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Filipe Figueiredo

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Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

História do Brasil

Reflexões nos 75 anos da perda do cruzador Bahia

cruzador bahia
Cruzador Bahia afundou em 1945 (Foto: Arquivo/Marinha do Brasil)

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O dia 4 de julho de 1945 foi o primeiro feriado da Independência dos EUA após a rendição da Alemanha nazista, mas, aqui no Brasil, foi o início do luto de cerca de 330 famílias. Nesse dia, setenta e cinco anos atrás, perto do arquipélago de São Pedro e São Paulo, no nordeste brasileiro, afundava o cruzador Bahia, levando 336 vidas. A trajetória do navio, incluindo seu naufrágio, fornece algumas reflexões sobre a História recente do Brasil.

O Bahia foi encomendado como parte do grande programa naval brasileiro do início do século XX, que objetivava modernizar a marinha brasileira, aproveitando as libras esterlinas que entravam via a balança comercial do país, com a exportação de café. O programa, ao mesmo tempo que modernizaria a armada, serviria de “cartão de visitas” do país, numa época quando os grandes encouraçados eram os símbolos de poderio e de prestígio nacionais.

Foi talvez o maior programa armamentista brasileiro, competindo pelo topo com o ProSub, assinado em 2008. As mudanças cambiais dificultam saber qual dos dois é o projeto mais dispendioso. Os mais famosos navios foram os dois encouraçados da classe Minas Geraes, do tipo dreadnought, tornando a república brasileira um dos primeiros países que contaram com um navio desse tipo em seu arsenal.

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Corrida armamentista no Cone Sul

O Bahia também teve um navio-irmão, o Rio Grande do Sul. Quando de seu lançamento ao mar, em 1909, eram os navios mais velozes do mundo em sua categoria de tonelagem. Esse grande programa naval mostra duas coisas sobre o período. A primeira, ele foi o estopim de uma corrida armamentista naval sul-americana, pouco conhecida do grande público. Argentina e Chile reagiram e também realizaram suas encomendas.

Tanto Brasil quanto a Argentina encomendaram seus navios no Reino Unido, enquanto o Chile buscou seus novos armamentos nos EUA. Mais do que a lógica de se armar para se prevenir em relação ao vizinho, criando um ciclo vicioso, havia a disputa no cenário internacional pelo posto de potência regional, quiçá candidata ao posto de potência global. Qual dos países seria “os EUA do Sul”, por assim dizer.

O Brasil, embora com seu gigantismo territorial, estava bastante atrás de seus vizinhos em diversos critérios, especialmente pelos legados malditos do período escravista. Tanto o Chile quanto a Argentina tinham padrões de qualidade de vida, em regra, maiores, salvo nas regiões ao sul, ainda marcadas pelos massacres indígenas. A Argentina, na véspera da Grande Guerra, era uma potência exportadora.

Ao final das contas, foi a Grande Guerra que interrompeu a corrida armamentista sul-americana. O comércio internacional foi afetado, diminuindo a capacidade orçamentária dos países, e países europeus realizaram ofertas para adquirir os navios já encomendados. O que deveria ter sido o encouraçado Rio de Janeiro, o maior do mundo na época, foi comprado pelos otomanos, tornando-se o navio Osman.

O navio não tornou-se operacional com esse nome. Temendo que os otomanos poderiam tornar-se aliados dos alemães, os britânicos confiscaram o navio praticamente pronto, tornando o Agincourt. O nome tinha propósito duplo. Rememorava a famosa batalha de Henrique V e criava um trocadilho com um “palácio de gin” (“A gin court”), já que o navio tinha instalações luxuosas encomendadas pelo Brasil.

Além de lembrar um período quando a proeminência regional brasileira ainda poderia ser contestada pelos vizinhos, quando existiam grandes esperanças para o futuro dessas nações, o programa naval de 1904 também é um lembrete de que a diplomacia e o poder bélico não são coisas contraditórias. Dois chanceleres da história republicana brasileira mostram isso. Um é o barão de Rio Branco, na época o ministro de Relações Exteriores.

A própria gênese do programa naval veio dele, afirmando que as pretensões brasileiras não estavam alicerçadas numa marinha compatível na época. Era necessário assegurar a integridade territorial do Brasil e sua capacidade de garantir seus interesses. Após rascunhos e versões do programa naval, ele foi um dos principais artífices da luta pelos fundos necessários. Sua morte, em 1912, talvez tenha afetado a execução do programa.

O outro foi Celso Amorim que, sob premissas bastante similares de seu antecessor, apoiou o ProSub e a liderança militar brasileira da MINUSTAH, no Haiti. Posteriormente foi inclusive ministro da Defesa e criou o Instituto Pandiá Calógeras, o primeiro o instituto ministerial e civil permanente para estudos em defesa nacional. Não há como falar em interesse nacional e geopolítica na diplomacia sem meios para defender esse interesse.

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A contradição da modernidade

O Bahia também foi um dos navios palco para a Revolta da Chibata, em 1910, quando marinheiros se rebelaram contra a prática de castigos físicos ainda presente na marinha brasileira de então. O estopim foi quando um marinheiro foi sentenciado ao açoite, na frente de seus companheiros, mesmo após a abolição da prática pela lei. O número de açoites foi completado mesmo após o desmaio do marinheiro.

Como escreveu o sociólogo João Roberto Martins Filho, na obra A Marinha Brasileira na Era dos Encouraçados, a Revolta da Chibata é um evento importantíssimo. Dentre vários motivos, ela explicitou a contradição do Brasil. Um país que buscava ser reconhecido como potência modernizante, encomendando navios de ponta, ao mesmo tempo em que mantinha heranças escravocratas, instituições arcaicas e um abismo social.

Infelizmente, uma descrição que ainda possui alguma validade, mesmo mais de cem anos depois. Posteriormente, o cruzador participou do esforço de guerra brasileiro em ambos os conflitos mundiais, patrulhando o Atlântico e escoltando comboios. Em 1944, chegou à escoltar parte do contingente da FEB rumo à Itália. Finalmente, em julho de 1945, foi perdido em um acidente.

Em um treinamento de tiro, um disparo do navio acertou acidentalmente as cargas de profundidade na popa, algo possível somente devido uma falha da adaptação feita para o conflito. O navio afundou em alguns minutos. Os trinta e seis sobreviventes, cerca de um décimo da tripulação, ficaram quatro dias no mar, em jangadas improvisadas, sem comida e sob o sol, resgatados apenas no dia 8 de julho.

Durante anos existiu a hipótese de que um dos dois submarinos alemães que se renderam na Argentina, meses depois do fim do conflito na Europa, poderiam ter torpedeado o Bahia. Essa hipótese já foi descartada, confirmando o acidente em treinamento. Alguns ainda acreditam nisso, pelo apelo da teoria da conspiração, mas, como quase sempre, inclusive no caso do Bahia, a História é muito mais apetitosa e simbólica do que a fantasia.

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