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Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo

Explicações para os principais acontecimentos da política internacional

Oriente Médio

Tanto Israel quanto Irã proclamam vitória, mas quem está certo?

Trecho de cartaz que circulou em canais pró Irã nas redes sociais a partir do dia 12 de abril (Foto: Reprodução/X/Globe Eye News)

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Na noite do dia treze para o dia catorze de abril de 2024, o Irã realizou seu primeiro ataque direto ao solo israelense na História. Foram disparados centenas de drones, mísseis e foguetes contra Israel, em uma retaliação ao ataque aéreo israelense ao consulado anexo à embaixada iraniana em Damasco, no último dia primeiro de abril, que deixou dezesseis pessoas mortas, incluindo um general iraniano.

Após o ataque, tanto Israel quanto o Irã proclamaram algum tipo de “vitória”. O governo israelense baseou suas declarações no fato de que a imensa maioria das munições disparadas foram interceptadas e não atingiram alvos em Israel. Nove mísseis teriam atingido duas bases aéreas israelenses, além de destroços terem caído em território de Israel e da Jordânia.

Não houve vítimas fatais do ataque, com uma menina beduína ferida em estado grave. Já o Irã proclamou vitória pelo fato de ter atingido solo israelense. Especificamente, segundo o governo iraniano, teria atingido a base de onde teriam decolado os aviões responsáveis pelo ataque de abril. O Irã ainda afirmou que se tratava apenas de um “recado” e que a retaliação estaria “concluída”.

Vitória do Irã?

Esses foram os pontos principais dos discursos oficiais. A proposta de uma coluna de política internacional, entretanto, é ir além do mero discurso oficial e do factual. Ambos os atores têm suas razões para proclamarem algum tipo de vitória nesse episódio. Quatro pontos podem ser destacados do lado iraniano. O primeiro deles é o econômico, comparando os gastos daquela noite.

Segundo o general israelense Reem Aminoach, o esforço israelense em interceptar os mísseis e drones iranianos, utilizando baterias de mísseis, caças e até mesmo navios de sua marinha, custou cerca de um bilhão de dólares. Do outro lado, segundo o site Middle East Eye, o ataque iraniano custou entre sessenta e setenta milhões de dólares, uma fração do gasto por Israel.

Alguns modelos de drones iranianos, muito utilizados pela Rússia em sua invasão da Ucrânia, possuem custo quase desprezível, na casa de apenas dezenas de milhares de dólares. Eles são utilizados em uma tática de “enxame”, com a quantidade contribuindo para sobrepujar as defesas adversárias, ou distrair essas mesmas defesas para que outras munições consigam atingir seus alvos.

O segundo ponto a ser destacado é que o Irã conseguiu articular uma ofensiva com seus aliados do chamado “Eixo da Resistência”, com o libanês Hezbollah, milícias iraquianas e os houthis iemenitas também disparando contra Israel. O terceiro ponto é a guerra psicológica. Foi o primeiro ataque realizado por um Estado contra o território israelense desde o Iraque de Saddam Hussein em 1991, em meio à Guerra do Golfo.

O ataque iraniano causou medo e apreensão na sociedade israelense, com uma série de medidas de segurança sendo tomadas. A guerra psicológica, além de ser um fator em conflitos em geral, é uma arma bastante utilizada pela Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, contra inimigos tanto externos quanto internos. Finalmente, o governo iraniano pode alegar que teve certo sucesso em sua exibição de “músculos”.

O simples fato de ter conseguido atingir solo israelense é uma façanha militar, especialmente se conseguiu atingir, mesmo com poucos danos, uma base aérea importante. Além disso, o ataque provavelmente também permitiu a medição do tempo e dos locais de resposta israelenses, um ganho iraniano ao menos no curto prazo, até uma eventual mudança das defesas de Israel.

Vitória de Israel?

