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A guerra pela universidade

Foto: Reprodução Facebook (Foto: )

Interrompo por ora a nossa série de artigos sobre fascismo para abordar uma questão urgente, que não deixa de estar relacionada ao tema, posto que indiretamente. Na semana que antecedeu o segundo turno das eleições, como noticiado amplamente pela imprensa, a justiça eleitoral tomou uma série de medidas para coibir propaganda eleitoral irregular pró-Haddad e anti-Bolsonaro dentro de universidades públicas ao redor do país, conforme determina a Lei 9.504/1997. Inconformada com a ação – que, segundo ela, violava o direito à crítica, à manifestação e à liberdade de pensamento e de expressão –, a Procuradora Geral da República Raquel Dodge decidiu entrar com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) junto ao STF, solicitando a imediata reversão da decisão dos juízes eleitorais. Deferindo a ADPF, a ministra Carmem Lúcia suspendeu liminarmente as medidas, afirmando em sua sentença que as universidades “são espaços de liberdade e de libertação pessoal e política” e que “pensamento único é para ditadores. Verdade absoluta é para tiranos. A democracia é plural em sua essência”.

Outros ministros do Supremo se manifestaram no mesmo sentido. Dias Toffoli defendeu “o livre exercício do pensar, da expressão e da manifestação pacífica”. Para Marco Aurélio Mello, era “incabível” qualquer interferência na autonomia universitária. Em suas palavras, a universidade é um “campo do saber”, que pressupõe a “liberdade no pensar e de expressar ideias”. Já Ricardo Lewandowski afirmou que “a presença de policiais nos espaços acadêmicos afronta a autonomia universitária e a liberdade de manifestação do pensamento que a Constituição garante aos professores e estudantes”. E, por último, Luís Roberto Barroso, com sua pompa iluminista de professor da humanidade, declarou desde Bogotá (Colômbia), onde palestrava sobre os trinta anos da Constituição Brasileira: “Polícia só deve entrar em universidade se for para estudar”. Confirmando a boutade de Karl Marx, segundo a qual a história se repete como farsa, Barroso tentava emular o conhecido gesto de Pedro Calmon, então reitor da UFRJ no conflagrado ano de 1968, quando barrou policiais na entrada da Faculdade de Direito com as palavras: “Policial só entra na universidade se fizer vestibular”.

Gostaria sinceramente de saber em que mundo vivem esses magistrados. Decerto, num mundo etéreo de princípios abstratos desconectados da realidade. Porque, num contexto de décadas de sequestro da universidade (pública e privada) por partidos de extrema-esquerda que a dilapidaram por completo, falar abstratamente em “campo do saber” e “liberdade no pensar” (assim mesmo, com essa intragável substantivação do verbo, tão típica do esnobismo acadêmico nacional), é como se omitir por anos a fio diante das agressões cometidas por uma pessoa mais forte contra uma pessoa mais fraca e, de repente, no justo instante em que esta última reage, começar a pontificar, em termos tão grandiloquentes quanto genéricos, sobre a importância do princípio da não-violência. Ora, antes de ser desautorizada pelos iluminados ministros do Supremo, a justiça eleitoral agia justamente para tentar corrigir uma situação aberrante criada por décadas de imposição de uma tirania do pensamento único de esquerda na academia, há muito transformada em comitê político e eleitoral de partidos como PT, PCdoB, PSol etc. Será que os ministros não sabem o que acontece com quem, em não sendo de esquerda, resolve exercitar a sua “liberdade no pensar e de expressar ideias” ali dentro?

