Nomes são palavras poderosas, símbolos que contém laços ancestrais, origens, destinos. Saber o nome de alguém ou de algo é a chave para o entendimento daquele ser. Diferentes mitos e culturas dão importante destaque aos nomes. Há 25 anos, a República da Macedônia teve reconhecida a sua independência. Na prática. Em teoria, é a Ex-República Iugoslava da Macedônia (FYROM, sigla em inglês), já que o país é impedido de usar o seu nome oficial internacionalmente, o que bloqueia uma maior integração do país com o mundo.
A disputa pelo nome Macedônia é entre a república ex-iugoslava e a Grécia, vizinha ao sul. Os gregos alegam que o nome “Macedônia” é parte de seu patrimônio histórico, e que o uso internacional dele seria uma violação dessa herança. Os gregos usam o nome Macedônia para três de suas regiões administrativas (algo similar aos estados brasileiros), além de ser o nome da macrorregião geográfica. Este impasse nunca esteve tão perto e tão longe de ser resolvido quanto nas últimas semanas, dada sua sensibilidade.
Geografia e nação
Esta disputa talvez seja o melhor exemplo para a discussão de termos que muitas vezes soam sinônimos, ou preciosismos, mas com impacto real. Ao ouvir o nome “Macedônia”, a reação da maioria das pessoas é pensar em Alexandre, o Grande, que conquistou quase todo o mundo que ele conhecia antes de morrer aos 32 anos de idade. Certamente, algum coach motivacional deve usar esse exemplo em suas vendas: foi seu pai, Filipe 2° da Macedônia, que conquistou os estados gregos, em uma unificação que possibilitou a expansão sob Alexandre e a criação do mundo helenístico.
Os antigos macedônios escreviam em um idioma similar ao grego e, embora não admitidos como gregos “iguais” pelos atenienses, as relações entre as culturas e os reinos, há 2.400 anos, mostram que eles estavam inseridos em um “mundo grego”. A capital daquela Macedônia era (na maior parte do tempo) era a cidade de Pella, localizada em território atualmente grego. Ou seja, seria razoável dizer que a herança cultural desse antigo reino é do atual país, Grécia. As fronteiras atuais, entretanto, são reminiscentes da Primeira Guerra Mundial, cem anos atrás. Milhares de anos separam as duas coisas, e os movimentos de populações não seguiam linhas em um mapa.
Nesse meio tempo, toda a região montanhosa que está no norte da atual Grécia, na atual República da Macedônia e em partes da Bulgária e de Montenegro, era chamada apenas de “Macedônia”, nome da equivalente província romana, cujo legado durou séculos. Agora, além de um reino, existe também uma região montanhosa chamada Macedônia. No início do período chamado de Idade Média, a região montanhosa da Macedônia romana passará por grande mudança demográfica. Chegaram povos eslavos, incluindo sérvios e búlgaros, que estão ali até hoje. Os atuais macedônios são povos eslavos do sul (iugoslavos), falantes de um idioma eslavo, não de grego.
Está aí a síntese dessa disputa pelo nome. Ao norte, vive uma população eslava que se denomina macedônios por viverem nas montanhas da Macedônia. Ao sul, estão os gregos, que afirmam que os macedônios seriam um povo grego e, por isso, a República da Macedônia não poderiam existir, já que é uma referência nacional. Daí vem o compromisso assumido pelos países, de adicionar um qualificador geográfico ao nome do país independente: República da Macedônia do Norte. O nome deixaria de significar uma nação, mas uma região, que tem a sua população com uma herança própria, mas separada.
Nacionalismo e congelamento
O nacionalismo macedônio remonta ao século 19, desde o domínio otomano, com a visão romantizada de que a “essência macedônia” está naquelas montanhas, independente de serem falantes de grego ou de eslavo. Como todos os nacionalismos de então, ainda mais nos Bálcãs, ele possui uma causa irredentista: a da Macedônia Unida, ou Grande Macedônia. A consolidação de toda a Macedônia histórica (incluindo uma parcela que atualmente é da Bulgária), com a capital em Tessalônica, cidade grega, chamada de Solun em eslavo.
