Ficamos sabendo, nos últimos dias, que Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, fechou com Carlos Baigorri, presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), um “acordo de cooperação técnica” que pretende acelerar o bloqueio de sites que o tribunal parcial e ultrapolitizado defina arbitrariamente como “desinformação” e “fake news”, principalmente durante o período eleitoral. Trata-se de mais uma etapa avançada no caminho da censura política total imposta pela extrema esquerda brasileira, por meio das instituições de Estado por ela aparelhadas, contra os dissidentes e opositores do regime. Aprimorando-se o que se iniciara em 2022 – quando os políticos de toga censuraram informações verdadeiras, mas inconvenientes ao candidato que queriam ver triunfar –, agora a censura será feita de maneira sumária, sem a necessidade de oficiais de Justiça, e obviamente sem que os censurados (todos pertencentes a um mesmo lado do espectro político, o lado oposto ao dos magistrados militantes) tenham chance de se defender ou contra-argumentar.
Que a atuação do tribunal consiste em censura e perseguição a opositores políticos já está bastante óbvio, uma vez que, tendo tomado o poder e solapado definitivamente o Estado de Direito, os seus integrantes já nem sequer sentem necessidade de esconder a sua parcialidade, como quando afirmam ter “derrotado o bolsonarismo”, ou confessam o seu propósito político (obviamente, por lei, incompatível com a atuação de um magistrado) de “combater o avanço do populismo de extrema direita”. O tópos do combate às “fake news” (essa entidade fantasmagórica e propositadamente indefinida) entra aí, obviamente, como um pretexto bem chinfrim, o qual, se talvez ainda engane pseudojornalistas amasiados dos militantes de toga, não convence mais ninguém fora desse ambiente. O real objetivo é esse: derrotar – de forma não democrática, ilegítima e inconstitucional – o que esses pretensos magistrados definem como “extrema direita”, um rótulo obviamente político, não jurídico.
Pelo menos desde 2018, a elite burocrata e tecnocrata brasileira identificou claramente o problema: temos democracia demais, e a internet, tendo tornado o debate político demasiado plural e incontrolável, possibilitou resultados político-eleitorais que não estavam previstos no esquematismo da Nova República, com sua democracia teatral, e sua oposição controlada entre socialistas e social-democratas, os vitoriosos na “luta contra a ditadura”. Foi precisamente essa ameaça política representada pelas redes que, por exemplo, Alexandre de Moraes vocalizou ao dizer que “a internet deu voz aos imbecis”. O problema é que, longe de uma idiossincrasia tragicômica de mais uma ditadura de república de bananas tão típica na América Latina, a fala apenas manifestava em escala nacional um fenômeno que é de ordem global, e que, recorrendo ao título da obra clássica do historiador norte-americano Christopher Lasch, poderíamos caracterizar como uma “revolta das elites”.
Agora a censura será feita de maneira sumária, sem a necessidade de oficiais de Justiça, e obviamente sem que os censurados (todos pertencentes a um mesmo lado do espectro político) tenham chance de se defender ou contra-argumentar
O motivo de irritação de Moraes e seus colegas tecnocratas mundo afora é que a internet possibilitou que a hegemonia “progressista” sobre a opinião pública – “o conjunto de opiniões que podemos manifestar em público sem medo do isolamento social”, como a definiu Elisabeth Noelle-Neumann – fosse rompida, abrindo ao cidadão comum, majoritariamente conservador e avesso à agenda cultural revolucionária das elites, uma via de acesso imediato a informações antes bloqueadas pelo gatekeeping midiático, bem como a opiniões próximas às suas, que agora tinham um canal por onde fluir.
A partir de 2016 – o ano que não terminou –, o efeito político desse processo de descentralização da informação e democratização do debate público se fez sentir. Ignorando a agressiva campanha orquestrada pelas elites e seus órgãos de propaganda (a maioria dos veículos da chamada grande imprensa), os “imbecis” britânicos decidiram pelo Brexit, assim como, apenas meses depois, os “imbecis” americanos decidiriam por Donald Trump. Tratava-se de duas decisões soberanas inesperadas, que contrariavam todas as previsões e escandalizavam os aristocratas da opinião pública, até então acostumados a impor suas vontades políticas sem muita dificuldade. O mesmo ocorreria no Brasil dois anos depois, quando os “imbecis” brasileiros – dos quais Moraes, Luís Roberto Barroso e demais camaradas continuam querendo se vingar – escolheram Jair Bolsonaro para a Presidência. Diante esses resultados intoleráveis, a reação das elites derrotadas e perplexas foi imediata. Como escrevi anteriormente:
“Primeiro, ressentiram-se da democracia, um modelo decisório demasiado inconstante e imprevisível. Depois, maldisseram a internet livre, o próprio meio que permitira essa democratização da opinião pública, abrindo os portais da civilização digital para uma horda de bárbaros oriundos de ‘guetos pré-iluministas’, uma gente que, com seus hábitos arcaicos e seu espírito indomável, não demonstrou qualquer cerimônia em adentrar o ambiente e perturbar a paz perpétua em Iluminópolis, a cidade dos iluminados, ora tomada pelos visigodos virtuais. Teve início, então, a busca por pretextos pseudo-humanitários (combate às ‘fake news’, à ‘desinformação’, ao ‘discurso de ódio’ etc.) que pudessem conferir uma aparência de dignidade e interesse público àquilo que não passava de uma defesa mesquinha e reacionária do status quo.”
