A Rússia retomou a ofensiva na guerra na Ucrânia. Depois da vergonhosa perda da nau-capitânia do Mar Negro e do exército russo ter sido detido nas portas da capital Kiev, as forças russas estão próximas de tomar completamente a cidade portuária de Mariupol. Isso abriria diversas possibilidades no fronte. A ofensiva, entretanto, supostamente corre contra o tempo, o que pode prejudicar os planos da Rússia.
Até o início da guerra, Mariupol era o maior porto ucraniano no Mar de Azov, interno ao Mar Negro. O verbo no passado se justifica pelo fato da cidade estar completamente destruída depois de semanas de cerco e de combates em suas ruas. A cidade, local de nascimento do infame Batalhão Azov, fica no oblast de Donetsk, reconhecido como independente pelo governo Putin no último dia de 21 de fevereiro.
Mariupol
Segundo as informações mais recentes, a resistência ucraniana está reduzida e concentrada em apenas alguns locais. Na última semana, mais de mil fuzileiros navais ucranianos teriam se rendido, já sem provisões e munição, dado o cerco da cidade. Os últimos defensores, entretanto, declararam que não vão se render, afirmando que as imagens de mortos vistas no norte do país seriam um “aviso” da consequência da rendição.
A cidade, hoje, já não é o prêmio de guerra que seria dois meses atrás. A destruição atingiu inclusive parte de sua infraestrutura mais importante, como fábricas e o porto. Ainda assim, ela cumpre um papel estratégico. É o último entrave que impede uma ligação direta entre as forças russas ao sul, na Crimeia, e as forças no leste, no Donbass. A conexão terrestre permitiria melhor trânsito de suprimentos e de forças.
A tomada de Mariupol também permitiria que todas as forças russas no leste se concentrassem na ofensiva na região do Donbass. Segundo analistas de inteligência, a estratégia russa é de realizar uma dupla ofensiva, uma no sentido norte-sul e a outra no sentido contrário. Ao se encontrarem, as forças russas cercariam algumas das principais unidades do exército ucraniano, concentradas na chamada “linha de contato”.
Ofensiva no Donbass
Em pronunciamento, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky afirmou que “as forças russas começaram a batalha por Donbass para a qual estão se preparando há muito tempo e uma quantidade considerável das forças russas está concentrada e focada nessa ofensiva”. Tudo indica que as próximas semanas serão de combates acirrados e, infelizmente, mais imagens como as já conhecidas: destruição de cidades, civis em fuga e denúncias de eventuais atrocidades.
Existiria também a expectativa do governo russo de que a ofensiva seja bem sucedida antes do dia Nove de Maio, o Dia da Vitória, a data que celebra a vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. Para os russos, a Grande Guerra Patriótica. Na verdade, muito provavelmente a Rússia esperava que a guerra já estivesse encerrada semanas atrás. O impacto da resistência ucraniana, o constante fluxo de armas pelos países da OTAN e as pesadas sanções econômicas dificilmente entraram nos cálculos, não com a intensidade que ganharam na vida real.
Se confirmada, a questão do Dia da Vitória pode afetar o desenrolar do conflito em duas maneiras distintas. Primeiro, no campo militar, pode "apressar" as forças russas, dando um prazo, um caráter de urgência para a ofensiva. Isso pode forçar decisões erradas, aumentar o número de perdas e a desconsideração por vítimas civis ou por números de baixas. Também pode turbinar a moral dos defensores ucranianos, motivados pela ideia de que se a resistência ainda existisse no dia 10 de maio, seria uma vitória ucraniana.
Diplomacia
No campo diplomático, pode atrapalhar uma eventual solução negociada do conflito. O ministro das Relações Exteriores ucraniano, Dmitro Kuleba, já declarou que o contato entre os dois lados é mantido apenas pelas equipes de negociadores em Belarus, sem contatos de alto nível dos ministérios. Também afirmou que a situação em Mariupol poderia ser “linha vermelha” para o sucesso das negociações, referência ao eventual banho de sangue que um “último bastião” pode representar.
Principalmente, a ideia do Dia da Vitória como prazo para o sucesso da ofensiva pode atrapalhar as negociações justamente por transmitir a ideia de uma vitória, de uma submissão ucraniana. O fato é que a Rússia não conseguiu as condições decisivas para poder proclamar uma vitória. Pode até conseguir no futuro, mas esse não é o cenário atual, e não é provável que em apenas algumas semanas consigam essas condições.
Ou seja, seria necessária uma solução negociada. Numa situação como essa, talvez o elemento principal dos atores envolvidos seja o de manter parte de seu orgulho, a ideia de que não ocorreu uma rendição incondicional. Ao contrário da Alemanha nazista, em maio de 1945, o que dá ainda mais peso ao simbolismo da data. A ideia de um desfile militar se vangloriando da derrota ucraniana não apetece os negociadores de Kiev.
É mais realista, infelizmente, pensar que a guerra na Ucrânia ainda vai se arrastar. O comportamento do governo russo em relação aos tradicionais festejos do dia Nove de Maio poderá revelar mais dessa eventual estratégia. Longe de uma parada militar de glórias, a Rússia precisa lidar com a realidade das perdas sofridas e de que uma solução militar para esse conflito parece cada vez mais longe.