A diretora-geral da Organização Mundial do Comércio, Ngozi Okonjo-Iweala| Foto: EFE/EPA/SALVATORE DI NOLFI
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A última madrugada foi do anúncio de um novo e “sem precedentes” acordo dentro da Organização Mundial do Comércio. Aspas para os termos da conferência de imprensa de apresentação dos textos finais da conferência ministerial da organização. Os acordos prometem inaugurar pautas interessantes, sim, mas, devido às próprias características da OMC e ao atual contexto mundial, serão frutos de todos os tipos de críticas.

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Foram seis pontos principais presentes nos acordos. A flexibilização dos direitos de propriedade intelectual de vacinas contra a Covid-19, segurança alimentar, combate à pesca ilegal e seus subsídios, comércio eletrônico e reforma da governança da própria OMC. Para a diretora-geral da organização, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, “o pacote de acordos fará a diferença na vida das pessoas ao redor do mundo” e “demonstram que a OMC é de fato capaz de responder às emergências do nosso tempo.”.

Quando a ex-ministra nigeriana fala de “emergências do nosso tempo” ela se refere tanto à pandemia quanto à insegurança alimentar diretamente relacionada à guerra na Ucrânia, já que Rússia e Ucrânia são dos maiores exportadores de cereais do mundo, com esse comércio passando pelo Mar Negro. E, de fato, é justo dizer que a OMC tratou desses temas em sua conferência ministerial, realizada sob imensa pressão.

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Pressão

A última conferência ministerial da OMC havia sido realizada em Buenos Aires, em dezembro de 2017, mais de quatro anos atrás. A conferência que deveria ter sido realizada em Nur-Sultan, capital do Cazaquistão, foi adiada duas vezes, por causa da pandemia de Covid-19. Os adiamentos, mais os protestos ocorridos no país na virada de 2021 para 2022, motivaram a mudança de local, para Genebra, sede da OMC. Ainda assim, as autoridades cazaques foram as principais organizadoras.

Além disso, a conferência de Buenos Aires não apresentou acordos finais importantes. Os anos de 2017 a 2019 foram de paralisação na OMC, já que o então governo dos EUA, do presidente Donald Trump, congelou diversos processos de nomeações de juízes, paralisando o julgamento de contenciosos entre países, e boicotou o processo de reforma da governança da organização.

A atual conferência começou, então, sob a tensão de ser a primeira em anos, depois de uma conferência fracassada, em um momento em que o mundo tenta se recuperar de uma pandemia, com as cadeias de produção afetadas, pressão econômica e uma guerra envolvendo dois países essenciais para o comércio mundial de commodities. Sair sem um acordo, algum acordo, seria vergonhoso e inaceitável.

As delegações sabiam disso, tanto que a conferência teve seu prazo estendido em quase 48 horas de negociações praticamente ininterruptas. O semblante de vários negociadores de países-chave era de genuína exaustão, e isso foi tema até de brincadeira na fala de encerramento da diretora-geral, afirmando que o embaixador cazaque jamais vai querer ouvir ou ler a sigla “MC12” novamente.

Decisões

A questão é que qualquer acordo que precisa ser aprovado de forma unânime em uma organização com 164 membros terá falhas. Ainda mais os elaborados nessas circunstâncias de pressão. O acordo sobre vacinas, por exemplo, foi criticado tanto pelos países desenvolvidos, que afirmam que ele ameaça a capacidade de desenvolvimento, quanto pelos países mais pobres, que alegam que o acordo tem validade curta e pouco adiciona em relação ao que já existia para a manufatura de vacinas, além de ter deixado de lado outros insumos para combater a covid-19.

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Sobre o comércio eletrônico, o “acordo” foi basicamente manter a moratória já existente. Ou seja, decidiram por decidir mais tarde, já que qualquer acordo sobre tarifas em serviços digitais promete ser um terremoto na economia mundial. O acordo sobre segurança alimentar, estipulando regras diferentes para os estoques reguladores nacionais, também saiu em um formato que desagradou ricos e pobres, especialmente a Índia, um dos países que melhor articula sua posição de líder de países em desenvolvimento na OMC.

Mesmo o acordo sobre pesca, o mais ambicioso, apenas o segundo acordo nos 27 anos de existência da organização, que muda de maneira permanente as regras da OMC, também é criticado como pouco ambicioso, já que basicamente reconhece o direito à existência da pesca “ilegal, não relatada ou irregular”. Apenas veta seu subsídio. Reconhecer algo que é ilegal é algo contraditório em essência.

A questão crucial é se esses acordos, frutos de um momento de pressão e pouco ambiciosos, servirão ao menos de pedra fundamental para acordos mais aprofundados e elaborados no futuro próximo. Ou seja, mais do que a matéria de cada acordo, a importância deles está no conjunto e na tarefa de recuperar, ao menos parte, da credibilidade da OMC como fórum para temas pertinentes à toda a comunidade internacional.