Dois documentos de intelectuais orgânicos da elite tecnocrata – ambos publicados justamente em 2016 – ilustram bem o sentimento de revolta das elites contra o excesso de democracia e liberdade de imprensa no mundo. O primeiro é o livro Contra a Democracia, do filósofo americano Jason Brennan. O segundo, um artigo intitulado “Chegou a hora de as elites se erguerem contra as massas ignorantes”, do jornalista James Traub, membro do Council of Foreign Relations (CFR), o mais importante think thank globalista do mundo.
Segundo Brennan, fenômenos como o Brexit e a eleição de Trump sinalizavam uma “crise da democracia global e dos sistemas de representação política”. Para solucionar a crise, o filósofo propunha que a democracia moribunda fosse substituída pela epistocracia, o governo “dos que sabem”. A opinião de Traub ia na mesma linha. Essa tese – que, em versão menos sofisticada e mais truculenta, é a mesma de tipos como Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes – tornou-se hegemônica entre as elites intelectuais e tecnocráticas do mundo.
A menos de três semanas das eleições presidenciais de 2020, por exemplo, o The New York Times publicou um artigo intitulado “A Primeira Emenda na era da desinformação”. A autora do ensaio, a escritora do Times e graduada em Direito pela Yale Law School Emily Bazelon, argumentava que os Estados Unidos estavam “no meio de uma crise de informação causada pela disseminação da desinformação viral”, que a autora comparava aos efeitos “catastróficos” na saúde causados pelo novo coronavírus. E citava uma fórmula contida em livro do filósofo de Yale Jason Stanley e do linguista David Beaver: “A liberdade de expressão ameaça a democracia tanto quanto também a promove”.
Após o Brexit e a eleição de Trump, o filósofo Jason Brennan propôs que a democracia moribunda fosse substituída pela epistocracia, o governo “dos que sabem”
A conclusão era óbvia: o problema da desinformação também é um problema da democracia em si, especificamente de seu excesso. Para salvar a democracia liberal – ou, para ser mais preciso, para enterrá-la de vez –, os especialistas (ou epistocratas, na expressão de Jason Brennan) receitaram duas etapas críticas: os Estados Unidos deveriam se tornar menos livres, e menos democráticos. Essa evolução necessária significará silenciar as vozes de certos agitadores na multidão on-line, cujo privilégio de falar livremente já não podia ser tolerado. Isso exigiria dos americanos obedecer cegamente aos comandos dos experts em desinformação e superar o apego paroquial à Declaração de Direitos, em especial à célebre Primeira Emenda. “A liberdade de expressão preocupa especialistas” – como se lê na manchete de um veículo brasileiro membro do consórcio global pela censura.
Embora essa visão possa ser chocante para pessoas ainda apegadas à herança americana da liberdade e do autogoverno, o fato é que ela se tornou a política oficial do partido governante nos EUA, bem como de grande parte da intelligentsia americana e ocidental. O ex-secretário do Trabalho de Bill Clinton, Robert Reich, respondeu à notícia de que Elon Musk planejava comprar o Twitter, declarando que preservar a liberdade de expressão on-line era “o sonho de Musk. E de Trump. E de Putin. E de todo ditador... Para o resto de nós, seria um novo e corajoso pesadelo”. Segundo Reich, a censura era “necessária para proteger a democracia americana”. Trata-se da mesma desculpa da censura como meio de “proteger a democracia” ou qualquer outro pretexto que se queira inventar (o nosso atual ministro da Justiça, e talvez futuro ministro comunista do STF, já chegou até a usar os ataques em escolas como desculpa para censurar a internet).
Para uma classe dominante já farta das demandas por democracia e por liberdade de expressão, o grande hoax do “combate à desinformação” – que uniu governos, comunidades de inteligência e o setor privado – forneceu um quadro regulatório para substituir a Constituição dos EUA e as legislações nacionais. É neste contexto global cada vez menos livre que a presente ditadura brasileira se insere, tornando ainda mais difícil a missão dos que lhe pretendem oferecer resistência. A democracia e a liberdade estão fora de moda. Quer seja na China, em Cuba, na Venezuela, no Canadá, no Reino Unido, nos EUA, ou no Brasil, os totalitários estão no poder em toda parte.
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