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Flavio Gordon

Flavio Gordon

Sua arma contra a corrupção da inteligência. Coluna atualizada às quartas-feiras

Caminhos possíveis: ainda sobre a CPI e o meu crime de opinião

Ministra do STF Cármen Lúcia
A ministra do STF Cármen Lúcia (Foto: Nelson Jr./STF)

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“Os efésios começam a lapidar sua vítima com tal fúria que acabam vendo nela o que Apolônio pede que vejam: o autor de todos os seus males, o ‘demônio da peste’, que deve ser eliminado para curar a cidade” (René Girard, “O horrível milagre de Apolônio de Tiana”, em Eu via Satanás cair como um relâmpago)

“O Céu é justo, todo o subterfúgio é inútil; ali os nossos atos são justamente avaliados e os nossos crimes conhecidos. Que devo fazer? Nada me resta. Tentemos o arrependimento.” (William Shakespeare, Hamlet, Ato III, Cena 3)

Em artigo publicado na Gazeta em 23 de agosto, analisei o requerimento da “CPI da pandemia” que pedia a quebra do meu sigilo fiscal por conta de minhas opiniões. Mostrei então o absurdo do pedido, que apresentava como supostas provas do meu delito “contra a ciência, a saúde pública e a vida” três postagens minhas no Twitter. A primeira lamentava a cobertura desonesta de parte da imprensa sobre manifestações contra o lockdown na Espanha. A segunda criticava a censura que aquela rede social estava praticando em postagens favoráveis ao tratamento precoce da Covid-19. A terceira condenava o caráter de obrigatoriedade da vacina, não a vacinação em si.

Quem me lê sabe que minhas opiniões se lastreiam em informações e referências públicas e notórias, mas que são frequentemente ignoradas, ou mesmo deliberadamente ocultadas, por parte da assim chamada grande imprensa, informações e referências que faço questão de compartilhar com o público, que, assim, na condição de indivíduos autônomos, pode formar sobre elas o seu próprio juízo. É isso que, em sociedades tidas por democráticas, chamamos de debate público, que só se realiza plenamente com liberdade de expressão e direito ao contraditório.

A CPI, desde o início, pretendeu instaurar à força no país um pensamento único sobre a pandemia. Com frequência, desrespeitou, intimidou e assediou moralmente todos os depoentes com visões contrárias ao esperado

Ao contrário do que consta no requerimento para a minha quebra de sigilo, não pratico e nunca pratiquei “desinformação”. Desde sempre, o meu trabalho em jornal e nas mídias sociais cuida de elaborar criteriosamente a minha visão sobre a realidade em que vivemos, com base em fatos e dados reais, mesmo que descredenciados por aqueles que se arvoram o papel de donos da verdade. Nesse mister, naturalmente, faço análises que agradam a uns e desagradam a outros. Esforço-me constantemente para lapidar os argumentos, e, sempre que novos fatos o exijam, mudo de opinião com tranquilidade.

Ainda que os debates nas mídias sociais sejam muitas vezes acalorados, ou até mesmo agressivos, sua vantagem é a de não serem desleais, nem desequilibrados em poder, precisamente por neles se engajarem cidadãos livres, de forma voluntária. O mesmo não se pode dizer da referida Comissão Parlamentar de Inquérito, ora em vias de encerramento no Senado Federal. Essa é uma CPI que, desde o início, pretendeu instaurar à força no país um pensamento único sobre a pandemia. Com frequência, desrespeitou, intimidou e assediou moralmente todos os depoentes com visões contrárias ao esperado, até mesmo médicos que tratam pacientes acometidos pela Covid-19. Daí para fazer com que minhas opiniões divergentes assumissem ares criminosos foi um passo até natural.

Natural, mas não justo. E menos justo ainda foi acusar-me levianamente de “atentar contra a ciência, a saúde pública e a vida”, de integrar uma “rede de desinformação” e de receber dinheiro público para dizer o que penso. Como se o que penso, aliás, fosse alguma extravagância perigosa, uma subversão do cânon científico da CPI, que, dentre outras coisas, decretou peremptoriamente que “essa coisa de imunidade natural não existe” (desconsiderando mais de um século de ciência imunológica, e, no caso específico da Covid, um estudo israelense recente que compara a eficácia da imunidade natural com a da imunidade vacinal), ou que medicamentos utilizados no tratamento precoce são “comprovadamente ineficazes” (e é uma lástima que vários membros da CPI tenham se retirado deselegantemente no dia do depoimento de médicos que recomendam o tratamento precoce, representantes dos milhares de colegas que os utilizam e prescrevem, incluindo aqueles que, por medo de represálias, se recusam a admiti-lo em público).