A complexa e rica história dos Bálcãs extrapola, e muito, qualquer síntese. O cerne aqui é que a disputa pelo nome Macedônia inclui diversos interesses nos últimos cem anos: nacionalismo e irredentismo eslavo-macedônio; nacionalismo grego; irredentismo búlgaro, alegando que os macedônios seriam apenas um “grupo” interno à nação búlgara, justificando até políticas expansionistas; o pan-eslavismo iugoslavo, que defende uma unidade de todos os povos eslavos ao sul do Danúbio.
Não à toa que a Macedônia foi cerne de batalhas e disputas durante as duas guerras mundiais e em conflitos locais, como as duas Guerras dos Bálcãs, em 1913. Uma entidade nacional com esse nome surge apenas em 1946, como parte da federação iugoslava. Com a dissolução do país, em 1991, a Macedônia declara independência, reconhecida em 1993. Somente é admitida na ONU com o nome provisório de FYROM.
Seus desejos de ascensão à União Europeia e à Organização do Tratado do Atlântico Norte estão congelados pela disputa com a Grécia. Isso pois algumas das diferenças com a Bulgária já foram resolvidas. Como curiosidade dessa mistura de legados gregos e eslavos, a capital da Macedônia, Skopje, possui uma grande estátua de Samuel, um dos fundadores da Bulgária e considerado um “macedônico”.
Ao mesmo tempo, o maior estádio da cidade se chama Filipe 2°, um enorme monumento de bronze homenageia Alexandre, o Grande, que também batizava o aeroporto da capital até 2018. O nome do aeroporto foi modificado como parte da melhoria das relações com a Grécia. As estátuas permanecem, embora sob protestos. Tudo isso como consequência do habitual anacronismo dos nacionalismos, que tentam criar relações nacionais à partir de, no caso, semelhanças geográficas. Uma busca por um passado que glorifique um povo com raízes ainda nascentes, e legitime a busca por um futuro melhor que o presente carente.
Acordo de Prespa
Em 12 de Junho, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, encontrou-se com seu equivalente macedônio, Zoran Zaev. O encontro, por motivos óbvios, não recebeu a mesma atenção internacional que o encontro que ocorreu no mesmo dia entre Donald Trump e Kim Jong-un. O encontro foi no lago Prespa, na fronteira entre os dois países, onde os dois líderes assinaram um acordo encerrando a disputa.
A Macedônia adotaria o nome República da Macedônia do Norte, um dos seis nomes propostos em negociações; o idioma eslavo-macedônio seria reconhecido internacionalmente, assim como a nacionalidade; os macedônios retirariam as referências ao “povo macedônio” de sua constituição e baniriam o uso do Sol de Vergina em mídias oficiais. O sol é o símbolo dos túmulos de reis macedônios, está na bandeira da região grega e esteve na primeira bandeira da República da Macedônia. Ele foi adaptado ao atual desenho, do “sol da Liberdade”.
Além disso, o governo ao norte vai rever seus livros escolares e retirar as políticas irredentistas do tema. Em troca, o país terá total reconhecimento grego, o estabelecimento de vôos diretos e maior abertura de fronteiras. Esse reconhecimento vai permitir que a República da Macedônia do Norte torne-se, oficialmente, candidata para entrar na UE, na OTAN e em quaisquer órgãos internacionais. E o que possibilitou esse acordo?
Décadas de negociação, principalmente com conversas recentes entre os embaixadores dos dois países em Washington, mediados pelo enviado especial da ONU para o tema. Importante também foi a derrota eleitoral do partido da direita nacionalista (VMRO) na Macedônia, totalmente contra um acordo desse tipo. Zoran Zaev é de um partido de centro-esquerda (SDSM) cuja principal plataforma era exatamente um acordo com a Grécia que permita a inserção mundial do país montanhoso, com atração de investimentos para modernizar a pobre economia macedônia.
Nações Unidas e referendo
O acordo foi assinado, mas ainda não entrou em vigor. No mais recente Debate Geral que abriu a 73ª Assembleia Geral da ONU, Gjorge Ivanov, o presidente da ainda FYROM, falou em 27 de setembro, em um discurso de 24 minutos. A Macedônia é uma república parlamentarista, ou seja, o presidente é o chefe de Estado. Ivanov é do VMRO, o partido nacionalista, e seu discurso foi recheado de críticas ao acordo de Prespa.