O que acontece é o que, por exemplo, se passou em 19 de novembro de 1997 na PUC do Rio de Janeiro. Naquele dia, três estudantes distribuíam exemplares de seu jornal O Indivíduo na porta da faculdade. Por manifestar suas críticas à política de cotas raciais, bem como à submissão intelectual do movimento negro brasileiro ao modelo binário e de inspiração marxista do racialismo norte-americano, os três foram cercados por um bando de militantes de esquerda, intimidados, estapeados e cuspidos. Os exemplares de seu jornal foram incendiados, e eles próprios ameaçados de ter o mesmo fim. Informada do assunto, a reitoria tomou partido da turba de linchadores, apreendendo os exemplares de O Indivíduo e divulgando uma circular na qual, em linguagem melíflua, insinuava sem afirmar que os agredidos eram racistas e que, portanto (esta a conclusão à qual se buscava induzir), haviam merecido. A imprensa também ficou contra os agredidos, tomando parte na campanha de assassinato de reputação que justificava ex post facto a violência por eles sofrida. Nos grandes jornais, apenas o filósofo Olavo de Carvalho saiu em defesa das vítimas, escrevendo uma série de artigos mais tarde reunidos no volume 2 do seu clássico O Imbecil Coletivo.

Aquela não seria a última vez em que reitores universitários chancelariam a violência política contra quem não é de esquerda. Quando Mauro Iasi, professor comunista da UFRJ, fez uma apologia explícita aos métodos stalinistas de lidar com opositores, recomendando que se oferecesse aos conservadores “um bom paredão, uma boa espingarda, uma boa bala e uma boa cova”, o reitor Roberto Leher, militante do PSol sob cuja gestão desastrada o Museu Nacional se extinguiu em chamas, publicou nota oficial de desagravo a Iasi, a quem foram prestados apoio e solidariedade em face do “assédio criminoso e covarde que (sic) vem sendo alvo”. Ou seja, as vítimas potenciais do paredão de fuzilamento do camarada Iasi não tinham sequer o direito de reclamar um pouco.

O padrão agressivo e intimidatório com que foram tratados os editores de O Indivíduo na PUC-RJ só tem se agravado de 1997 para cá. As agressões e perseguições a alunos e professores de direita são frequentes. Sob o rótulo infamante de “fascistas” – segundo a velha estratégia comunista de desumanizar para melhor agredir –, essas pessoas têm sofrido toda sorte de violência política. O uso do espaço público como base partidária também se intensificou, atingindo o paroxismo no pleito de 2018.

Na Universidade Federal Fluminense, por exemplo, a perseguição política a alunos conservadores e liberais atingiu níveis alarmantes. Acusados por um professor de haverem denunciado à justiça eleitoral a presença de material de propaganda partidária irregular dentro do campus (acusação que recaiu sobre eles apenas por serem de direita), três alunos passaram a ser sistematicamente ofendidos e intimidados por turbas de militantes partidários de extrema-esquerda. Um deles chegou a ser ameaçado de sofrer o mesmo destino de Bolsonaro, ou seja, levar uma facada. Por ser negro e de direita, teve também de ouvir ofensas racistas. Uma professora ligou para o seu orientador solicitando que sua bolsa de iniciação científica fosse suspensa.

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, um estudante que questionava educadamente a metodologia de um estudo acadêmico sobre “lesbocídio” foi ofendido, cuspido e empurrado por militantes feministas e esquerdistas em geral, que enxergaram em suas perguntas um ataque político à causa. Um funcionário público do campus chegou a mantê-lo algum tempo em cárcere privado no seu gabinete, sem acesso a celular e sob a vigilância de seguranças. Aos berros e palavras de baixo calão, esse mesmo funcionário responsabilizava o estudante pela balbúrdia causada. Serão essas a liberdade de pensamento e a pluralidade de ideias que os excelentíssimos ministros do Supremo desejam preservar para as futuras gerações?

Quem quer que visite um campus de universidade brasileira hoje em dia não tardará a ver faixas e cartazes de partidos políticos de esquerda e movimentos sociais ligados e eles. Esse material está em toda parte. Além disso, é frequente a presença de lideranças políticas desses partidos nas dependências das faculdades, onde costumam ter livre trânsito, chegando a fazer comícios e atos de campanha, quase sempre com a anuência de diretores e reitores. Numa tal situação, recorrer a princípios abstratos como “liberdade de pensamento” e “pluralidade” é garantia certa de que, na prática, o resultado será o inverso daquele que se alega buscar. É esse abstracionismo crônico, aliado a uma boa dose de progressivismo basbaque e vaidade pessoal, que tem feito da nossa suprema corte o cemitério da razão e da justiça.

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