Posto que mal fundamentado, mal redigido, e sem apresentar indício algum do cometimento de crimes tipificados em lei – afora o “crime de opinião”, não previsto no ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito –, o requerimento foi, contudo, julgado plenamente satisfatório pela ministra Cármen Lúcia, que, no último dia 1.º de outubro, indeferiu o mandado de segurança que meu advogado havia impetrado junto ao Supremo Tribunal Federal e manteve a quebra do meu sigilo fiscal. Além disso, a magistrada concordou com a justificativa da CPI quanto à inusitada abrangência temporal da quebra, que se estende no passado até janeiro de 2019, mais de um ano antes do início da pandemia. De resto, restringiu a guarda dos dados sigilosos ao presidente da comissão e demais senadores, determinação perfeitamente inócua, considerando o histórico recente de vazamentos ligados à CPI, que, em vez de um inquérito propriamente dito, transformou-se, em conluio com uma imprensa parcial e desonesta, numa máquina de assassinato da reputação de quem quer que os seus comandantes tenham por desafetos políticos.

Antes de justificar o seu endosso ao requerimento, a ministra Carmem Lúcia ponderou que “para decretarem, legitimamente, por autoridade própria, a quebra do sigilo bancário, do sigilo fiscal e/ou do sigilo telefônico, relativamente a pessoas por elas investigadas”, as CPIs “devem demonstrar, a partir de meros indícios, a existência de concreta causa provável que legitime a medida excepcional (ruptura da esfera da intimidade de quem se acha sob investigação)”. Ressaltou ainda que “os direitos e garantias fundamentais, a todos assegurados e que têm de ser respeitados nos termos constitucionalmente estabelecidos, não são biombos impeditivos da atuação legítima e necessária do poder estatal, no desempenho de suas atividades legítimas, necessárias e exercidas nos limites juridicamente definidos”.

Em seguida, citou textualmente a desonrosa e destemperada justificativa apresentada pelo requerente, o senador petista Humberto Costa (a qual já respondi detalhadamente na coluna do dia 23 de agosto): “(...) A disseminação massiva de conteúdos favoráveis ao chamado tratamento precoce e contrários às medidas de distanciamento social e à vacinação pode ter contribuído sobremaneira para agravar a pandemia e a mortalidade derivada da pandemia no Brasil. Faz-se urgente e necessário, portanto, analisar o Relatório de Inteligência Financeira – RIF do Sr. Flávio Gordon, de modo que a responsabilidade por milhares de mortes evitáveis seja devidamente apurada por esta Comissão Parlamentar de Inquérito. Para tanto, é fundamental que a CPI siga o caminho do dinheiro, analisando se a disseminação de desinformação foi financiada e por quem foi financiada, se houve a participação de agentes públicos ou envolvimento de dinheiro público, de modo que a medida ora proposta é necessária para o bom andamento dos trabalhos desta CPI. O Relatório de Inteligência Financeira – RIF elaborado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Coaf se revela instrumento adequado para identificar movimentações atípicas da pessoa física em tela. Caso o resultado das análises indique a existência de fundados indícios de ilegalidades, esta CPI poderá avançar na quebra dos sigilos bancários e fiscais da pessoa física investigada”.

Em vez de um inquérito propriamente dito, a CPI transformou-se, em conluio com uma imprensa parcial e desonesta, numa máquina de assassinato da reputação de quem quer que os seus comandantes tenham por desafetos políticos

Em referência à justificativa da CPI, afirmou a ministra, em palavras já mais que acusatórias, condenatórias: “Pelos elementos acima apresentados, tem-se motivação idônea, a dizer, com indicação da necessária ‘causa concreta provável’ a validar a deliberação parlamentar pela transferência das informações sigilosas do impetrante... Apura-se a participação do impetrante na disseminação de notícias falsas, conduta gravíssima, mais ainda em período pandêmico, no qual a vida das pessoas depende de informações corretas e que se conjuga com o objeto da Comissão Parlamentar de Inquérito”.

