A oposição turca chegou perto, mas agora só um milagre poderá levá-la a vitória presidencial no segundo turno. Recep Erdogan, o homem que governa a Turquia por praticamente todo o século XXI, provavelmente vai continuar no cargo por mais cinco anos.
No último domingo, mais de cinquenta e cinco milhões de cidadãos turcos votaram nas eleições presidenciais, um comparecimento eleitoral de quase 87%, um índice similar ao do último pleito turco. Dos presentes, 49,5% deles votaram em Recep Erdogan, que governa a Turquia desde 2003, seja como primeiro-ministro, seja como presidente, um período marcado pela deterioração democrática da Turquia.
Mais cerca de 250 mil votos e Erdogan era eleito em primeiro turno. Kemal Kilicdaroglu, liderando uma frente ampla que une vinte e quatro partidos, incluindo três dos cinco maiores no parlamento, ficou com 44,8% dos votos. Na Turquia, a maioria do voto das principais zonas urbanas, como Istambul e Ancara, foi para o candidato da oposição, assim como o voto no sudeste do país, região com maior concentração curda, minoria muitas vezes eleita “inimiga nacional” por Erdogan.
Condições de disputa e terceira força
O atual mandatário teve vantagem nas zonas rurais e na diáspora turca na Europa, enquanto os turcos no continente americano votaram principalmente no candidato da oposição, incluindo os turcos no Brasil. As pesquisas indicavam vantagem do candidato de oposição e, mesmo com uma vitória em primeiro turno algo improvável, era esperado que ele ficasse ao menos em primeiro lugar. Considerando as pesquisas e o fato de Erdogan centralizar tanto poder, é um resultado que pode causar estranhamento em alguns leitores.
Cerca de 90% da mídia é controlada pelo Estado ou por aliados de Erdogan. Milhares de jornalistas, juristas e militares críticos ao governo estão presos. A campanha recebeu financiamento de governos nem um pouco transparentes ou preocupados com direitos humanos, como da ditadura familiar do Azerbaijão.
No mínimo, não houve uma contenda em condições iguais. Qualquer denúncia sólida de fraude, entretanto, será certamente recebida com protestos populares, e não houve tal denúncia até o momento.
A oposição ainda pode sonhar com uma vitória? Sonhar não custa nada, mas será muito difícil, não apenas pela margem apertada de votos, mas por causa do terceiro colocado. O independente Sinan Ogan teve mais de 5% dos votos. Ele era integrante do Partido do Movimento Nacionalista, conhecido pela sigla MHP, mas saiu por ter posições ainda mais extremas. O MHP é um aliado essencial de Erdogan no parlamento, permitindo maioria ao presidente turco.
Ogan critica a política de refugiados de Erdogan, falando de um suposto “perigo árabe” para a população turca, devido aos milhões de sírios que vivem no país por causa da guerra no país vizinho da Turquia. Também possui um discurso inflamado contra os curdos. Tal discurso afeta ambos os candidatos que vão ao segundo turno, já que Erdogan, mesmo usando os curdos como espantalho nacional, possui deputados curdos em sua coalizão eleitoral. O discurso afeta principalmente Kilicdaroglu, entretanto.
O líder da oposição precisa do apoio do maior partido curdo para ter chances, o HDP. É possível que Sinan Ogan negocie algum apoio oficial aos candidatos no segundo turno, mas, mesmo que ele fique em silêncio, o seu eleitor jamais votará em Kilicdaroglu, que inclui partidos de esquerda em sua coalizão, além do maior partido curdo. Esse eleitor nacionalista e anti-imigração pode até “tapar o nariz” na hora de votar em Erdogan, mas certamente vai preferir o atual presidente.
Milagre
Fecham os resultados eleitorais Muharrem Ince, que retirou sua candidatura apenas dias antes do pleito. Seu rosto ainda aparecia nas cédulas e ele recebeu 0,4% dos votos, e outros 1,8% de votos foram em branco ou nulos. A única esperança da oposição para tirar cerca de dois milhões e meio de votos de diferença é que milhões que não votaram no primeiro turno compareçam e que os eleitores de Sinan Ogan não migrem em massa para Erdogan. Duas coisas bastante improváveis.
Precisamos voltar até 1987 para achar uma eleição popular turca em que mais de 90% do eleitorado compareceu. E mesmo que a oposição consiga esse milagre na corrida presidencial, não terá vida fácil no parlamento. Dos 600 assentos da Grande Assembleia Nacional, o AKP de Erdogan deve ficar com 267 deles. Mesmo perdendo mais de vinte assentos, ainda será a maior força da casa e, junto das cinquenta cadeiras de seus aliados do MHP, terão maioria na casa. O CHP de Kilicdaroglu ficou em segundo, com 169 assentos.
Confirmada a vitória de Erdogan, ele poderá concluir, no mínimo, vinte e cinco anos à frente de seu país. Seu próximo governo será marcado pela intensificação de sua política externa expansiva e agressiva em seu entorno regional. E, principalmente, pela difícil tarefa de renovar a economia turca, tirando o país da crise, da inflação e da desvalorização da lira turca. Ao menos Erdogan terá que resolver uma economia que ele mesmo bagunçou, sofrendo as consequências dos próprios erros.
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