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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Eleições na Bósnia-Herzegovina

Por que a Bósnia pode ser o novo grande problema para a Europa

Bandeira da Bósnia-Herzegovina com outras bandeiras ao fundo. (Foto: BigStock)

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Eleições realizadas no próximo domingo podem causar uma onda de tensão e violência. No caso, as eleições gerais realizadas na Bósnia-Herzegovina. O país, independente após o fim da Iugoslávia, é conhecido por ter sido o palco de um violento conflito entre sérvios e croatas. A guerra e a composição demográfica do país impuseram um arcabouço político curioso, que busca equilibrar os três grupos nacionais que ali vivem. Na última década, entretanto, as tensões nacionais apenas cresceram e, em 2022, ameaçam explodir.

Primeiro, não existe uma pessoa presidente da Bósnia. Vamos chamar o país apenas assim por objetividade, embora o nome completo seja Bósnia-Herzegovina. A presidência é exercida coletivamente, via um órgão composto por três integrantes, um representando a comunidade bosniaca, um da comunidade bósnio-croata e outro da comunidade bósnio-sérvia. Os bosníacos são por vezes chamados de “bósnios muçulmanos”. Foram eles o alvo de um genocídio, por sérvios e por croatas, durante as guerras dos anos 1990.

Os três membros integrantes eleitos cumprem um mandato coletivo de quatro anos e um deles é designado de maneira rotativa como presidente. A cada oito meses temos um novo presidente, mas todas as decisões são coletivas, e cada pessoa ocupa o cargo duas vezes no período de quatro anos. Como o leitor deve imaginar, não é exatamente um mecanismo muito prático e, por vezes, causa discórdias. Praticamente todas as instituições bósnias são triunviratos, até mesmo a federação nacional de futebol.

Republika Srpska 

Um elemento importante na eleição é que, enquanto os integrantes bosníaco e bósnio-croata são eleitos em distritos eleitorais conjuntos, o integrante bósnio-sérvio é eleito dentro da Republika Srpska, a região autônoma de maioria sérvia dentro do país. Isso tanto incentiva o separatismo dos bósnio-sérvios, com muitos desejando uma fusão entre a Republika Srpska e a Sérvia, quanto gera ressentimento entre os bósnio-croatas, que não tem a mesma autonomia, também buscando separatismo por se sentirem tratados de forma não-isonômica em relação aos bósnio-sérvios.

Existem também propostas de criar uma unidade federal de maioria croata, especialmente nos territórios a oeste, perto da fronteira com a Croácia na Dalmácia. Talvez o mais visível e recente exemplo desse ressentimento croata se deu nas últimas eleições, em 2018. Na ocasião foi eleito como representante bósnio-croata o candidato Zeljko Komsic, de uma coalizão partidária não-nacionalista. Essa é outra particularidade da política Bósnia, os partidos se dividem também entre os defensores do modelo federal, não-nacionalistas, e os nacionalistas, que muitas vezes incluem pautas separatistas.

Segundo os bósnio-croatas, Komsic foi eleito por causa do voto em distritos sem maioria croata, ou seja, graças ao voto bosníaco. Muitos bósnio-croatas nacionalistas protestaram, afirmando que o legítimo representante deveria ser Dragan Covic, da coalizão nacionalista. A proposta de criar um distrito eleitoral próprio voltou ao cerne do debate político e chegou-se ao ponto de algumas cidades de maioria bósnio-croata declararem o presidente Komsic como persona non grata, teoricamente o representante deles.

Separatistas 

No lado sérvio a situação não é mais tranquila. A candidata bósnio-sérvia à presidência bósnia favorita nas pesquisas é Zeljka Cvijanovic, da coalizão abertamente separatista. Ela é próxima, e do mesmo partido, de Milorad Dodik, o atual representante bósnio-sérvio na presidência nacional. Ele não será candidato à reeleição, optando por se candidatar ao cargo de presidente da Republika Srpska, um cargo interno e muito mais simbólico. Ao mesmo tempo, ele poderá se projetar como o principal líder dos bósnio-sérvios.

Ao contrário de alguns de seus antecessores, Dodik não é um criminoso de guerra. Não que isso signifique que ele é uma figura moderada em seu nacionalismo. Em bom português, Dodik é um líder fascista, que nega a História, incluindo crimes contra a humanidade muito bem documentados, e que prega a superioridade de um povo e a inferioridade de outro. Defende abertamente a secessão dos bósnio-sérvios e a união com a Sérvia. No início do mês ele se encontrou com seu principal aliado internacional, Vladimir Putin, em Moscou.

Em um discurso feito no início da semana, Dodik falou que “não podemos ficar na Bósnia-Herzegovina, não é o lugar para nós. A Bósnia-Herzegovina é um lugar que constantemente nos impede de decolar em nosso desenvolvimento (...) E eu acho que essas condições (para separação) estão sendo criadas, a Europa está cada vez mais em apuros. A América está perdendo sua força. Um novo mundo está sendo criado. (...) Nesse mundo é importante que a Republika Srpska tenha Milorad Dodik que possa ligar para Putin e vê-lo amanhã.”

Putin e a Rússia 

A Rússia é a principal aliada da Sérvia desde meados do século XIX. Não seria possível a Sérvia endossar algum separatismo na Bósnia sem o apoio russo. Ao fazê-lo, Putin pode contribuir para uma crise na Europa, que necessitará da atenção da União Europeia, e dar ressonância para sua retórica de que a independência do Kosovo supostamente serviria de precedente para os separatismos baseados em maioria populacional. Seja na Bósnia, seja na Ucrânia.

É importante deixar claro o termo “contribuir”. A crise na Bósnia é gestada desde o nascimento do país, praticamente, e poderia ocorrer independente de lideranças internacionais. É um modelo problemático de Estado derivado de uma guerra civil extremamente traumática e da falta de unidade nacional em uma região que, desde o período otomano, é de contato entre diferentes populações.

A eleição de domingo, caso confirme as vitórias dos separatistas bósnio-sérvios, pode iniciar um período de turbulência e de violência na Bósnia. Os bósnio-croatas provavelmente vão reagir na mesma moeda, enquanto os bosníacos correm o risco de ficar isolados dentro de seu próprio país. Dificilmente um ator aceitará facilmente alguma mudança no status quo, com um risco real de violência e de profunda crise política.  

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