Ao acatar a justificativa constante no requerimento, talvez por partilhar da orientação política e das opiniões pessoais dos requerentes, a ministra Cármen Lúcia chancela as acusações falsas, não provadas, que me foram dirigidas, inclusive a mais injusta e aviltante de todas, que atribui a mim, um colunista de opinião sem qualquer poder de ditar políticas públicas, uma putativa “responsabilidade por milhares de mortes evitáveis”. Essa, sim, me parece uma conduta gravíssima em se tratando de uma representante do Judiciário, que, destarte, autoriza a mobilização do aparato estatal contra um indivíduo presumivelmente inocente, sem que prova alguma de crime tenha sido apresentada, exceto suas opiniões particulares manifestas em três postagens nas redes sociais, e que, num Estado de Direito, jamais poderiam ser criminalizadas, por mais criativa que seja a hermenêutica adotada para tanto.

Diante de decisões como essa, não surpreende que, como mostrou uma pesquisa do instituto Paraná Pesquisas, quase 60% dos brasileiros acreditem que o STF decide de maneira política, e não técnica. Decerto, não pode haver maior ataque à credibilidade da instituição do que o comportamento militante e parcial de alguns de seus ministros. Como afirmou recentemente Francisco Rezek, ministro aposentado do Supremo e juiz da Corte Internacional de Justiça da ONU: “Uma das principais queixas dos advogados a respeito da Justiça brasileira, mas especialmente do STF, neste momento, é a de que há um excesso de autoridade convivendo com a escassez de leitura”. Rogo aos leitores deste texto, em especial aos versados em direito, que confiram o requerimento e a minha resposta, para, em seguida, formar a sua própria opinião sobre a decisão da ministra.

Ora, a CPI não se interessou em apurar a “responsabilidade por milhares de mortes evitáveis” para o caso de prefeitos e governadores corruptos, que, por meio de contratos fraudulentos, se aproveitaram da situação emergencial da pandemia para desviar dinheiro destinado à construção de hospitais de campanha, compra de respiradores, insumos hospitalares, testes etc. Nem, tampouco, para o caso de autoridades que defenderam a catastrófica política do “só procure um hospital em caso de falta de ar” – o tipo de política que, ela sim, foi responsável por mortes desnecessárias, e que, segundo uma declaração assinada por mais de 10 mil médicos mundo afora, pode muito bem constituir “um crime contra a humanidade”. Mas não se vexou de atribuí-la a mim, única e exclusivamente por causa das opiniões que expresso.

Note-se que todas as acusações que a mim dirigem são invariavelmente expressas sob forma de frases feitas pretensamente autoevidentes, reforçadas pelos estigmas (“blogueiro bolsonarista”, “terraplanista”, “negacionista” etc.) que a parcela mais estridente da imprensa reproduz sem cessar, a fim de criar a imagem de cidadãos de segunda classe, previamente culpados e merecedores de toda acusação, para os quais as garantias constitucionais normais devem deixar de valer. Quanto aos acusadores, dizem genericamente que dissemino “notícias falsas”, mas não especificam qual notícia falsa disseminei, nem, muito menos, demonstram a sua falsidade. Afirmam sem corar que atento contra a ciência, mas não explicam como, nem submetem ao escrutínio público o seu rudimentar conceito de ciência. Acusam-me de integrar uma rede – “estruturada ou não”, fazem questão de acrescentar, para garantir maliciosamente a abrangência ilimitada da acusação – para a prática de “desinformação”, mas não provam a desinformação praticada, e não mostram indício qualquer do pertencimento à tal rede, a não ser que o fato de ter opiniões similares a de outras pessoas, bem como de compartilhá-las, sirva como prova, caso em que os meus acusadores também seriam integrantes de suas próprias redes de opinião.

O fato é que os detratores não aceitam jamais debater o mérito de opiniões específicas, e colocarem-se em posição de explicar racionalmente as suas acusações, rebatendo meus argumentos e as fontes nos quais se baseiam. Ao contrário, valem-se abusivamente de sua posição de poder para neutralizar e objetificar o acusado, projetando nele tudo aquilo que desejam, sem que a ele nunca seja concedida voz própria, direito à defesa e à autorrepresentação. Parecem convictos de que o acusado, visto como adversário político, deverá ser aquilo que quiserem que seja, uma tela vazia sobre a qual se esmeram em pintar um retrato o mais assustador e monstruoso possível. Note-se que, em todo esse processo, a relação com quem tem opinião contrária jamais é de intersubjetividade, mas de sujeição e objetificação. Para falar como o filósofo Martim Buber, trata-se sempre de uma relação Eu-Isso, nunca de uma relação Eu-Tu.

