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Flavio Gordon

Flavio Gordon

A morte de Rhuan como fato social

Rosana Auri da Silva Cândido e Kacyla Pryscila Santiago Damasceno Pessoa
Dois anos antes do assassinato de Rhuan, Rosana Cândido e Kacyla Pessoa haviam castrado o garoto. (Foto: Divulgação/Polícia Civil-DF)

“Asseguro-vos que, se eles se calarem, as próprias pedras clamarão!” (Lucas 19,40)

O menino Rhuan morreu duas vezes. Primeiro, brutalmente assassinado por um “casal” de psicopatas lésbicas, sendo uma delas a sua própria mãe, quem, dois anos antes, manifestando quadro grave de falofobia, decepara o pênis da vítima, por desejar uma menina. Segundo, por uma imprensa ideologicamente pervertida, cujo compromisso visceral com causas ditas “progressistas” (feminismo, gayzismo e ideologia de gênero, em especial) exige a supressão de porções inconvenientes da realidade – algo que, aliás, nem sequer parece existir para esses rebentos do pós-modernismo.

Sim, conforme explicou em livro uma catedrática de jornalismo de uma universidade fluminense – responsável, portanto, pela formação de milhares de novos profissionais da área –, a função precípua do jornalismo é a de “pensar contra os fatos, dotando-os de uma interpretação capaz de ajudar a promover um novo senso comum”. E, nesse novo senso comum pretendido pelo jornalismo contemporâneo, não há lugar para lésbicas (e homossexuais em geral) ocupando a posição de algozes, apenas a de vítimas. E não há lugar para eventuais consequências nocivas do onipresente discurso sobre identidade de gênero. Daí que, uma vez morto fisicamente, Rhuan teve também de ser apagado da memória nacional, sendo objeto de uma cobertura midiática discreta, totalmente desproporcional à gravidade do caso. Ao contrário, por exemplo, da vereadora psolista Marielle Franco, ainda hoje onipresente no noticiário, o menino não tinha pedigree ideológico.

Por mais excepcional que possa parecer um crime terrível como esse, e conquanto sua causa remeta direta e imediatamente à psicologia individual do criminoso, é possível vê-lo também como produto indireto de um determinado Zeitgeist, ou “espírito do tempo”. Afinal, foi Émile Durkheim, fundador da sociologia moderna, quem nos ensinou que até mesmo um fenômeno como o suicídio – tão eminentemente individual, à primeira vista, e tão naturalmente acomodado no campo da psicologia – é um fato social, digno, portanto, de se converter em objeto para a sociologia. O que Durkheim fala do suicídio vale também para o homicídio, inclusive um caso assim tão excepcionalmente brutal quanto o do menino Rhuan.

Os assassinatos dos meninos Rhuan e Karol Ramón trazem as marcas culturais do período. São crimes de época

“Não foram apenas alguns ministérios de Berlim que inventaram as câmaras de gás de Maidanek, Auschwitz, Treblinka”, escreveu algures o psicanalista Viktor Frankl. “Elas foram preparadas nos escritórios e salas de aula de cientistas e filósofos niilistas, entre os quais se contavam e contam alguns pensadores anglo-saxônicos laureados com o Prêmio Nobel”. E foi nos escritórios e salas de aula dos acadêmicos ideólogos do gênero (pseudocientistas e pseudofilósofos) que surgiu um conjunto de ideias suficientemente insanas a ponto de, de tão obsessivamente marteladas no debate público por uma classe falante também niilista, tornarem-se letais na mente de psicopatas como as assassinas de Rhuan.

Quantas vezes não terão as criminosas ouvido falar que o sexo natural das pessoas em nada influi em sua identidade de gênero? Quantas chamadas para matérias sobre “crianças trans” não lhes atravessaram desavisadamente as retinas? Quantas vezes não terão tido notícia das tais cirurgias de “redesignação sexual”, alegadamente capazes de transformar um homem em mulher e vice-versa? Quantas vezes não terão topado com expressões tais como “dominação masculina”, ou a mais recente “masculinidade tóxica”, na propaganda e no show business? Quantas não terão sido as ocasiões nas quais aprenderam com especialistas midiáticos em gênero que essa “masculinidade tóxica” deve ser combatida desde a infância, porque é de menino que se torce o pepino? Ora, ideias têm consequências, como se diz. Ideias estúpidas, consequências deletérias. Enfie-as sistematicamente na cabeça de personalidades monstruosas e só por milagre não teremos uma sucessão de resultados trágicos.

Barbárie semelhante à sofrida por Rhuan já ocorrera dois meses antes, por exemplo, na cidade mexicana de Guanajuato. Ali, um menino de sete anos chamado Karol Ramón foi espancado até a morte pela própria mãe e a namorada desta. O motivo? O garoto recusara-se a vestir roupas de menina, como queria o “casal” lésbico que, assim como as assassinas de Rhuan, também levou às últimas consequências o ódio feminista aos homens, e a teoria de que a identidade de gênero é inteiramente fabricada, nada devendo ao sexo de nascimento. Num caso como noutro, tratou-se de ideologia de gênero aplicada, uma versão macabra da moda da “redesignação” sexual e do combate à “masculinidade tóxica”.

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No livro The War Against Boys, a filósofa Christina Hoff Sommers analisa como, baseado em premissas feministas radicais, bem como na ideologia de gênero, o sistema educacional americano (e o mesmo já começa a ocorrer no Brasil) tem promovido uma castração cultural sistemática dos meninos, como se as predisposições naturais do sexo masculino, manifestas em interesses diversos aos das meninas, e sobretudo nas brincadeiras de caráter mais físico tão típicas entre garotos, fossem resultado de uma sociabilidade violenta, machista, competitiva, dominadora etc. Nas escolas americanas, mostra Sommers, os meninos têm sido encarados como "meninas com defeito", como agressores em potencial que precisassem passar por um processo radical de reeducação, para terem a “masculinidade tóxica” extirpada de seu espírito o mais cedo possível. Nas palavras da autora: “Hoje, os meninos sofrem com o fardo de uma série de poderosas tendências culturais: uma abordagem terapêutica da educação que valoriza os sentimentos e despreza a competitividade e o espírito de aventura; políticas de tolerância zero que punem travessuras normais entre jovens machos; e um movimento de igualdade de gênero que vê a masculinidade como predatória. A exuberância masculina natural já não é mais tolerada”.

Como disse acima, os assassinatos dos meninos Rhuan e Karol Ramón trazem as marcas culturais do período. São crimes de época. Por sua psique individual deformada, é muito provável que as assassinas cometessem atos bárbaros em quaisquer outras circunstâncias históricas ou culturais. De todo modo, o repertório específico a que recorreram nos crimes presentes, por assim dizer, é um fato social.

Embora excepcionais em sua natureza criminosa, ambos os crimes podem ser compreendidos como manifestações extremas de uma espécie de misandria cultural latente e generalizada no Ocidente contemporâneo, ou, mais especificamente, como uma interpretação tragicamente literal do projeto ideológico de castração social dos meninos, tão bem descrito por Sommers. Se, claro está, essa misandria cultural não pode ser vista como causa imediata de crimes tão bárbaros – causa que reside sempre na decisão pessoal das criminosas –, é verdade também que lhes fornece o contexto do qual talvez surjam, lamentavelmente, outros casos parecidos. E a discrição estratégica (e politicamente motivada) mantida pela imprensa em relação ao caso é, sem sombra dúvida, um componente perturbador desse contexto.

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