recusado um encontro com o Dalai Lama, para não aborrecer as autoridades chinesas. Além disso, em um momento crucial, de tensões comerciais entre China e EUA e de tensões geopolíticas no Mar do Sul da China, Francisco pode ser necessário para construir mais pontes. Ou, ao menos, manter as que já existem.