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“Dinheiro é a mansão em Sarasota, que começa a desmoronar depois de dez anos. Poder é o velho castelo de pedras que resiste à passagem dos séculos. Eu não posso respeitar alguém que não vê a diferença” (Frank Underwood)

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Como vimos no último artigo da série, o fascismo italiano nasce de uma rixa no seio do marxismo-leninismo local. E é também do campo marxista-leninista que surgem as primeiras tentativas de interpretar o fenômeno à luz do materialismo histórico, moldura teórica na qual os fatos eram, frequentemente, muito mal acomodados. Tendo nascido no contexto de uma luta política fratricida, essas interpretações iniciais consistiam numa mistura inseparável entre análise e condenação moral.

Vimos também que, enxergando os acontecimentos segundo o modelo ortodoxo da luta de classes, os comunistas europeus passaram a caracterizar o fascismo como um “instrumento” das classes dominantes – primeiro, identificadas com a “elite agrária”; em seguida, com a “burguesia industrial”; depois, com uma “oligarquia industrial e agrária”; e, por último, simplesmente com o “grande capital”.

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É claro que não havia como acomodar todas aquelas teses: o fascismo não poderia servir a tantos senhores, com interesses frequentemente antagônicos. Para ficarmos apenas num exemplo, é uma espécie de senso comum econômico que as elites agrárias tendem a valorizar políticas de livre comércio, enquanto que os representantes de indústrias nacionais emergentes preferem políticas protecionistas. Logo, fosse apenas um “lacaio” dessa miríade de interesses conflitantes, dificilmente o fascismo teria tido uma vida muito longa.

Em face dessa instabilidade teórica, no começo dos anos 1930, as lideranças da Terceira Internacional decidiram por uma única interpretação “cientificamente” correta. Impondo-se sobre as partes divergentes, Stálin e seus correligionários estabeleceram a linha partidária oficial: a partir dali, o fascismo (tanto o italiano quanto o genérico) seria definido como a “ditadura terrorista dos elementos mais reacionários, chauvinistas e imperialistas do capital financeiro” (conforme resolução do 7.º Congresso da Terceira Internacional).

Em 1934, o comunista indo-britânico R. Palme Dutt publicou o livro Fascismo e Revolução Social, que consagrou academicamente a versão stalinista no universo anglófono. Dutt pretendia não apenas oferecer uma análise particular do fascismo italiano, como também explicar, em suas próprias palavras, “o verdadeiro caráter do fascismo” em seu sentido genérico. Com isso, ele nada mais fez do que referendar os argumentos centrais da interpretação marxista-leninista, segundo os quais o fascismo era um corolário necessário e inevitável do próprio desenvolvimento do sistema capitalista, sistema que, por suas próprias contradições (e tinha início aí a sempiterna teoria esquerdista da “crise terminal do capitalismo”), não tinha como sobreviver nos quadros da política europeia tradicional (leia-se liberal e democrática), carecendo de uma guinada ditatorial e reacionária, a fim de conservar as relações de produção então vigentes em face do avanço das forças produtivas. Segundo esse ponto de vista, portanto, o fascismo era um desdobramento inescapável do capitalismo, que só poderia ser vencido pela revolução proletária que extinguiria de uma vez por todas a sociedade de classes.

Em certo trecho da obra, Dutt sintetiza com maestria a interpretação marxista-leninista canônica, que até hoje é repetida pela esquerda, sempre ávida por encontrar novos “fascistas” entre seus opositores políticos. Escreve o autor: “Portanto, apenas dois caminhos se abrem para a sociedade contemporânea: a alternativa é entre o fascismo e o comunismo. O sonho de uma terceira via é, de fato, ilusório. A sociedade atual está madura para a revolução social. Mas, se esta for protelada, então o fascismo será inevitável, porque ele não passa de uma forma, um meio pelo qual a classe capitalista pode reinar em condições de extrema decadência”.

