Aliados de Vladimir Putin saíram vitoriosos nas duas eleições europeias realizadas no último final de semana. Na Hungria, Viktor Orbán foi reeleito para mais quatro anos como primeiro-ministro, enquanto, na Sérvia, Aleksandar Vucic foi reeleito para um novo mandato de cinco anos na presidência do país. Embora por motivos diferentes e com cada país inserido em um contexto distinto, ambos os governos possuem relações próximas com a Rússia, com vitórias que acenderam alguns alertas pela Europa.
As eleições húngaras foram temas de duas colunas nos últimos seis meses aqui no nosso espaço de política internacional, incluindo a anterior. Explicamos na semana passada que um dos pontos principais da campanha entre a coalizão governista de Orbán e a frente ampla Oposição Unida era a guerra na Ucrânia. O líder da oposição, Peter Márki-Zay acusava Orbán de ser complacente com Vladimir Putin e de agir como “garoto de recados” da Rússia dentro da União Europeia e da OTAN.
O governo Orbán, por sua vez, defende as suas políticas em relação ao conflito como a defesa dos interesses energéticos do país, que importa muito de seu gás natural da Rússia, e manutenção da paz. Acusava a oposição de ser “subordinada” à “políticas belicistas” vindas do estrangeiro ao defenderem, por exemplo, que a Hungria deveria ter maior papel nas sanções contra a Rússia e na coordenação do apoio material aos ucranianos.
Favoritismo e eleitorado
Comentamos também que as pesquisas indicavam favoritismo do governo. Os resultados foram bem mais amplos. Com um comparecimento eleitoral de 69,5% do eleitorado registrado, a coalizão conservadora e nacionalista do Fidesz levou 53,5% dos votos, um crescimento de mais de 4% em relação ao pleito anterior. A oposição ficou com 34,6% dos votos, muito menos do que as pesquisas previam e 12% menos do que a soma dos partidos oposicionistas na eleição anterior.
Com 5,7% dos votos, o Movimento Nossa Pátria, de extrema-direita, vai estrear no parlamento. O partido é formado por ex-integrantes do Jobbik após esse mudar suas posições nacionalistas para uma plataforma mais moderada e pró-UE. O partido promete ser oposição à Orbán, ainda mais à direita que a plataforma do governo. E como a proporção dos votos se traduz na configuração do parlamento? A coalizão de governo terá 135 dos 199 assentos, dois a mais do que antes.
Principalmente, manterá a supermaioria de dois terços, necessária para reformas constitucionais. A Oposição Unida conquistou apenas 56 cadeiras, sete a menos do que a soma dos partidos componentes no parlamento anterior. O mais humilhante para a oposição foi o fato de que Márki-Zay foi derrotado em seu próprio distrito eleitoral, de Hódmezővásárhely, onde é prefeito. O vencedor foi János Lázár, ex-chefe do gabinete de Orbán, com 52,2% dos votos do distrito. Por ser o líder da oposição, Márki-Zay tem direito ao assento no parlamento pela lista do partido.
Fecham o Parlamento as sete cadeiras do Nossa Pátria e uma cadeira para o representante da minoria alemã. Além do início da prevista luta interna na busca por culpados, o pós-eleição foi marcado pelo discurso de vitória de Orbán. Ele afirmou que venceu as eleições lutando contra “uma enorme quantidade de adversários” e que “nunca tivemos tantos adversários ao mesmo tempo". Dentre os adversários, listou “burocratas de Bruxelas” e o “presidente ucraniano”.
Zelensky e a OSCE
O comentário provavelmente foi o troco por declarações anteriores de Volodymyr Zelensky, afirmando que a Hungria não estava agindo como amiga da Ucrânia. O presidente ucraniano chegou a, retoricamente, perguntar “Viktor, você sabe o que está acontecendo em Mariupol?”, referência ao cerco da cidade portuária por forças russas. Já Putin parabenizou Orbán por sua vitória, afirmando que "apesar da difícil situação internacional, a continuidade da parceria bilateral atende plenamente aos interesses da Rússia e da Hungria."
