Volodymyr Zelensky demitiu na quinta-feira da semana passada, dia oito de fevereiro, o então comandante das Forças Armadas ucranianas, o general Valery Zaluzhnyi. Como “prêmio de consolação”, o general foi laureado Herói da Ucrânia, a mais alta condecoração militar do país. Os motivos da demissão ainda não estão claros, pode-se apenas especular. Um impacto crucial da decisão, entretanto, pode ocorrer a milhares de quilômetros dali, em Washington.
Trata-se da maior reorganização do comando militar ucraniano desde o início da invasão russa em fevereiro de 2022, há dois anos. Segundo Zelensky, “tivemos uma conversa franca sobre quais são as mudanças necessárias no Exército. Mudanças urgentes". Além de comandante do fronte, Zaluzhnyi, que tem apenas cinquenta anos de idade, também era figura bastante presente no noticiário, tanto doméstico quanto internacional, solicitando aos aliados ocidentais mais e mais modernos armamentos.
A citação à idade do general não é mera afetação, ela é importante por dois motivos. Primeiro, exemplifica a meteórica ascensão militar de Zaluzhnyi, um general de quatro estrelas. Segundo, trata-se de um dos primeiros oficiais generais formados dentro de uma Ucrânia independente, sem parte da instrução feita ainda em tempos soviéticos. Seu substituto, Oleksandr Syrskyi, por exemplo, formou-se na prestigiada academia de Moscou, um “Cadete do Kremlin”, e serviu no exército soviético no Afeganistão.
A presença midiática, a ascensão meteórica e a identidade de Zaluzhnyi fizeram dele uma das pessoas mais populares de toda a Ucrânia, tanto entre os militares quanto na opinião pública. Talvez até mais do que o próprio presidente. Uma pesquisa feita em dezembro de 2023 pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kyiv afirma que Zaluzhnyi tem a confiança de 92% da população e que 72% da população não concordaria com Zelensky caso o presidente demitisse o general.
E essa popularidade pode ser a primeira razão de sua demissão. Zelensky adiou as eleições ucranianas recentemente, devido à lei marcial vigente. Isso foi motivo de críticas e o início de uma preocupação sobre o futuro político do país. Zelensky ficaria no poder até o fim da guerra? Mesmo o conflito prometendo tornar-se uma guerra congelada? Zaluzhnyi poderia ser uma ameaça ao prestígio do presidente. Novamente, trata-se de especulação, mas que se relaciona com outra crise.
Uma pesquisa feita em dezembro de 2023 pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kyiv afirma que Zaluzhnyi tem a confiança de 92% da população e que 72% da população não concordaria com Zelensky caso o presidente demitisse o general
No último mês de junho, a Ucrânia iniciou sua tão planejada e sonhada contraofensiva de verão, que não rendeu frutos. Será que o general é um bode expiatório desse fracasso, inclusive limpando a imagem do governo, que tanto vendeu a imagem da contraofensiva no exterior? Ou o fracasso é de fato responsabilidade dele e ele estaria sendo punido por isso? Ao comentar a demissão, Zelensky também afirmou que seu país precisaria de um plano de combate "realista" para enfrentar a invasão russa.
Essa declaração é curiosa, já que Zelensky sempre afirma que seu país não fará concessões territoriais aos russos, nem sequer a cessão da Crimeia, pregando por uma “vitória total”. O presidente ucraniano estaria prestes a mudar de perspectiva, ou a ideia de uma vitória total era influência de Zaluzhnyi, que conseguiu infligir pesadas baixas aos russos? A questão principal é que todas essas perguntas também estão sendo feitas em gabinetes de políticos em Washington.
Afinal, o que explica a demissão de um general que estava cumprindo bem sua função? Seis meses atrás, em agosto de 2023, falamos aqui sobre a corrupção nas forças armadas ucranianas e como isso poderia também influenciar políticos dos EUA a não enviarem recursos para a Ucrânia. Nessa semana, no último dia treze, o Senado dos EUA aprovou o envio de sessenta bilhões de dólares em ajuda para a Ucrânia. A proposta agora vai para a Câmara, onde terá vida muito mais difícil, em uma casa controlada pela oposição em ano eleitoral. Não será fácil, nem para Biden, nem para Zelensky, conseguir essa aprovação, que é contestada por Trump e seus aliados.