Se um dos benefícios de acompanhar o noticiário internacional é compreender melhor situações que podem ensinar lições ao nosso país, o fato do mundo enfrentar uma “segunda onda” do novo coronavírus é um oceano de lições. Isso em meio uma retomada das internações por causa do vírus no Brasil, embora não se possa nem dizer que o país tenha saído da primeira onda. Então, o que está ocorrendo, como se explica essa segunda onda?
Infelizmente, o otimismo possui grande parcela de responsabilidade pelo que está ocorrendo atualmente. Após a primeira onda ter sido controlada em países do hemisfério norte, parte das populações afetadas ficou confiante de que o pior já estaria para trás. Mesmo em locais com alta mortandade, como a Itália, a imagem foi a de que a doença não afetava tanto as pessoas mais jovens. Isso foi somado ao desgaste de saúde mental das políticas de confinamento e de distanciamento, e muita gente “extravasou” durante o verão.
Muitos europeus realizaram viagens dentro do continente e locais como a Coreia do Sul retomaram sua vida cultural. Como os mais jovens e saudáveis também costumam sentir menos os efeitos do novo coronavírus, a maioria deles ficou assintomática, sem possibilidade de rastrear os casos. Como resultado, o vírus transitou “em silêncio” pelas sociedades por mais de um mês, atingindo muito mais pessoas do que na primeira onda. O alerta soou apenas quando ele chegou nos mais vulneráveis.
Outro fator que colaborou é biológico e, por isso, fora da pertinência da coluna. Em suma, o vírus teria passado por mutações que o deixaram mais adaptado ao ser humano, acelerando os contágios. Nesse contexto ocorreu a ordem de abate de milhões de visons, o bonito animalzinho parente do furão que é criado especialmente para o fabrico de vestuários de pele, uma afetação anacrônica ainda admirada por algumas pessoas.
Diversos países europeus quebraram seus recordes de casos do novo coronavírus nas últimas semanas, com mais casos do que no primeiro semestre. Mais preocupante ainda, o número de mortes cresceu enormemente. Na Tchéquia, por exemplo, o recorde de mortes da primeira onda foi de dez, em 12 de abril. No último 6 de novembro foram mais de 200 óbitos por Covid-19. Suíça, Áustria e Países Baixos são outros países que estabeleceram novos recordes diários de mortes. Os países mais populosos, como França, Alemanha e Itália, estão com crescimento de casos nessa tendência.
Recordes
O que torna essa notícia ainda mais preocupante é que, até esse momento, a proporção de mortes estava caindo, independente da proporção de casos. A experiência da primeira onda já estabeleceu as melhores abordagens disponíveis para lidar com o vírus, não há uma corrida internacional por insumos de saúde e políticas de rastreamento já estão estabelecidas. Mesmo países que lidaram de maneira extremamente eficiente com a pandemia, como a Coreia do Sul, estão sofrendo nesse momento.
O governo de Seul, entretanto, ainda não retomou políticas mais rígidas de distanciamento, ao contrário da Europa. França, Bélgica, Reino Unido, Dinamarca, Lituânia e Grécia retomaram políticas de confinamento, sejam nacionais ou regionais. A Alemanha, uma federação, possui tanto regiões em confinamento quanto outras mais abertas, embora o governo Angela Merkel tenha pedido por medidas mais rígidas de alguns entes regionais.
Outros países, mesmo sem política de confinamento, expandiram restrições. Mesmo a Suécia, durante muito tempo louvada erroneamente como grande exemplo de combate ao novo coronavírus, mudou sua postura. O “erroneamente” se deve aos fatos de que a Suécia teve proporcionalmente muito mais casos do que seus vizinhos e também teve grave recessão econômica.
Por causa da disparada de casos, o premiê Stefan Lofven anunciou "Esta é a nova norma para toda a sociedade, para toda a Suécia. Não vá a academias, não vá a bibliotecas, não organize jantares, não faça festas. Cancele. (...) Vai piorar. Cumpra o seu dever e assuma a responsabilidade de impedir a propagação da infecção". Quem descumprir as novas medidas de restrição enfrenta possíveis multas e prisão de até seis meses.
E fenômeno parecido ocorre do outro lado do Atlântico. Os números dos EUA mostram novos recordes, sejam casos por cem mil habitantes, sejam casos absolutos. No final de outubro foram mais de oitenta mil novos casos por dia. Na última segunda-feira, dia 16 de novembro, foram 150 mil novos casos, quase o dobro. Felizmente, o número de mortes, embora alto, com mais de mil por dia, está ainda distante dos números de abril, quando passaram dos dois mil óbitos diários.
Qual a lição ao tirar esse retrato da atual situação mundial? Conter o otimismo, infelizmente. Não é razoável pensar que “o pior já passou”, que a vida pode voltar ao normal. Mesmo os fora dos grupos de risco, pois, embora sofram pouco com a doença, carregam e transmitem o vírus por aí. O que não faltam são centenas de mortos, todo dia, pelo mundo inteiro, nos lembrando disso, com casos por vários e diversos países.
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