Um dos grupos terroristas mais poderosos do mundo é também um dos menos conhecidos. E as duas coisas não são coincidência, já que a pressão pública é um dos principais fatores da luta contra movimentos terroristas. E essa pressão pública é originada na repercussão ou no alcance das ações do terror; se um grupo é pouco conhecido, ele consegue se estabelecer e se manter, sem grandes obstáculos. No caso, é o grupo al-Shabaab, que opera principalmente na Somália.
O nome completo do grupo é Harakat al-Shabaab al-Mujahideen, “Movimento da Juventude Mujahideen”. al-Shabaab significa A Juventude, daí seu uso muito comum para nomear agremiações esportivas árabes. Mujahideen é o plural de combatente e o nome tornou-se comum no Ocidente à partir das guerrilhas islâmicas afegãs que lutavam contra a invasão soviética, iniciada em 1979. O termo possui um componente religioso, embora não necessariamente terrorista.
Atentados
No último dia 15 de janeiro, o grupo realizou um ataque em um hotel em Nairóbi, capital do Quênia, país vizinho da Somália e um dos mais estáveis da costa oriental da África. Vinte e uma pessoas morreram e, dentre os atacantes envolvidos, estavam nacionais do Canadá, do Quênia e da Somália. Outras ações famosas e sangrentas do al-Shabaab também foram no Quênia.
Em setembro de 2013 o grupo tomou um shopping center por quatro dias, com a morte de sessenta e sete pessoas. Já em abril de 2015, a Universidade de Garissa foi atacada por quatro integrantes do grupo, que tomaram 700 reféns. No total, 148 pessoas morreram e outras cem ficaram feridas; todos os terroristas foram mortos, e pessoas ligadas à organização do atentado foram presas. E esses são apenas os eventos mais infames. Desde 2011, apenas no Quênia, o al-Shabbab realizou dezenas de ataques, desde pequenos até os de larga escala, com centenas de mortos e de feridos.
Outro ataque do grupo, o mais mortal da História da África e um dos mais mortais do mundo, foi o de 14 de outubro de 2017, quando um caminhão bomba explodiu ao ser parado por guardas em Mogadishu, capital da Somália. O veículo continha 350 quilos de explosivos e detonou em frente a um hotel. No total, 587 pessoas morreram e mais de 300 ficaram feridas. O alvo original provavelmente era a região do aeroporto, onde estão as sedes locais de agências da ONU, embaixadas e o quartel-general da AMISOM.
O acrônimo em inglês AMISOM significa Missão da União Africana para a Somália e contém mais de vinte mil militares africanos que combatem pela estabilização da Somália, em cooperação com o governo federal somali. Boa parte do contingente da AMISOM é de militares quenianos, um país de maioria cristã. A missão começou suas operações ofensivas na Somália no final de 2011; mesmo ano em que os atentados no Quênia começaram.
Esse é o primeiro aspecto sobre o al-Shabaab que deve ser considerado. Não se trata mais de uma facção interna em uma guerra civil, um grupo em disputas clânicas ou uma célula terrorista que realiza ataques esporádicos. É um grupo que age de forma metódica contra inimigos declarados, internos e externos, com uma média de três operações por dia no ano de 2018. É uma guerra regional na África Oriental e no Chifre da África, por diversos motivos: controle de áreas produtivas, dinheiro, poder político e violência sectária.
Territórios
O al-Shabaab surgiu por volta de 2006, como uma facção radical da União das Cortes Islâmicas, um dos atores envolvidos na guerra civil somali em sua fase recente; é importante lembrar que a Somália vive um conflito interno desde o final da década de 1980 e seu Estado nacional foi, por muito tempo, considerado um Estado falido. Hoje, embora com uma autoridade central reconhecida, o governo federal somali não controla todo o território do país.
No auge, o al-Shabaab controlou cerca de um quarto do território somali. Atualmente, seu domínio diminuiu, mas o grupo controla diretamente diversos territórios. Isso permite ao grupo arregimentar novos integrantes, seja de maneira voluntária, seja de maneira forçada; controlar cobrança de impostos, serviços básicos e o acesso ao auxílio humanitário; controlar e gerir outras fontes de renda, como a operação clandestina de minas; cobrar taxas e interferir no tráfego marítimo, embora essa possibilidade tenha sido continuamente combatida.
Além disso, existem as suspeitas, mas que nunca são confirmadas, de que o al-Shabaab recebeu financiamento de outros Estados nacionais. Pelo fato de um dos inimigos do grupo ser a vizinha Etiópia, onde um terço da população é muçulmana, a Eritreia e o Egito teriam, em diversos momentos, financiado o grupo. O longo conflito entre etíopes e eritreus chegou ao fim em 2018, embora as disputas entre o Egito e a Etiópia pelo regime de águas do Nilo continuem.
Outro Estado que teria colaborado com o al-Shabaab é a Arábia Saudita. O grupo segue a doutrina ultra-radical do wahabismo, a doutrina oficial saudita. O fato de combatentes do al-Shabaab terem sido vistos no Iêmen, lutando ao lado da coalizão saudita, não ajuda na negação oficial de Riad. E o que intensificou os ataques internacionais contra o al-Shabaab não foi apenas o seu papel dentro da Somália, mas a sua filiação internacional ao grupo al-Qaeda, em 2012.
Desde então, o grupo, pragmaticamente, se afastou da ideia de uma jihad global e mantém laços apenas simbólicos com a al-Qaeda. Focou-se em ser novamente um ator regional importante. Hoje, ex-integrantes do al-Shabaab estão até entrando na política somali. O retorno à discrição e a pouca repercussão fora da África de seus atentados tem possibilitado ao grupo retomar forças, movimentar dezenas de milhões de dólares por ano e chegar próximo de ser o grupo terrorista mais consolidado do mundo.
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