Na coluna passada, foi mencionado que a Organização para Segurança e Cooperação na Europa enviou uma missão para observar as eleições húngaras. Essa foi apenas a segunda vez na História que a OSCE enviou uma missão para observar as eleições de um país integrante da UE. O relatório preliminar, de 23 páginas com 117 notas diferentes, foi publicado nessa segunda-feira, dia 4 de abril. Ele conclui que o pleito respeitou os procedimentos eleitorais, mas que a disputa não foi balanceada.
Os observadores apontam três aspectos que fizeram a disputa desequilibrada. A falta de transparência dos gastos de campanha; a falta de cobertura independente na imprensa; e, mais grave, que a modificação das regras eleitorais nos últimos anos fez o partido Fidesz se confundir com o aparato de Estado na Hungria. Outros problemas foram a denúncia de tentativa de compra de votos, especialmente visando pessoas roma e a falta de proporção demográfica no registro de candidaturas. O relatório, em inglês, pode ser consultado por qualquer um dos leitores que desejar.
Cruzando a fronteira sul da Hungria, na Sérvia, 58,7% dos eleitores compareceram às urnas e reelegeram Aleksandar Vucic para um novo mandato como presidente. Teoricamente, a Sérvia é um país parlamentarista. Na prática, entretanto, a presidência possui muitos poderes e o país funciona como um semi-presidencialismo, com a primeira-ministra Ana Brnabic indicada pelo presidente e chefiando o gabinete de ministros. O fortalecimento da presidência, inclusive, foi intensificado pelo próprio Vucic. Ele foi premiê de 2014 a 2017, quando foi eleito presidente.
Sérvia e Rússia, “povos irmãos
O candidato governista recebeu 58,5% dos votos, enquanto o segundo colocado, Zdravko Ponos, levou apenas 18,3%. Sua plataforma populista, que soma liberalismo econômico, Estado de bem-estar social e conservadorismo na agenda de costumes, sai menor das eleições, entretanto. Com 120 dos 250 assentos do parlamento, perderam 68 cadeiras comparando com 2020. A eleição foi antecipada por decisão de Vucic, que mantém a maior bancada, embora agora precise de alguma aliança eleitoral para ter maioria.
Em segundo e terceiro lugares ficaram frentes partidárias mistas de oposição, com 37 e 32 cadeiras respectivamente. Outros quatro grupos partidários terão ao menos dez assentos, incluindo a estreia parlamentar do partido conservador monarquista sérvio e um movimento de extrema-direita nacionalista que abertamente reinvidica ligações com as milícias chetniks, que colaboraram com os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial e cometeram diversas atrocidades durante as guerras dos anos 1990.
Putin parabenizou Vucic afirmando que “considero que suas ações como chefe de Estado continuam favorecendo um reforço da cooperação estratégica que existe entre nossos países. Sem dúvida, isso é do interesse dos povos irmãos da Rússia e da Sérvia”. Ao falar em “povos irmãos”, Putin invoca a aliança histórica entre russos e sérvios, que remonta ao século XIX e foi intensificada nos últimos anos. Principalmente após a independência do Kosovo, que a Rússia utiliza como argumento para legitimar a separação de regiões habitadas por russos em países vizinhos.
Enquanto em vários países europeus ocorreram manifestações pró-Ucrânia nas ruas, em Belgrado ocorreram as principais, das poucas, demonstrações de apoio externo ao governo russo. A torcida organizada nacionalista do clube Estrela Vermelha exibiu faixas condenando a OTAN pelos bombardeios contra a Sérvia e por sua expansão, enquanto sérvios russófilos realizaram manifestações usando a letra “Z”, associada ao exército russo na Ucrânia, e as bandeiras tricolores, de cores similares, dos dois países.
Os dois resultados eleitorais do final de semana certamente são um alento para Putin. Em meio ao conflito na Ucrânia e a crescente condenação internacional contra seu governo, acompanhada de fortes sanções econômicas, ele sabe que terá dois aliados na Europa por mais alguns anos. Um nos Bálcãs, que certamente passarão por momentos de instabilidade em 2022, com as eleições na Bósnia, e outro no seio da UE e da OTAN. Certamente não é uma situação que agrada o governo de Paris, o que lembra que os franceses vão às urnas no próximo final de semana, tema da nossa próxima coluna.
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