Cármen Lúcia chancela as acusações falsas, não provadas, que me foram dirigidas, inclusive a mais injusta e aviltante de todas, que atribui a mim, um mero colunista de opinião, uma putativa “responsabilidade por milhares de mortes evitáveis”

A referida CPI cansou de dar provas de seu caráter afrontoso e injurioso, nos muitos episódios em que os depoentes não alinhados à narrativa pré-fabricada, fossem convocados ou convidados, não podiam sequer responder ao que lhes fora perguntado, e, quando o faziam, eram solenemente ignorados, como se não houvessem respondido. E também constantemente lembrados, de maneira grosseira, que o seu papel ali era apenas figurativo ou, pior ainda, o de bode expiatório, responsável – como na velha mitologia sacrificial pagã, tão bem esmiuçada por René Girard – por trazer a peste. Sobre esses bodes expiatórios, os senadores de oposição, sempre com ajuda da mídia cativa, descarregaram toda sorte de esconjuros e imprecações.

Para quem, como eu, é alvo de um tal processo kafkiano, o mais angustiante não é nem a acusação falaciosa em si, mas o fato de, nesse embate desigual, não poder jamais ocupar a posição de sujeito e responder diretamente às autoridades acusadoras, que fazem o que fazem justamente respaldados por essa impossibilidade. Gostaria, por exemplo, de dirigir à ministra Cármen Lúcia perguntas como estas:

Onde exatamente, no requerimento, V. Exa. enxergou indícios de que incorri em “conduta gravíssima”?
Quais foram as “notícias falsas” que disseminei, e por que são falsas?
O que V. Exa. entende por ciência, e por que eu teria atentado contra ela?
V. Exa. afirmou que, no contexto da pandemia, a vida das pessoas depende de “informações corretas”, mas por que lhe compraz atender os comandantes da CPI no direito de ter a palavra final sobre a correção ou incorreção de uma informação, e mais ainda de uma opinião?
Terá V. Exa. levado demasiado a sério a sugestão de um de seus pares, segundo quem os representantes do Judiciário devem agir como “editores de um país inteiro”?
Por que devo crer no seu juízo antes que, por exemplo, no dos médicos e infectologistas que se dispuseram a comparecer na CPI para apresentar dados concorrentes, tendo sido ostensivamente ignorados, quando o relator e vários outros senadores – inclusive o signatário do requerimento para a quebra do meu sigilo – se retiraram do recinto?
O que há de científico nessa postura, que, se universalmente adotada no passado, teria simplesmente inviabilizado o progresso da ciência, quem sabe até ostracizando um Albert Einstein como negacionista da gravidade newtoniana? “O senhor sabe dizer a diferença entre espaço e tempo?” – talvez perguntasse ao físico alemão algum furibundo senador.

Desde o início, as minhas opiniões sobre a pandemia giraram em torno de quatro eixos principais:

1. A hipótese de o vírus ter vazado de um laboratório era consistente, e, ao contrário do que afirmava categoricamente a grande mídia, nunca foi mera “teoria da conspiração”.

2. É falsa a afirmação de que os medicamentos usados no tratamento inicial da Covid-19 são “comprovadamente ineficazes”. Há, sim, vários estudos sugerindo a sua eficácia, e muitos médicos atestando-a na prática clínica. A autonomia médica deve ser assegurada.

3. As vacinas são, sim, experimentais, desenvolvidas em prazo recorde, a título de emergência. Nesse caso, a sua obrigatoriedade, sobretudo para crianças e adolescentes, é inaceitável.

4. Os lockdowns, tal como implementados indiscriminadamente em várias cidades brasileiras, não tiveram nada de científicos. Além de ineficientes, violaram direitos individuais fundamentais e arrasaram a economia, gerando desemprego, miséria e fome.

Terá Cármen Lúcia levado demasiado a sério a sugestão de um de seus pares, segundo quem os representantes do Judiciário devem agir como “editores de um país inteiro”?

