Vladimir Padrino López é o atual Ministro da Defesa da Venezuela e quem pode decidir o futuro do regime de Nicolás Maduro. O trocadilho entre seu sobrenome, que também é seu nome de guerra, e o termo “padrinho” é irresistível. Para sermos precisos, Padrino hoje pode desempenhar o papel de kingmaker, “fazedor de rei” em inglês. Um ator de influência que pode viabilizar, ou deter, alguém no poder. Por sua vez, o kingmaker não possui a capacidade de ser ele mesmo um ocupante desse poder. Um pilar essencial cujos favores podem decidir o futuro de um país. No caso, o da Venezuela.
O termo é muito usado em regimes parlamentaristas, quando um Parlamento pulverizado entre três ou mais forças implica em uma coalizão. Um partido menor, então, não pode ocupar por si o poder, mas torna-se essencial para um governo viável. Atualmente são os casos do partido Podemos espanhol, do Partido Unionista britânico, da Lega Nord italiana, dentre outros. Tais partidos não conseguem números para formar um governo; entretanto, caso abandonem suas coalizões, o governo rui. Numa perspectiva histórica, entretanto, o termo possuía um sentido mais literal. O uso da força como decisivo para fazer um rei.
Os maiores kingmakers da História talvez tenham sido os guardas pretorianos, a guarda pessoal do imperador de Roma. No total, em trezentos anos, nove imperadores foram, comprovadamente, assassinados pela própria guarda pretoriana, e sete imperadores foram colocados no trono pela guarda. Sem mencionar os incontáveis casos em que o ocupante do trono teve que atender aos caprichos da guarda, para preservar ou o trono, ou o pescoço, ou ambos. O ano de 193 foi o mais explícito desse poder de fazer o rei: os pretorianos assassinaram o imperador Pertinax e leiloaram abertamente o trono. O interessado com o bolso mais recheado levava.
O termo surgiu, em inglês, com o Conde de Warwick durante a Guerra das Rosas, uma das guerras internas aos domínios ingleses. Richard Neville foi essencial em usar seu prestígio e fortuna para colocar Eduardo IV, de York, no trono; os mesmos recursos foram usados para derrubar o rei e restaurar Henrique VI ao trono, da casa rival de Lancaster. E, por todos esses séculos, pode-se achar diversos exemplos, alguns de influência política, outros de controle militar. Esse pode ser o caso da Venezuela, com Maduro e Padrino.
Com dois governos se considerando os legítimos representantes da Venezuela, cada um com Estados estrangeiros o apoiando, a crise no país tem poucas saídas disponíveis. Uma temida guerra civil de larga escala, uma negociação e saída acordada ou uma queda do governo Maduro pela falta de respaldo interno. Nesse último caso, Maduro poderia tanto fugir, quanto cair em um sentido bastante literal. É também nesse último caso que está o poder de Padrino.
O principal sustentáculo de Maduro no poder, hoje, é a lealdade dos militares. Tal lealdade é dada em troca de um protagonismo enorme. Os militares controlam diversos setores essenciais da economia, incluindo a distribuição de alimentos, o sistema bancário do país, cargos importantes da petroleira PDVSA, a administração portuária, dentre outros. Essas posições garantem não apenas prestígio e poder, mas também um constante fluxo de divisas. Outro fator que contribui para essa lealdade é o recorte político nas forças armadas do país, onde a lealdade cega ao regime tornou-se critério de promoção.
Por exemplo, o general Miguel Rodríguez Torres, chavista convicto, foi reformado e afastado pelo regime de Maduro, ao aderir aos protestos da oposição. Esse é, na verdade, o fator mais perigoso da atual crise venezuelana. Mesmo que ela se resolva pacificamente amanhã, a extrapolação partidária dos militares e a possibilidade de rachas futuros, entre militares maduristas e anti-maduristas, militares rancorosos, ansiosos por retomarem protagonismo, ou militares que queiram deter tais correntes dentro dos quartéis. Uma miríade de possibilidades nesse efeito colateral de longo prazo nas forças armadas venezuelanas.
Caso os militares, por quaisquer motivos, se afastem de Maduro, é o fim do regime. Após o reconhecimento de Guaidó por parte da comunidade internacional, Padrino, junto aos outros comandantes do topo da hierarquia, fez uma declaração televisiva de lealdade ao presidente. Embora pretendida como reforço a Maduro, a declaração passa uma mensagem mais complexa que isso. Basicamente, o chefe militar está garantindo o presidente. Uma hora ele pode não estar mais.
Por dinheiro, por rachas internos, por questões ideológicas, por temores de longo prazo. Para o pescoço de Maduro, tanto faz. Seu poder é garantido por Padrino que, por sua vez, dada sua ligação ao governo e seu papel na repressão de manifestações, não é um nome viável para um eventual consenso no país. Sabendo isso, Guaidó acenou aos militares, oferecendo anistia para os que abandonarem Maduro. Padrino respondeu que “não aceitamos um presidente imposto à sombra de interesses obscuros, nem autoproclamado à margem da lei”.
Um primeiro caso de mudança de lado de destaque já ocorreu. O coronel José Luis Silva, adido militar em Washington, que disse: “Dirijo-me ao povo da Venezuela e em especial aos meus irmãos das Forças Armadas com a finalidade de reconhecerem como único presidente legítimo Juan Guaidó”. Comparando com a História brasileira, existe a possibilidade de um “tenentismo” venezuelano. Jovens oficiais, que começaram a carreira já sob Maduro, e se levantem contra seus comandantes. Quase duzentos oficiais, a maioria nas patentes iniciais da carreira, são investigados pela inteligência bolivariana.
O destino da Venezuela está nas mãos de suas forças armadas. Bem-equipadas, especialmente em meios antiaéreos, elas tornam uma tentativa de intervenção externa potencialmente custosa. Em algumas semanas o país fará uma flexão de músculos, com o exercício militar Bicentenário de Angostura 2019, realizado entre 10 e 15 de fevereiro. Até lá, muita coisa pode mudar e a coroa pode mudar de cabeça. Hoje, é Maduro que está no trono, mas é Padrino que determina até quando.
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