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Flavio Gordon

Flavio Gordon

Sua arma contra a corrupção da inteligência. Coluna atualizada às quartas-feiras

Liberdade de expressão

Um censor é um censor é um censor

Alexandre de Moraes, presidente do TSE, e Cármen Lúcia, também ministra da corte eleitoral, votaram a favor de censura. (Foto: Alejandro Zambrana/TSE)

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“A liberdade não é uma recompensa nem uma condecoração que se festeja com champanhe … Ah, não! É uma corrida de longa distância, bastante solitária e muito desgastante.” (Albert Camus)

“Uma rosa é uma rosa é uma rosa” – versou celebremente Gertrude Stein. Embora mais talentosa para organizar convescotes de intelectuais e artistas do que palavras numa oração, a modernista americana foi até bem nesse versinho. Assim também, inspirado por Gertrude, digo que um censor é um censor é um censor. Por mais elaborado seja o seu disfarce, e mais grandiloquentes os seus pretextos, censor é quem censura comete.

Quem comete censura é, pois, um censor, e como tal deve ser tratado. Uma sociedade sadia não aplaude censores. Execra-os. Nos casos em que o execrável tenha meios de se impor pela força, às vezes, lamentavelmente, será preciso acatar-lhe as ordens. Mas apenas como quem acata as ordens de um assaltante que, no sinal de trânsito, aponta-nos a pistola e exige-nos a carteira, o celular e as chaves do carro.

Portanto, obedeça ao censor, se for o caso. Mas jamais, jamais, jamais o respeite. Nunca permita que o seu narcisismo patológico corrompa a opinião pública, impondo-nos, ademais da censura, uma autoimagem de benfeitor da humanidade. Mais vale morrer que respeitar um censor. Ele pode até sentir-se um democrata, como tantos outros sentem pertencer ao sexo oposto ao do nascimento. Mas ocorre no terreno da taxonomia sociopolítica o mesmo que na seara do gênero: inobstante o seu sentimento subjetivo, um transdemocrata é, objetivamente, um censor.

Uma sociedade sadia não aplaude censores. Execra-os. Nos casos em que o execrável tenha meios de se impor pela força, às vezes, lamentavelmente, será preciso acatar-lhe as ordens. Mas apenas como quem acata as ordens de um assaltante que nos aponta sua pistola

Pois no Brasil de 2022 há um bando de lobos em pele de cordeiro ou roupas de vovozinha. São censores fantasiados de guardiões da democracia e da civilidade. A cauda, todavia, insiste em aparecer por sob a fantasia. Vejam, por exemplo, a desfaçatez do nosso tribunal eleitoral. Há dois dias, a corte publicou em sua conta no YouTube um vídeo que pretendia rebater o “boato” segundo o qual o grupo Jovem Pan teria sido censurado por ordem do TSE. Segundo o vídeo, o tribunal teria apenas aplicando a lei eleitoral e concedido, de maneira isonômica, direito de resposta à Coligação Brasil de Esperança, que apoia o candidato socialista Luiz Inácio Lula da Silva.

Trata-se de mais uma das muitas mentiras contadas por um tribunal que, ironicamente, não se vexa de atribuir a si mesmo o papel de ministério da verdade. Na decisão majoritária tomada em plenário virtual no dia 18 de outubro, com votos de Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Benedito Gonçalves, o TSE decidiu acatar o recurso impetrado pela campanha lulopetista contra a Jovem Pan. E o fez nos seguintes termos:

“O Tribunal, por maioria, deu provimento ao Recurso para: a) determinar que os Representados se abstenham de promover novas inserções e manifestações sobre os fatos tratados nas Representações apresentadas e detalhados no voto condutor do acórdão, tanto na emissora de rádio Jovem Pan como no sítio eletrônico da representada na internet e no seu canal do YouTube, sob pena de multa de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), por reiteração ou manutenção da conduta nos citados meios de comunicação; b) conceder o direito de resposta à Representante para que a resposta seja dada em até 02 (dois) dias, mediante emprego de mesmo impulsionamento de conteúdo eventualmente contratado, em mesmo veículo, espaço, local, horário, página eletrônica, tamanho, caracteres e outros elementos de realce utilizados na ofensa...”

Note-se que a questão do direito de resposta é objeto apenas do item b da decisão. O texto do item a, por outro lado, é inequívoco quanto à imposição da censura (“que os representados se abstenham...”) sob pena de multa. O vídeo enganoso divulgado pelo tribunal omite o elemento mais importante do despacho: a determinação para que os comentaristas da Jovem Pan não falem sobre verdades inconvenientes ao candidato aparentemente preferido pela corte. Portanto, dizer que o TSE censurou a Jovem Pan é fato, não boato. Bem como dizer que são censores os ministros autores da decisão. Censor é quem censura comete.

Diante da precária tentativa do tribunal de esconder a própria cauda, as orelhas grandes, o focinho pontudo e a bocarra ameaçadora, o jornalista Augusto Nunes decidiu fazer uma experiência. Na segunda-feira, dia 24, em participação no programa Pingos nos Is, disse Nunes: “Autorizado pelo TSE, então, eu digo que o Lula é ladrão, amigo de ditadores, ex-presidiário e descondenado”. Dito e feito. No dia seguinte, com a espada do tribunal pendente sobre a própria cabeça, a Jovem Pan decidiu afastar o comentarista até o fim do período eleitoral. Assim é que Augusto Nunes – um dos jornalistas mais experientes e respeitados do país – foi se juntar à companhia de outros colegas já proscritos pelo “crime” de não serem antibolsonaristas, colegas como Cristina Graeml e Zoe Martínez.

No Brasil de 2022 há um bando de lobos em pele de cordeiro ou roupas de vovozinha. São censores fantasiados de guardiões da democracia e da civilidade. A cauda, todavia, insiste em aparecer por sob a fantasia

Portanto, são vãs as poses de bom moço e inúteis os distópicos eufemismos criados (“desordem informacional”, “arco de experimentação regulatória” etc.) para mascarar a pulsão totalitária. A incompatibilidade essencial entre a defesa da censura e a defesa da liberdade revela-se tanto mais no voto esquizofrênico e bifronte da ministra Cármen Lúcia, que, no ato mesmo de censurar (apenas em situações “excepcionalíssimas”, claro está), saiu-se com a pérola: “Não se pode permitir a volta de censura sob qualquer argumento no Brasil”. Disse isso e, ato contínuo, foi lá e autorizou a censura.

Censor é quem censura pratica. Lamento, pois, ministra e excelentíssima censora Cármen Lúcia, mas não colou. Cala-boca já morreu, mas – ao menos para quem a senhora vê como adversário político – passa bem. Dizia Gertrude Stein: uma rosa é uma rosa é uma rosa. Digo eu: um censor é um censor é um censor.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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