Sobre o primeiro ponto, gostaria de lembrar que também essa opinião foi, durante muito tempo, estigmatizada como fake news e teoria da conspiração. Depois, graças ao esforço e à resiliência de internautas e investigadores amadores, que fizeram o trabalho que a imprensa dita profissional se recusou a fazer, a teoria passou a ser seriamente considerada por eminentes cientistas, tornando-se objeto de uma investigação no Congresso americano, e chegando, finalmente, aos grandes veículos de comunicação. Mas não duvido que, caso essa minha opinião restasse minoritária e marginalizada por mais tempo, talvez eu tivesse sido incluído no rol de investigados de um inquérito anômalo qualquer, tendo o meu sigilo fiscal quebrado por “atentar contra a ciência”.

Sobre o ponto 2, remeto os leitores a esse meu artigo sobre o tema, bem como a esse outro, em que menciono a Declaração dos Médicos, assinada por mais de 10 mil médicos e cientistas de todo o mundo, decididos a “confrontar os donos do poder com verdades sobre a pesquisa e o tratamento da doença” e “resgatar e sustentar a dignidade, a integridade, a arte e a ciência da medicina”. Pergunto: em que artigo, de qual lei brasileira, está tipificado o crime de ter essa opinião em particular?

Sobre o ponto 3, lembro que tratados internacionais de direitos humanos – a exemplo do Código de Nuremberg, de 1947, e da Declaração de Helsinque, de 1964 – respaldam a minha opinião contra a obrigatoriedade da vacina experimental, opinião que coincide com a da OMS, até outro dia tida por autoridade máxima no assunto pandemia. Pergunto novamente: em que artigo, de qual lei brasileira, está tipificado o crime de se manifestar contrariamente à vacinação obrigatória?

Quer tenha sido feita por um senador da República, quer por uma ministra do Supremo, a acusação contra mim continuará sendo falsa, pois poder terreno algum pode transformar uma mentira em verdade

Sobre o quarto ponto, a minha opinião também coincide com a de representantes da OMS. Daí que insista na pergunta: que artigo, de qual lei brasileira, tipifica como crime o cidadão pagador de impostos se posicionar contra uma política pública que o afeta diretamente, bem como todos ao seu redor?

A resposta é simples: não há essa tipificação. Não existe crime de opinião num país que se afirma democrático. É inequívoco o sentido do inciso IV do artigo 5.º da nossa Constituição Federal: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Portanto, não aceito a acusação de que minhas opiniões “atentam contra a ciência, a saúde pública e a vida”. Essa é uma opinião subjetiva dos comandantes da CPI e, por acatamento, da ministra Cármen Lúcia. É, sobretudo, uma imputação absurda, irresponsável e altamente injuriosa, que não foi provada, e nem poderia sê-lo. Quer tenha sido feita por um senador da República (cargo público não raro brandido como uma espécie de título nobiliárquico), quer por uma ministra do Supremo, a acusação continuará sendo falsa, pois poder terreno algum pode transformar uma mentira em verdade. E, como diz o provérbio latino, a verdade é filha do tempo – não do Senado, não do STF, não da imprensa militante.

Pelo que se vê do presente comportamento de Cármen Lúcia, parece que “cala-boca já morreu” só vale para si própria, seus aliados políticos e companheiros de ideologia

Por fim, lamento especialmente que a chancela a um tal abuso de autoridade tenha vindo logo da ministra Cármen Lúcia, que, não faz muito tempo, foi aclamada por ter dito, em referência à liberdade de expressão, que “o cala-boca já morreu”. Pelo que se vê do presente comportamento da magistrada, parece que a fórmula só vale para si própria, seus aliados políticos e companheiros de ideologia. Para os demais cidadãos, sobretudo os que ela despreza por motivos de divergência politico-ideológica, o cala-boca vive e passa bem.

Contando agora com o respaldo da representante da nossa suprema corte, os meus acusadores hão de seguir, então, o tal “caminho do dinheiro”, a fim de verificar se “a disseminação de desinformação foi financiada e por quem foi financiada, se houve a participação de agentes públicos ou envolvimento de dinheiro público”. Mas, ao cabo desse processo despiciente, constatando que não recebi dinheiro público algum, que minhas opiniões não estão à venda, e o quão infundada foi a acusação contra mim dirigida, que outro caminho seguirão os acusadores? Espera-se que o caminho da dignidade, da justiça e, quiçá, o do arrependimento. Afinal de contas, se, como ensina a literatura clássica, até mesmo os reis, os imperadores e os sacerdotes mais possuídos pela húbris do poder político foram, por vezes, agraciados com o dom temperante do remorso, por que não também os nossos servidores públicos, apenas momentaneamente confusos quanto ao papel que lhes cabe desempenhar numa República democrática moderna?

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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