O Partido Socialista português teve o terceiro melhor desempenho eleitoral de sua História no último domingo. A eleição remete ao fim da coalizão da Geringonça entre o PS, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, em novembro, quando os partidos discordaram do orçamento para 2022. Como explicamos naquela ocasião, o desejo do PS era conseguir a maioria no Parlamento, dispensando a necessidade de coalizão. No fim das contas, a aposta se pagou, no que não é o único resultado interessante da eleição.
As pesquisas apontavam que o Partido Socialista teria cerca de 35% dos votos, enquanto o Partido Social Democrata (PSD) teria cerca de 33%. Apesar do nome, o PSD é de centro-direita e o principal partido do campo conservador português. As pesquisas, entretanto, erraram. O PS conquistou 41,7% dos votos, 5,4% a mais do que no pleito de 2019. O resultado é superado pelos 45,0% dos votos em 2005, o melhor resultado da História do partido e a última vez que um partido havia conquistado a maioria sem o estabelecimento de uma coalizão, seja pré-eleitoral ou posterior.
Em 1999, o PS, então liderado pelo atual secretário-geral da ONU, António Guterres, teve sua segunda maior votação, com 44% dos votos. Naquela ocasião, entretanto, o número não foi suficiente para a maioria e seu governo durou apenas dois anos. Os votos do último domingo dão uma bancada de 117 parlamentares, um crescimento de nove cadeiras, e um a mais da metade de 230. O premiê Antônio Costa, no cargo desde 2015, afirmou que “a maioria absoluta não significa poder absoluto. Não significa governar sozinho. É uma responsabilidade a mais.”.
Curiosamente, o que talvez explique a vitória do PS tenha sido o fato de, nas últimas semanas, o partido ter cedido em sua busca por uma maioria absoluta. O que era o objetivo declarado em novembro passou a ser visto como sinal de arrogância e de recusa ao diálogo, principalmente perante o eleitorado de esquerda. Nos debates televisivos e nas semanas recentes, entretanto, Antônio Costa frisou o diálogo e uma eventual necessidade de manter uma coalizão de esquerda para governar. Talvez a postura conciliadora tenha atraído mais eleitores das legendas de esquerda.
Concentração da esquerda
A vitória do PS, inclusive, veio com a derrota das outras legendas de esquerda. O Bloco de Esquerda foi de terceira força para sexta bancada do parlamento, com apenas cinco assentos. Perdeu catorze e conquistou menos da metade do eleitorado em comparação com o pleito de 2019. A Coligação Democrática Unitária, entre o Partido Comunista e os Verdes, também minguou, perdendo metade de sua bancada. No pleito anterior, haviam conquistado 6,3% dos votos. Agora, apenas 4,4%.
O leitor talvez estranhe a relação entre a proporção de votos e o tamanho da bancada. Por exemplo, o PS terá mais da metade do parlamento, sendo que teve menos da metade dos votos válidos. Isso ocorre pela distribuição dos votos em cada Círculo Eleitoral, o que seria o distrito português. Cada distrito elege um número de parlamentares proporcional à sua população.
Lisboa, por exemplo, elege 48 parlamentares, e o único distrito onde o PS não foi o mais votado foi em Ilha da Madeira, onde a filiação regional do PSD triunfou. Além disso, o comparecimento eleitoral cresceu em comparação com 2019, em 3,5% dos eleitores. Interessante mencionar também que as bancadas ainda podem crescer, já que os quatro assentos reservados para os eleitores portugueses no estrangeiro ainda não foram decididos.
Retornando às declarações do primeiro-ministro, ele afirmou que seu partido está pronto para o diálogo com todas as forças políticas, exceto o Chega. Um ano atrás falamos um pouco do partido aqui em nosso espaço, especialmente de seu líder, André Ventura, o “Bolsonaro português”. O Chega une diversas bandeiras dos novos partidos de direita nacionalista europeus, como o discurso anti-imigração e eurocético, e incluiu elementos lusitanos, como a tentativa do resgate histórico do Salazarismo fascista. Nesse sentido, se aproxima do neofranquismo do Vox, na vizinha Espanha.
Crescimento na direita
É importante destacar essas características locais, para evitar que se caia em uma tipificação quase amorfa. O Chega, no Europarlamento, partilha bancada com, dentre outros, o francês Reunião Nacional, de Marine Le Pen, e o alemão Alternativa para a Alemanha. Isso não quer dizer que seja apenas uma cópia desses ou que não tenha bandeiras locais, como sua visão ideológica sobre o império colonial português, imigrantes africanos em Portugal e o preconceito contra povos Roma, os “ciganos”.
E o Chega foi o maior vencedor das eleições, proporcionalmente falando. O partido conquistou 7,2% dos votos, 5,9% a mais do que na última eleição. A bancada foi de um para doze, fazendo do partido a terceira força do parlamento, exatamente o cenário previsto na coluna de novembro. Em segundo lugar ficou o citado e tradicional PSD, com 29% dos votos e 76 cadeiras. Em quarto lugar ficou a Iniciativa Liberal, uma espécie de “partido Novo” português, em uma analogia com todos os problemas das analogias.
O IL conquistou 5% do voto e foi de um para oito parlamentares. Fecham o parlamento o ambientalista Pessoas-Animais-Natureza e o socialista Livre, cada um com um parlamentar. Com a formação do parlamento em mente, pode-se especular outro motivo da vitória do PS, além de um discurso mais amigável do premiê. Pensando em uma clivagem apenas entre esquerda e direita, o parlamento de 2019 tinha 144 cadeiras ocupadas por partidos de centro-esquerda e de esquerda, enquanto 86 estavam no pólo oposto.
Já nessa eleição, a mesma clivagem está em 130 a 96, com ainda quatro cadeiras em aberto. Ou seja, a esquerda diminuiu, mas ao mesmo tempo se concentrou em apenas um partido, daí a vitória do PS. Talvez pelo eleitor se ver contemplado pela citada mudança de discurso pelo premiê, talvez por motivos pragmáticos, de votar em quem teria mais chances. A decisão do eleitor, por um lado, garante mais estabilidade política, já que o país não dependerá de uma coalizão e, ao que tudo indica, o PS governará por quatro anos.
Nesse período, a principal responsabilidade do PS será administrar o montante de quase dezessete bilhões de euros destinados ao país pelo fundo de recuperação da União Europeia, como parte dos esforços de retomada econômica pós-pandemia. Com esses recursos, caso tenha sucesso na retomada econômica, unida ao bem-estar social, e mantenha o equilíbrio fiscal que marcou seu governo nos últimos anos, o PS recebeu um presentaço do eleitor. Por outro lado, terá a oposição mais vocal dos últimos tempos.
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