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O novo governo israelense realizou uma ofensiva em três frentes nas últimas semanas. Duas delas diplomáticas, uma delas bélica, mas todas ligadas ao mesmo contexto: a retomada de negociações para um novo acordo nuclear entre o Irã, os EUA e as potências europeias. Além disso, as ações do governo de Israel também podem estar ligadas a uma mudança nas relações do Oriente Médio.
Primeiro, na semana passada, no dia nove de dezembro, o ministro de Relações Exteriores de Israel, Yair Lapid, visitou o Egito. Pelo acordo de formação do governo israelense, inclusive, Lapid deve ser o primeiro-ministro em 2023. As relações com o Egito são simbólicas e importantes para Israel. Simbólicas pois o Egito foi o primeiro país árabe que normalizou relações com Israel, em 1978.
Importantes pois é com o Egito que Israel partilha as fronteiras com a Faixa de Gaza, e ambos os governos são inimigos do Hamas, que é filiado à Irmandade Muçulmana, o principal antagonista doméstico das ditaduras militares egípcias. Nos últimos anos, a Turquia também se tornou um adversário comum, já que o governo de Ancara apoia a Irmandade e, consequentemente, o Hamas.
A visita de Lapid foi marcada por um gesto de aproximação, a devolução de cerca de noventa artefatos históricos egípcios que foram confiscados por autoridades policiais israelenses nos últimos anos, especialmente em mercados de antiguidades de Jerusalém. Lapid se encontrou com o presidente Abdel Fattah al-Sisi, seu homólogo Sameh Shoukry e também com o chefe da inteligência militar egípcia.
Cooperação
Os dois governos conversaram sobre cooperação em “segurança, diplomacia e economia”, segundo Yair Lapid. Esses três itens significam coisas mais específicas. Em segurança, as pautas foram o citado Hamas e também uma eventual resposta conjunta em relação ao Irã, já que nenhum dos dois países deseja que Teerã possua armas nucleares. Diplomacia significa o diálogo com a Autoridade Nacional Palestina, já que o Egito defende uma solução de Dois Estados com a Palestina, desde que sem o Hamas.
Finalmente, em economia, o principal objetivo comum é a cooperação energética, especialmente com a descoberta de campos de gás natural no Mediterrâneo. Tanto Egito quanto Israel possuem desafios energéticos e uma solução comum pode ser economicamente interessante. Essa também foi a pauta da conversa entre al-Sisi e o premiê israelense, Naftali Bennett, três meses atrás, em um resort no Mar Vermelho.
Bennett que, na última segunda-feira, tornou-se o primeiro premiê israelense a ser recebido pelo principal líder dos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed, em Abu Dhabi. Os dois países normalizaram suas relações no ano passado, com os Acordos de Abraão, mediados pelos EUA. Nesse caso, a pauta foi o Irã em primeiro lugar. E em segundo e terceiro lugar também.
Existem dois aspectos interesses nessa relação, além da mera rivalidade com o Irã e a posição comum de não desejarem o desenvolvimento de armas nucleares pelos iranianos. Aqui no nosso espaço, dois anos atrás, fizemos uma série de textos sobre a rivalidade entre o Irã e os sauditas, travando uma “guerra fria” regional. No último ano, entretanto, os EAU conquistaram maior protagonismo nessa disputa.
Protagonismo árabe
Por exemplo, no Iêmen, emiradenses e sauditas possuem interesses diversos, algo também já abordado no nosso espaço e, até o momento, o governo saudita não normalizou suas relações com Israel, ao contrário de seus vizinhos. De forma mais chocante, nos últimos dias, surgiram “vazamentos” indicando conversas entre os sauditas e o Irã. Surpreendentemente, o ministro de Relações Exteriores saudita, Faisal bin Farhan, confirmou as conversas.
Ele, entretanto, negou que tenha sido realizada uma “cúpula secreta” em Amã, na Jordânia, com o rei jordaniano como mediador. Algum tipo de acordo entre sauditas e iranianos teria enorme impacto mundial, tanto por diminuir as tensões na região quanto por, certamente, envolver uma política comum em relação ao petróleo, principal produto de ambas as economias e algo que afeta a economia global.
Isso não quer dizer que os sauditas aceitem um Irã nuclear, posição reafirmada ontem, em uma declaração conjunta saudita e egípcia. Ainda assim, para Israel seria um cenário péssimo, ver um rival histórico e o rival atual normalizando suas relações e, nessa lógica, os EAU substituem os sauditas como líderes árabes de uma frente maior anti-Irã. Isso que Israel busca, e nessa parceria estão dois elementos. O primeiro é o econômico, já que o fluxo comercial entre Israel e EAU cresceu e possui grande potencial.
O segundo é o armamentista. Por um lado, Israel estaria preparado para vender sistemas anti-aéreos avançados para os EAU. Por outro, no último dia quinze, o governo emiradense notificou Washington que poderia suspender um polpudo contrato armamentista de mais de US$ 20 bilhões que inclui os novíssimos caças F-35. São os mesmos que protagonizam a crise entre Washington e Ancara, já que o governo dos EUA suspendeu a entrega dos caças após a Turquia adquirir sistemas antiaéreos russos.
A justificativa oficial emiradense foi a de que as exigências de segurança pelos EUA são onerosas demais. É plausível, entretanto, especular que exista participação israelense nisso. Israel mantém sua primazia tecnológica bélica regional e, em compensação ao congelamento emiradense do contrato, fornece armamentos de caráter defensivo aos seus “novos aliados” contra o Irã. Já Abu Dhabi economiza e o “passo atrás” é compensado pela melhoria de suas relações com Israel.
Ataques áereos
A terceira frente israelense foi na última madrugada, realizando ataques aéreos contra o sul da Síria. É o segundo ataque aéreo israelense contra alvos na Síria em uma semana, já que o país atacou alvos no porto de Latakia dias atrás. O porto é sabidamente utilizado por navios iranianos em apoio aos seus aliados na Síria, especialmente o grupo xiita Hezbollah. Foi a primeira vez que um ataque aéreo ao porto foi publicamente relatado, e especula-se que a carga destruída consistia de drones iranianos.
Muito provavelmente o novo ataque também foi contra alvos de origem iraniana, como equipamentos ou carregamentos de munição. Oficialmente, Israel adota uma política de opacidade em relação aos ataques aéreos. Não nega e nem confirma, mas não é necessário ter acesso a relatórios confidenciais de inteligência para concluir que Israel é o único país com meios e interesse de realizar esse tipo de ataque.
Em um período de dez dias, o alto escalão do governo israelense realizou cúpulas com dois vizinhos árabes, todos movidos pelo antagonismo em comum com o Irã. No mesmo período, realizou ataques aéreos contra alvos iranianos na Síria. O recado israelense é muito claro, que seu governo vai trabalhar para conter o que vê como uma ameaça iraniana. Resta saber se esses recados são uma reação a ainda desconhecidos eventuais avanços nas conversas sobre um acordo nuclear. De qualquer maneira, os recados certamente foram ouvidos, especialmente em Washington.
A coluna tirará um breve recesso pelas próximas duas semanas. Estamos juntos desde meados de 2018 e desejo um ótimo final de ano e um ótimo 2022 para todos os leitores e leitoras. Nos vemos novamente na primeira semana de janeiro!