Georgianos pró-União Europeia comemoram em frente ao Parlamento a derrubada do projeto de lei sobre agentes estrangeiros| Foto: EFE/EPA/ZURAB KURTSIKIDZE
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A semana foi de intensos protestos na Geórgia, em um exemplo de como o mundo dá voltas. O país do Cáucaso é por vezes citado aqui em nosso espaço, mas não é tema de uma coluna própria desde o longínquo ano de 2018, quando o mundo era bem diferente. A última semana mostrou como as relações políticas nos Estados pós-soviéticos podem ser mais complexas do que uma primeira vista denuncia.

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Na maioria dos Estados pós-soviéticos, além dos habituais conceitos de direita e de esquerda, existe outro elemento que separa os partidos e movimentos políticos: as relações com Moscou. Existem os que defendem a manutenção de boas relações com a Rússia, ou que representam comunidades russófonas legadas do período em que os 15 Estados eram um único país.

No lado oposto, existem os que buscam aproximação com o chamado Ocidente, nomeadamente a União Europeia e a OTAN. Esse fenômeno é visto em quase todos os países ex-soviéticos, salvo a própria Rússia, o Turcomenistão, onde não existe política fora da ditadura, a Letônia e a Lituânia, países bálticos onde o repúdio a Moscou é praticamente uma unanimidade.

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Até 2008, a Geórgia repetia esse fenômeno. Em agosto daquele ano, a Rússia invadiu o pequeno país caucasiano e ocupou duas regiões pró-Rússia, a Abcázia e a Ossétia do Sul. A Geórgia pouco conseguiu resistir ao poderio militar russo. Obviamente, o contexto do conflito é mais complexo, envolvendo governos pró-Ocidente, a possível entrada georgiana na OTAN e a presença de russófonos no território do país.

Partido pró-Ocidente

O leitor pode notar similaridades com a atual guerra na Ucrânia. No caso georgiano, depois de 2008, ocorreu um intenso processo de “desrussificação” no país. O principal partido pró-Rússia da Geórgia, o União Cidadã, já havia sido dissolvido, após uma debandada que formou o Movimento de Unidade Nacional, pró-Ocidente, liderado por Mikheil Saakashvili, que foi presidente do país e, posteriormente, buscou exílio na Ucrânia.

Com a proposta de criar um partido “do zero”, que fosse contra a corrupção sistêmica da Geórgia e que defendesse propostas liberais pró-Ocidente, Bidzina Ivanishvili, bilionário, cidadão mais rico da Geórgia e uma das 200 pessoas mais ricas do mundo, fundou o Sonho da Geórgia, um partido social-democrata e pró-União Europeia, em 2012. O “sonho” do nome seria ver uma Geórgia moderna, parte da UE e da OTAN.

De 2013 até hoje, o partido ocupou tanto a chefia de governo, o cargo de primeiro-ministro, quanto a chefia de Estado, na presidência. A questão é que ocupar o poder de forma tão ampla por uma década não deixa um partido incólume, por mais idealista que possa ser sua proposta. Hoje, o partido tornou-se um aparato enorme, com diferentes facções dentro dele, buscando o poder.

A crise anterior ocorreu no início de 2021, quando o então premiê Giorgi Gakharia renunciou, pressionado por seu próprio partido. Ele foi sucedido por Irakli Garibashvili, atual premiê, ocupando o cargo pela segunda vez. Ao sair, Gakharia afirmou que as “velhas lideranças” estavam encontrando espaço no partido, incluindo setores pró-Rússia e políticos ligados, ou até comprometidos, a Putin.

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Garibashvili tentou melhorar as relações com a Rússia, de fato, mas daí a chamá-lo de russófilo vai um pélago. Depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, por exemplo, ele acelerou o processo de entrada do país na OTAN. Também faz mera “vista grossa” para as centenas de georgianos que lutam pela Ucrânia no conflito. Pela lei georgiana, esses cidadãos deveriam perder a nacionalidade.

Proposta de lei

O governo georgiano, na última semana, propôs uma “lei de agentes estrangeiros”. Pelo texto, que chegou a ser aprovado em votação preliminar, qualquer entidade jurídica georgiana que tivesse mais de 20% de suas receitas originárias do exterior deveria ser registrada como “agente estrangeiro”. Isso se aplicaria a veículos de imprensa, ONGs e até mesmo clubes esportivos.

Muitas organizações georgianas, hoje, recebem financiamento de países europeus e da UE, como parte de políticas de aproximação do país, oficialmente um candidato. O governo e seus apoiadores afirmam que se trata de uma questão de soberania. A proposta, entretanto, motivou enormes protestos na capital, Tbilisi, denunciando que seria parte de um pacote autoritário do governo.

Principalmente, muitas pessoas e lideranças políticas apontaram a similaridade com a lei aprovada em 2012 na Rússia, em termos e em objetivos. Dezenas de pessoas foram presas no grande protesto do último dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher e feriado na Geórgia, assim como em muitos países ex-soviéticos, já que a data era feriado no país socialista.

Mesmo a presidente do país, teoricamente uma figura apartidária, embora ligada ao Sonho da Geórgia, Salome Zourabichvili, se pronunciou contra o projeto. Após a ampla repercussão negativa, o governo retirou a proposta de votação, embora o destino dos manifestantes presos ainda seja incerto. O estrago na imagem do partido, entretanto, já está feito.

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Faltando pouco mais de um ano para as próximas eleições do Parlamento nacional, o partido fundado como reformista e anti-sistema agora é cada vez mais visto como o próprio sistema pelos georgianos, um partido infiltrado pelos “velhos oligarcas”, que emulam o seu suposto grande espelho, a Rússia de Putin. Um exemplo do ditado que diz que o mundo dá voltas.