A tese do fascismo como mero “instrumento” dos capitalistas está, evidentemente, errada. As elites econômicas (quer industriais, quer agrárias) jamais conseguiram controlar e direcionar Mussolini e seu exército de seguidores (ou, na Alemanha, Hitler e os seus). Antes pelo contrário: nos momentos decisivos, as prioridades políticas dos fascistas sempre prevaleciam sobre os interesses dos capitalistas. Houve, decerto, um casamento de conveniência entre o fascismo e aquilo que os marxistas identificam frouxamente como “o grande capital” (como, de resto, em outras ocasiões, entre este mesmo grande capital e o comunismo). No entanto, tratava-se de um relacionamento assimétrico, em que as coisas se passavam exatamente ao contrário do que descreviam os marxistas: a “burguesia” era forçada a se submeter ao poder político de Mussolini. O economicismo inerente à ortodoxia teórica marxista não permitia àqueles intelectuais enxergar o óbvio, a saber: que, no confronto final entre o poder econômico (o poder de comprar) e o poder político-militar (o poder de prender ou matar), este último costuma se sagrar vencedor.

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Na Europa do entreguerras, já havia um punhado considerável de intelectuais marxistas não completamente convencidos pela interpretação soviética oficial sobre o fascismo. Nos anos 1930, por exemplo, August Thalheimer, membro do KPD, o Partido Comunista Alemão, afirmava que o fascismo deveria ser compreendido como um fenômeno político novo e autônomo, um movimento de massa surgido em condições econômicas e sociais que escapavam ao controle da burguesia. Outro membro do KPD, Arthur Rosenberg, aceitava basicamente a tese padrão, mas com um importante diferencial: antes que reacionário, o fascismo tivera o papel de fazer avançar as forças produtivas na Itália, promovendo notadamente o desenvolvimento da indústria pesada – química, automotiva, naval etc. Em vez de esgotar o potencial criativo do capitalismo (como previa a interpretação marxista original), o fascismo criara as condições para a sua aceleração. Em 1936, o austromarxista Otto Bauer (um dos primeiros intelectuais comunistas a denunciar o surgimento de uma nova classe dominante na URSS, formada pela cúpula do partido bolchevique) reforçava a opinião de que o fascismo era uma força política demasiado selvagem para ser contida pelas elites estabelecidas. O fascismo “cresceu por sobre as cabeças das classes capitalistas”, escreveu Bauer. Para ele, a relação entre o fascismo e o grande capital era, no mínimo, muito mais complexa do que afirmara a interpretação marxista padrão. Franz Borkenau – escritor austríaco que, como Arthur Koestler, viria a se desiludir com o KPD – também negava o caráter “reacionário” do fascismo, insistindo que, nos anos 1920, a Itália não estava “madura” para uma revolução socialista (como insistira R. Palme Dutt). Segundo o autor, o fascismo era uma força política, cultural e economicamente modernizadora (como, aliás, atestava a grande presença de artistas futuristas em suas fileiras). Nunca fora um instrumento do capital industrial e financeiro, mas o oposto. Foi o movimento fascista que criou as condições para o desenvolvimento da indústria. Antes que criadores, os capitalistas industriais e financistas foram criaturas do fascismo.

Depois da Segunda Guerra, a fragilidade da versão soviética oficial passou a ser quase que universalmente reconhecida. Discretamente, muitos marxistas passaram a descartar elementos da ortodoxia, bem como a modificar o que dela sobrou. Entre o fim da década de 1960 e o início da de 1970, já havia então uma interpretação marxista do fascismo bastante alterada. Autores como Alexander Galkin, Paolo Alatri, Reinhard Kuehnl e Mihaly Vajda, entre outros, subscreveram essencialmente as interpretações de Thalheimer, Rosenberg, Bauer e Borkenau. Nos escritos desses intelectuais, o fascismo já não era visto como o rebento reacionário de uma “crise terminal do capitalismo”, ou como mero lacaio do grande capital. Ao contrário, enfatizava-se o seu caráter autônomo e modernizador (ou, se preferirem, “progressista”). Em alguma medida, o fascismo passava a ser visto por esses intérpretes como um movimento político revolucionário. Começamos aí a passar do problema das interpretações para a questão correlata das definições conceituais, tema do nosso próximo artigo, no qual também daremos início ao exame das interpretações não marxistas do fascismo.