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Pouco mais de um ano atrás, no que parece um tempo muito distante, antes da pandemia afetar a sociedade brasileira, foi publicada a coluna “Os verdes continuam crescendo na Europa, agora é hora do teste” aqui em nosso espaço. Treze meses depois, o título praticamente se repete, com as duas eleições estaduais realizadas na Alemanha no último final de semana, em que o Partido Verde aumentou sua presença.
Ao norte, no estado da Renânia-Palatinado, onde ficam cidades históricas como Mainz e Worms, os eleitores foram escolher seus 101 representantes para o parlamento local – Landtag, no idioma alemão. Cerca de 64% dos eleitores compareceram, um número proporcionalmente alto, mas menor do que o da última eleição, em 2016. Além disso, dada a diminuta população do estado, esse número representa pouco menos do que dois milhões de pessoas.
"Coalizão sinal de trânsito"
A ministra-presidente (cargo análogo ao de governador no Brasil), Malu Dreyer, continuará no cargo que ocupa desde 2013. Ela e seu partido Social-democrata (SPD), de centro-esquerda, mantiveram os trinta e nove assentos, embora com uma votação ligeiramente menor. Em segundo lugar, ficou o outro partido gigante nacional, a União Democrata-Cristã (CDU), de centro-direita, com trinta e um assentos, perdendo quatro vagas.
Quatro assentos que correspondem ao ganho do partido que mais cresceu nas eleições: justamente os Verdes. Liderados por Anne Spiegel, o partido recebeu quase 10% dos votos válidos e terá dez assentos no parlamento. Ela ocupa o ministério estadual da, prepare-se para o nome longo, Família, Mulher, Juventude, Integração e Defesa do Consumidor. Ela é uma das principais defensoras da igualdade do direito ao casamento e foi uma das redatoras da lei que regularizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo na Alemanha.
Em quarto lugar ficou o maior perdedor, o Alternativa para a Alemanha (AfD), cuja ala de extrema-direita fez com que o partido tenha sido colocado sob monitoramento da inteligência doméstica federal por risco de extremismo. O partido perdeu cinco assentos, mantendo nove. Em quinto lugar, os liberais do Partido Democrático Liberal (FDP), com seis assentos, sofrendo a perda de um. Fecham a casa seis parlamentares livres, Freie Wähler, de filiação regional, sem partido nacional.
Com o crescimento dos Verdes, talvez aconteça uma dança das cadeiras no estado. A coalizão que governa, entre SPD, Verdes e FDP, será mantida. Como em qualquer país, os partidos alemães são associados com cores. Na Alemanha existe também o curioso hábito de batizar as coalizões possíveis fazendo associações cromáticas. No caso, uma coalizão entre o vermelho SPD, os verdes e o amarelo SPD é a “coalizão sinal de trânsito”.
Os três partidos são necessários para atingir as cinquenta e uma cadeiras da maioria, mas agora os Verdes podem “cobrar mais caro” pela sua bancada, agora maior. Quem poderia pagar o preço são os liberais, agora com uma bancada reduzida. Por outro lado, como não é possível abdicar de um dos três partidos, talvez seja interessante não mudar nada, apenas celebrar a margem ligeiramente mais ampla de parlamentares.
Sistema eleitoral
Mais ao sul, no estado de Baden-Württemberg, onde a capital fica em Stuttgart, importante centro industrial europeu, os Verdes não apenas continuaram líderes, mas ampliaram sua margem. Das 154 cadeiras em disputa, o partido ganhou cinquenta e oito, onze a mais do que na última eleição. Curiosamente, a votação não foi tão mais expressiva ainda, um crescimento de apenas 2,3% dos votos, com 63% dos eleitores comparecendo, pouco menos de cinco milhões de pessoas.
Duas respostas explicam isso. Primeiro, a dinâmica do voto distrital, onde duas vitórias apertadas transformam-se em duas cadeiras contra nenhuma do adversário. Só que a Alemanha não adota um sistema distrital puro, mas a representação proporcional mista, justamente para contabilizar votos expressivos de candidatos que perderam em seus distritos. Cada eleitor vota em duas eleições. Em uma, ele vota no seu candidato distrital. Na outra, no seu partido favorito, em uma lista proporcional.
Por isso, os parlamentos alemães, tanto estaduais quanto o federal, variam de tamanho de acordo com cada legislatura, para melhor acomodar a proporção dos votos. Atualmente, o Bundestag, o parlamento federal, possui 709 assentos. Anteriormente eram 631 assentos e, quase sempre, o tamanho não é mantido entre uma eleição e outra. A conquista de onze assentos pelos Verdes em Baden-Württemberg é parcialmente explicada pelo fato de que a nova legislatura terá onze assentos a mais do que a anterior.
Em segundo lugar do pleito ficou a CDU que, embora tenha recebido menos votos, manteve suas quarenta e duas cadeiras, pelo mesmo motivo citado anteriormente. Em terceiro o SPD, com dezenove parlamentares e, em quarto, o outro partido ganhador, o FDP, com 2,2% do eleitorado e seis cadeiras a mais, totalizando dezoito. E não, a sigla do partido não é parte de alguma piada de quinta série. O AfD fecha a casa, com dezessete cadeiras, seis a menos do que possuía.
O ministro-presidente Winfried Kretschmann, dos Verdes, se manterá no cargo que ocupa desde 2011. O crescimento dos liberais, entretanto, dá a eles um maior poder de barganha. Sua coalizão de governo atual é com a CDU, somando cem assentos, quando são necessários setenta e oito, mas o arranjo poderia ser substituído por outra “coalizão sinal de trânsito”. Somando Verdes, SPD e FDP, Kretschmann a coalizão teria noventa e cinco cadeiras. Menos do que atualmente, mas também com parceiros com menor poder.
Analisar duas eleições estaduais alemãs em 2021 é de suma importância, assim como compreender o sistema eleitoral do país. No dia 26 de setembro, os alemães vão às urnas para escolher seu novo governo federal, o primeiro sem Angela Merkel desde 2005. Um clima de certa incerteza em um pleito que certamente terá repercussões globais. Até lá, os eleitores de Saxônia-Anhalt também vão às urnas, mas, o cenário que se desenha é um pequeno declínio da direita do AfD e a manutenção do avanço verde na política alemã.