Nessa segunda-feira, dia seis, Benjamin Netanyahu afirmou que "Israel assumirá por um período indefinido a responsabilidade geral de segurança” em Gaza. Ele faz essa declaração no início de uma semana essencial para as negociações e para a comunidade internacional em relação ao conflito com o Hamas. Essa declaração, entretanto, abre algumas portas incertas e problemáticas.
A declaração de Netanyahu veio em uma entrevista à rede ABC, dos EUA. Netanyahu pouco fala com a imprensa israelense nos últimos anos, apenas com veículos que claramente o apoiam. Sua entrevista coletiva da semana passada foi a primeira em anos e ele provavelmente se arrependeu, já que sofre diversas pressões internas em Israel, tema de nossa penúltima coluna.
Incógnitas
A primeira porta aberta por essa declaração é a necessidade de definir a “responsabilidade geral de segurança”. Israel já tem responsabilidades de segurança em relação ao território da Faixa de Gaza, estabelecidas pelos Acordos de Oslo. No caso, a segurança externa. E o governo israelense usa essa premissa justamente para bloquear Gaza por terra, mar e ar, em colaboração com o Egito, algo também explicado aqui em nosso espaço.
Se Netanyahu está falando de presença dentro do território, isso tem outro nome, é ocupação. Algo que, um mês atrás, Joe Biden disse que seria um “grande erro”. Pelos Acordos de Oslo, o policiamento e a segurança interna do território seriam responsabilidades da Autoridade Nacional Palestina, que foi expulsa do território pelo Hamas em 2006, em meio ao conflito intrapalestino.
Resta ver se o governo Biden tentará frear esse possível “grande erro” ou vai acabar cedendo e apoiando a decisão israelense. O governo de Israel dificilmente tomará uma decisão dessa magnitude sem o apoio de Washington. Ocupar a Faixa de Gaza traria problemas militares, econômicos e políticos para Israel. Desafios que não são facilmente contornáveis, muito menos quando simultâneos.
A segunda porta aberta é a questão do “tempo indefinido”. Até eliminar todos os túneis do Hamas? Isso talvez não seja sequer viável. Até acabar com o grupo? Suas lideranças vivem no Catar. Nesse período, quem seria responsável pela população de dois milhões de pessoas que ali vivem? E a fronteira entre Gaza e o Egito? Seria ocupada por tropas israelenses, sendo que a fronteira entre Israel e Egito é desmilitarizada por tratado?
Principalmente, esse “tempo indefinido” é, na prática, para Netanyahu ganhar tempo no cargo. Hoje, uma de suas maiores preocupações, se não for a maior, é se manter no poder e evitar ao máximo os processos no judiciário. Novamente, tema de nossa penúltima coluna. Essas duas portas citadas, entretanto, acabam sendo frestas perto da terceira porta aberta por essa declaração, um portão escancarado.
O que será de Gaza depois dessa guerra? Essa é a discussão em vários meios diplomáticos. A guerra em si, a invasão de Gaza, é fato consumado. E depois? Essa é a pergunta. Uma administração da Autoridade Nacional Palestina seria o caminho óbvio e natural. Isso é, se a ANP tivesse recursos e condições políticas para isso. Hoje, ela não tem, a verdade é essa, embora possa doer em algumas pessoas.
Cúpulas na Arábia Saudita
A liderança do Fatah está envelhecida e sofre com problemas de legitimidade. Seria necessário um decisivo e volumoso apoio dos países árabes e muçulmanos para que isso desse certo, e isso será discutido em breve. No próximo sábado, em Riad, capital saudita, será realizada uma cúpula emergencial da Liga Árabe. Espera-se uma posição conjunta sobre a guerra e as operações militares israelenses em Gaza.
No dia seguinte, em Jeddah, resort saudita no Mar Vermelho, será realizada a cúpula da Organização de Cooperação Islâmica, que reúne 57 países. Por ela, é possível que ocorra a primeira visita do presidente iraniano Ibrahim Raisi ao reino saudita. Os dois países, rivais nas últimas décadas, restauraram suas relações em março, em um acordo mediado pelos chineses, depois de sete anos de rompimento oficial.
A Questão Palestina, inclusive, foi o tema do primeiro contato direto entre Raisi e o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, que de fato governa o país. Eles conversaram por telefone no dia 12 de outubro, cinco dias depois dos ataques terroristas do Hamas, e ambos expressam apoio aos palestinos e a necessidade de “acabar com os crimes de guerra” cometidos por Israel.
Outro país integrante da OCI é a Turquia. O governo turco é um dos principais aliados da Irmandade Muçulmana e do Hamas, enquanto o Irã também é um importante aliado do braço armado do grupo, fornecendo inteligência, treinamento e armamento. Um país que estará presente em ambas as cúpulas é o Catar, sede internacional do Hamas e país que mediou a libertação de alguns reféns em poder do grupo.
Ou seja, é desse quarteto de países que mais provavelmente pode sair uma solução, ou ao menos uma proposta, hoje. Especialmente dos sauditas, que podem oferecer coisas interessantes aos israelenses: investimento e reconhecimento. Desde 2002, os sauditas oferecem a chamada Iniciativa Árabe para a Paz, rejeitada por Ariel Sharon e por Benjamin Netanyahu. E pelo Hamas, mas aceita pelo Fatah desde Arafat.
A última semana viu o aumento de declarações de repúdio aos atos israelenses por outros países. Já são dez mil palestinos mortos em Gaza, alvo de incessantes ataques aéreos, com imagens brutais correndo o mundo. Dos oito países que retiraram seus embaixadores de Israel, podemos destacar Bahrein e Jordânia, dois países árabes, Turquia e África do Sul, países do G20, e o Chile, lar de grande diáspora palestina cristã.
Seria interessante para Israel tentar melhorar sua posição internacional, e as duas cúpulas podem ser chave para isso. Netanyahu, então, às vésperas dessas duas cúpulas, já dá a entender quais são seus planos. No mínimo, seus desejos. Por canais não-oficiais, certamente há a comunicação mais detalhada desses planos. Se essa semana fracassar em um acordo, a matança pode piorar ainda mais.