Do lado israelense, alguns pontos também merecem destaque. O primeiro e certamente mais importante foi o fato de que uma ampla coalizão apoiou o país contra o maior ataque de drones da História. Além das forças israelenses, os EUA, o Reino Unido, a França e a Jordânia participaram ativamente da derrubada de drones e de mísseis iranianos. Os jordanianos usaram tanto seus aviões quanto suas baterias antiaéreas.

Além desses países, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Omã forneceram inteligência sobre os ataques e permitiram que aviões dos EUA usassem seu espaço aéreo. O Iraque, ao fechar seu espaço aéreo para aviões civis, também contribuiu no abate dos drones, com relatos de drones iranianos abatidos na região de Erbil, perto da fronteira com o Irã e bastante distante de Israel.

O cálculo saudita nesse episódio todo é essencial, pois, mesmo sem relações oficiais com Israel e se reaproximando do Irã com mediação chinesa, o reino árabe não quer nem uma escalada do conflito regional, nem assistir passivamente a um ataque desse porte. Outro ponto, relacionado ao primeiro, é que Israel recebeu apoio e solidariedade mesmo de governos críticos às suas ações em Gaza.

Talvez o melhor exemplo seja o da Irlanda, que historicamente apoia os palestinos e que, recentemente, além de apoiar a acusação sul-africana na Corte Internacional de Justiça de que Israel estaria cometendo um genocídio em Gaza, ainda anunciou que irá propor uma revisão da Convenção do Genocídio para incluir o impedimento de ajuda humanitária comportamento genocida.

Mesmo assim, o governo irlandês condenou de forma inequívoca o ataque iraniano. O terceiro ponto não se aplica necessariamente ao Estado de Israel, mas ao atual governo israelense, com o ataque iraniano contribuindo para a retórica do primeiro-ministro Netanyahu, que busca uma “guerra eterna” como justificativa para se manter no poder e evitar, então, as acusações na Justiça que pesam contra si.

Se ambos os lados podem reivindicar alguma espécie de vitória, uma questão não pode ser deixada de lado: uma linha foi cruzada. Israel e Irã travam uma guerra indireta desde a década de 1980, e essa guerra “por procuração” esquentou no século XXI, especialmente após a derrubada de Saddam Hussein pelos EUA, com a expansão da influência iraniana no vácuo criado no Iraque.

Linha cruzada

Foi a primeira vez que, em todas essas décadas, o Irã atacou solo israelense. Mesmo os ataques israelenses ao solo iraniano não foram desse tamanho, com operações em solo, principalmente. O Irã tanto sabe que uma linha foi cruzada que tentou dar respaldo jurídico ao seu ataque, citando o capítulo 51 da Carta da ONU, e anunciando que a resposta estava “encerrada”, para evitar uma escalada de tensões.

O ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein Amirabdollahian, chegou a dizer que “Cerca de 72 horas antes da operação, informamos aos nossos queridos vizinhos e aos países da região que a resposta da República Islâmica do Irã na forma de defesa legítima é definitiva e inegável”. Em outras palavras, que notificou uma série de atores sobre o ataque, o que facilitaria a defesa e evitaria grandes danos ou escaladas.

Essa hipótese de um ataque “coreografado” foi mencionada pelo colunista em uma rede social antes mesmo da declaração do ministro. Ainda assim, uma linha foi cruzada, e o governo dos EUA estaria pressionando Israel a evitar um novo ataque, defendendo que a crise seja encerrada agora. No ditado popular, afirmando que “chumbo trocado não dói” e que um novo ataque israelense poderia piorar a situação.

A expansão do conflito entre Irã e Israel poderia ser catastrófica para toda a região. As milícias pró-Irã no Iraque poderiam oficializar a guerra intestina naquele país. O envolvimento do Hezbollah seria o maior desafio para Israel desde 1973. Mesmo no Cáucaso, com o conflito entre Armênia e Azerbaijão, poderiam ter repercussões. Tirando Netanyahu, Ali Khamenei e alguns poucos, ninguém ganha com uma guerra.

Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise

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