Ivanov defendeu que, ao exigir que a Macedônia abra mão de seu nome, a Grécia viola o direito internacional, já que, em 30 de Junho de 1995, a Corte Internacional de Justiça permitiu a autodeterminação na escolha do nome do país. Também afirmou que a Grécia busca impor seus interesses, sufocando economicamente a Macedônia, impedindo seu desenvolvimento e querendo até mesmo determinar quem é aquele povo, mudando sua constituição.
Ivanov chegou ao ponto de insinuar o resgate histórico de atrocidades que teriam sido cometidas por gregos contra os macedônios, que remetem às vésperas da Primeira Guerra Mundial. Basicamente todo o discurso de Ivanov foi sobre o acordo, com diversas críticas. Pode ser sintetizado na frase: “Ele foi formulado como um eufemismo para violação da autodeterminação”.
Já o premiê grego Tsipras discursou em 28 de Setembro, também pelo mesmo tempo, com diversas respostas ao discurso de Trump, ali mesmo, alguns dias antes. Tsipras não falou dos vizinhos por nome, embora cite o Acordo de Prespa. Talvez isso tenha sido uma reação ao agressivo discurso do dia anterior. É importante frisar que essa postura grega é de Estado, durou décadas, em diferentes governos de diferentes partidos.
A citação de Tsipras estava no contexto de promoção de estabilidade e crescimento econômico nos Bálcãs, com uma abordagem de negociação que “destrave as perspectivas de nossos vizinhos ao norte para que eles se juntem à UE e outras organizações internacionais”. Para ele, o acordo é um modelo de resolução pacífica de diferenças, pois não impôs as vontades do interessado mais forte, mas pela preservação da dignidade de ambos os lados.
Internacionalmente, o acordo foi celebrado, especialmente na Europa. Na Grécia, o acordo enfrenta pequena oposição, dos dois partidos radicais no parlamento: o de extrema-esquerda, o leninista Partido Comunista, e o de extrema-direita, o neonazista Aurora Dourada, unidos na causa de que o nome Macedônia é de herança grega. Um parlamentar do Aurora Dourada abertamente pediu um golpe militar e que os responsáveis pelo acordo fossem fuzilados; ele foi preso pelo crime de traição.
Na Macedônia o tema é mais delicado, com o presidente afirmando que não assinaria o acordo. No parlamento do país, o acordo foi ratificado pela maioria do SDSM, em duas sessões boicotadas pelo VMRO; parlamentares nacionalistas afirmaram que o acordo era um “genocídio legal”. Ainda em Julho, a UE e a OTAN oficialmente aprovaram conversas com a Macedônia, com a condição de que o acordo entre em vigor ainda em 2019.
Enquanto os líderes se encontravam em Nova York, a população macedônia era chamada às urnas, como uma maneira de contornar a disputa no país. Em 30 de Setembro foi realizado um referendo para responder: “você é à favor da entrada na UE e na OTAN por aceitar o acordo entre a República da Macedônia e a República da Grécia?”. O referendo não seria vinculante, apenas simbólico.
Dos votos válidos, 94.1% aceitaram. Bom sinal para o governo? Não, já que apenas 36.8% dos eleitores votaram, com um grande boicote conduzido pela oposição. Como em todas as recentes eleições, acusações de interferência russa, comprando propaganda em redes sociais, para evitar mais um país membro da OTAN nos Bálcãs. A questão da comunidade albanesa na Macedônia também foi levantada no referendo.
O impasse permanece. Novamente, ele nunca esteve tão perto e tão longe de ser resolvido quanto nas últimas semanas. O acordo está feito, sob gritos de traição. É a razão em disputa com a emoção, em um dilema balcânico que pode soar estranho ou indecifrável para brasileiros e demais americanos. Para parte dos macedônios, o futuro nada valeria sem esse orgulho. Para outros, é uma disputa estéril, que apenas trouxe atraso ao país. Para os gregos, o nome Macedônia não é negociável; talvez, nem em parte, como visto nos extremos da sociedade. Cabe aos macedônios decidirem quanto vale o nome de seu país.
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