A novela do Brexit finalmente chegará ao fim. Após anos de parlamentos travados no Reino Unido, acordos com a União Europeia rejeitados, duas trocas de comando do Partido Conservador, prejuízos econômicos da saída sem a possibilidade das benesses correspondentes, problemas fronteiriços, uma miríade de aspectos abordados aqui nesse espaço, finalmente a situação vai caminhar ao fim. Impulsionada pela esmagadora vitória de Boris Johnson nas eleições da última quinta-feira (12).
No Reino Unido como um todo, o Partido Conservador teve seu melhor resultado desde 1983, quando Margaret Thatcher triunfou em sua reeleição, beneficiada não apenas pelo seu governo, mas aproveitando também a onda da vitória contra os argentinos nas Malvinas. Após expulsões internas, os tories conservadores tinham 298 assentos; o partido agora terá 364, muito além dos 326 necessários para uma maioria na Câmara dos Comuns.
No total, ficaram com 43,6% dos votos, apenas 1,2% a mais do que em 2017.
O parágrafo anterior já fornece duas reflexões. Primeiro, os conservadores terão maioria parlamentar por si só. Ou seja, não será mais necessária a coalizão com os unionistas da Irlanda do Norte (DUP) que, embora ideologicamente próximos dos conservadores, possuem uma pauta própria em relação ao Brexit, o principal tema da política britânica atualmente. Parte das amarras que frearam um acordo até agora era a necessidade de May, depois Johnson, precisarem fazer concessões ao DUP.
A segunda é que o voto absoluto nos conservadores não cresceu tanto assim. Demograficamente, a vitória é explicada pela pulverização do voto opositor, com um crescimento dos eleitores dos partidos menores ou regionais. Além disso, os conservadores conseguiram vencer em distritos historicamente trabalhistas. Votos bem distribuídos pelos distritos podem contar mais do que lavadas eleitorais localizadas. Chega-se na outra ponta da eleição, a gigantesca derrota trabalhista.
Derrota histórica
Foi o pior resultado trabalhista em quase cem anos, desde 1935. O principal partido da oposição britânica perdeu 59 assentos e quase 8% dos eleitores em comparação aos resultados de 2017. O grande símbolo dessa derrota é o distrito de Workington; nos últimos cem anos, em apenas três ele não foi representado por um conservador. E elegeu o tory Mark Jenkinson. Jeremy Corbyn, acusado de antissemitismo e em meio um racha de seu partido, já renunciou ao posto de líder partidário para as próximas eleições.
Não será apenas o Labour que precisará ir para o divã, em busca de uma liderança ou de compreender o que deu errado. Os Liberais Democratas, de emergente terceira força, saiu derrotado também, de certo modo. Por um lado, cresceu 4% na preferência do eleitorado; por outro, perdeu um assento, o de East Dunbartonshire, na Escócia. O nome é apenas curiosidade, o importante é que é o distrito eleitoral de Jo Swinson, que até agora liderava o partido. Derrotada, ela estará fora do parlamento e renunciou ao posto de liderança.
O que explica a vitória de Boris Johnson é o que explica a derrota dos trabalhistas e dos liberais democratas. Boris tinha uma resposta pronta para o Brexit, uma postura amplamente conhecida e um acordo já alinhado com as autoridades da UE. Em meio uma novela de anos, de vai e vem, a população quer uma solução. Quer um fim dessa novela e seguir adiante com sua vida. Essa tese foi defendida aqui nesse espaço, em Julho: que se desse a Boris Johnson o que é de Boris Johnson.
Ou seja, se a opção pelo Brexit estava consumada, então, que se colocasse um brexiteer na liderança do país, alguém afinado com a principal pauta do dia. Em contraste, Corbyn ficou em cima do muro na questão que domina, e dominará, a política de seu país. Quando ele publicou o manifesto de seu partido, afirmou que convocaria um novo referendo sobre o Brexit e que ele, Corbyn, seria “neutro”; ou seja, não seduziu sequer o eleitor anti-Brexit. A verdade é que, por outros motivos, parte dos trabalhistas antagoniza a UE.
Já o partido Liberal Democrata, embora tentado em ser a força anti-Brexit das eleições, pareceu mais em estado de negação do que em campanha. Como se o Brexit fosse um devaneio passageiro, não algo que já afeta a vida dos cidadãos. Para a população inglesa e para boa parte da população do Reino Unido, a questão era uma só: “o que esse candidato vai fazer em relação ao Brexit?”. Boris Johnson era o único com uma resposta na ponta da língua. “Get Brexit done”, “Faça o Brexit”. E ainda com um acordo para mostrar.
Nacionalismos
Entretanto, nem tudo será flores para o governo de Boris Johnson, é bom frisar. Se o eleitorado inglês e o galês tinham em mente a sua questão, escoceses e irlandeses possuem outras. Na Escócia, dos 59 assentos, esmagadores 48 foram para o Partido Nacional Escocês, liderado por Nicola Sturgeon. Com 45% dos votos, foi o partido mais bem votado pensando nos quatro reinos separadamente. Os tories perderam sete assentos escoceses, enquanto os trabalhistas perderam seis.
Uma vitória tão esmagadora já veio acompanhada, no discurso de vitória, pelo pedido por um novo referendo pela independência escocesa, quase uma exigência. Seu discurso:
“A Escócia enviou uma mensagem muito clara: Não queremos um Governo de Boris Johnson, não queremos deixar a União Europeia e queremos que o futuro da Escócia fique nas mãos da Escócia. Não há dúvida de que eu tenho um mandato para dar ao povo da Escócia essa escolha e depois cabe às pessoas na Escócia decidirem que escolha fazem”.
Nicola Sturgeon liga o tema Brexit ao tema independência pelo fato de que, em 2014, quando do referendo pela independência escocesa, um dos argumentos da campanha contra a independência era justamente a permanência na UE. Se a Escócia saísse do Reino Unido, ela sairia também da UE, e teria que negociar seu status de membro desde os primeiros estágios. Por isso que a Escócia, no referendo do Brexit, votou em peso pela permanência na UE.
Na Irlanda do Norte, os unionistas pró-Londres ainda são a maior bancada, mas perderam dois assentos. Das dezoito cadeiras norte-irlandesas, metade estão nas mãos dos nacionalistas irlandeses, que desejam a reunificação da política na ilha da Irlanda, uma separação do Reino Unido. Se o nacionalismo é parte da explicação da escolha pelo Brexit, o mesmo nacionalismo age de forma centrífuga no Reino Unido, questionando os caminhos escolhidos principalmente por ingleses e por galeses.
Virando a página
Claro que Boris Johnson não precisará se preocupar com isso por agora. Como dito, ele não precisa dos outros partidos para governar. Terá margem confortável para negociar os últimos pontos de um acordo com as autoridades europeias e, tudo dando certo, concretizar um Brexit negociado até 31 de Janeiro de 2020, o novo prazo. Como ele mesmo disse, em seu discurso de vitória, o Brexit agora é a “vontade irrefutável” do eleitorado, sem chance para um novo referendo ou alguma mudança do tipo; é possível contestar?
Independentemente de ser um brexiteer ou anti-Brexit, muitos eleitores britânicos respirarão aliviados com os resultados. É caminhar em frente, finalmente superar o término da relação com a UE; soa quase como uma analogia com relacionamentos amorosos. Pendências ainda existem e outras discussões sensíveis virão, como questões migratórias e de residência para cidadãos europeus. Por hora, o importante é que o parlamento britânico pulverizado e travado ficou para trás. A eleição teve um vencedor. Faça o Brexit, vire a página.
Conteúdo editado por: Isabella Mayer de Moura