O presidente russo, Vladimir Putin: Moscou acusou Ucrânia e Estados Unidos por suposto ataque ao Kremlin nesta semana| Foto: EFE/EPA/MIKHAEL KLIMENTYEV/SPUTNIK/KREMLIN
Ouça este conteúdo

Na última quarta-feira (3), foram divulgadas imagens de dois drones atingindo a cúpula do prédio do Senado russo, na fortaleza do Kremlin, em Moscou. Segundo o governo russo, os drones teriam sido afetados por interferência eletrônica das defesas russas antes da colisão. Principalmente, ainda segundo o governo russo, o ataque seria responsabilidade da Ucrânia, como uma tentativa de assassinar Vladimir Putin, algo que justificaria uma eventual retaliação russa.

CARREGANDO :)

Ataque ao Kremlin

CARREGANDO :)

Primeiro, os fatos. Existem imagens de câmeras de vigilância mostrando os dois drones atingindo o prédio no Kremlin. Ninguém ficou ferido e, segundo as imagens, os danos ao edifício foram mínimos. Vladimir Putin, presidente da Rússia, não estava no prédio. E ponto final, o que se sabe concretamente acaba aí, o restante é conjectura. Além de acusar a Ucrânia pela suposta tentativa de assassinato, o governo russo também acusou os Estados Unidos de estarem por trás do “plano”.

Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, afirmou que “sabemos muito bem que as decisões sobre tais ações, sobre tais ataques terroristas, não são feitas em Kiev, mas em Washington”. O governo dos EUA, por óbvio, negou qualquer responsabilidade, com o secretário de Estado, Antony Blinken, recomendando “ceticismo” sobre qualquer declaração russa. O governo da Ucrânia foi além e acusou a Rússia de ter orquestrado o incidente, como uma operação de bandeira falsa.

Publicidade

Operações de bandeira falsa são ações conduzidas por alguém de forma a aparentar que aquela ação foi conduzida pelo inimigo, com o propósito de colher vantagens das consequências daquela ação. Segundo o conselheiro presidencial ucraniano Mykhailo Podolyak, que frequentemente assume o papel de “falar grosso” em nome de seu presidente, a Rússia estaria, na verdade, preparando o terreno para justificar mais ações contra a infraestrutura ucraniana.

Encerrar a guerra?

Se o momento é de especulação, podemos especular que a acusação de bandeira falsa também faz sentido. Na realidade, é muito improvável que os ucranianos consigam realizar um ataque com drones no coração de Moscou, com outras possibilidades sendo muito mais plausíveis. Resta, entretanto, a especulação principal: se Vladimir Putin fosse assassinado, seja pela Ucrânia, seja pelos EUA, seja por quem fosse, isso poderia encerrar a guerra na Ucrânia e trazer a paz?

Dificilmente, para não dizer impossível. Não se trata de um filme hollywoodiano, em que se derrota o principal antagonista e todos celebram em triunfo. O assassinato de Putin pela Ucrânia possivelmente traria ainda mais apoio russo ao conflito. Por exemplo, Vyacheslav Volodin, presidente da Duma, a Câmara dos Deputados russa, comparou o governo ucraniano a organizações terroristas e defendeu o uso de “armas capazes de parar e destruir o regime terrorista de Kiev”, sem citar diretamente armas nucleares.

O ex-presidente Dmitry Medvedev, hoje chefe do Conselho de Segurança da Rússia, afirmou que o ataque justificaria a “eliminação física de Zelensky”. Em outras palavras, o assassinato de Putin traria sede de vingança, quiçá nuclear, e possivelmente transformaria o atual presidente russo em uma espécie de “mártir” da “desnazificação” ucraniana. Isso em primeiro lugar. Em segundo lugar, uma paz duradoura na Ucrânia não é algo tão simples de atingir, tampouco a guerra é apenas obra de um homem só.

Custos da guerra

Muitos russos apoiam a guerra, assim como parte considerável do estamento de Estado russo. Achar que essas pessoas simplesmente abandonariam suas convicções é infantil. Essas mesmas pessoas, perante uma proposta de paz, vão perguntar se os mortos russos e se as perdas materiais russas serão devidamente “compensadas”. Ou alguém acha que aceitariam que dezenas de milhares de mortes e bilhões de dólares gastos fossem “em vão”, apenas por Putin ter sido assassinado?

Publicidade

Ao mesmo tempo, não é crível achar que a Ucrânia, que nega a possibilidade de ceder território, o faria “em nome da paz” apenas por Putin ter sido morto. Pelo contrário, a morte de Putin possivelmente renovaria as energias ucranianas em continuar a luta. O assassinato de Putin, em uma operação de decapitação, serviria apenas para criar caos na linha sucessória e no comando russo, mas não seria suficiente para uma paz. É possível até questionar a validade militar desse eventual assassinato.

No xadrez, a partida acaba com a captura do rei inimigo. Na vida real, nem sempre é assim. O czar caiu em fevereiro de 1917, mas a Rússia continuou na guerra, por exemplo. Assassinar Putin, além de provavelmente se tratar de algo muito difícil de se fazer, não necessariamente traria a paz. O incidente no telhado do Kremlin provavelmente será esquecido em algumas semanas, de tão negligentes que foram suas consequências. Restará saber de quem foi a autoria.