Quando, em 1941, o escritor judeu austríaco Stefan Zweig publicou o seu famoso Brasil, país do futuro, era fácil entender suas razões. Angustiado e deprimido com o crescente poder do regime nazista e da ideologia antissemita por toda a Europa – um fato que vinha observando desde o fim da Primeira Guerra Mundial –, ele deve ter sentido um grande alívio quando, fugindo do longo inverno desses anos europeus, acabou em uma espécie de paraíso tropical de cordialidade e miscigenação. De sua perspectiva na época, a sociedade brasileira se apresentava como um vasto mar de possibilidades. No entanto, independentemente das esperanças subjetivas que o novo país brilhante e ensolarado lhe havia infundido, o fato objetivamente conhecido é que Zweig cometeu suicídio apenas um ano após a publicação do livro. Em 22 de fevereiro de 1942, na cidade serrana de Petrópolis (RJ), uma overdose de barbitúricos interrompeu o futuro do inventor do “Brasil, país do futuro”. Isso deve ter algum significado!
Desde que o livro de Zweig veio à luz, a ideia do Brasil como o país do futuro começou a ser manipulada por razões políticas e oficiais (embora o autor estivesse originalmente se referindo a algumas características positivas do povo brasileiro, e não do governo brasileiro). A ideia foi onipresente, por exemplo, durante o processo de industrialização nos anos de JK. O mesmo poderia ser dito do chamado “milagre econômico brasileiro”, durante o regime militar, quando, apesar de toda a agitação política, o crescimento econômico foi significativo. Em resumo, o que era inicialmente um autêntico elogio feito por um estrangeiro surpreso tornou-se subitamente um lema patrioteiro com pelo menos duas implicações não tão lisonjeiras: primeiro, o uso de um conceito antiquado de progresso unilinear e homogêneo, como se todos os povos do mundo devessem atingir o mesmo pico; segundo, o foco exclusivo no aspecto econômico do chamado “crescimento”, como se esse fator sozinho pudesse garantir um país decente. A ideia utópica de um futuro previamente conhecido impede qualquer consideração realista dos problemas concretos do presente. E uma abordagem mais realista talvez indicasse que o Brasil é, de fato, o país do agora... assim como qualquer outro.
O suicídio político e biográfico de Sergio Moro ontem tem um quê de tragicômico, e simboliza perfeitamente o teatro farsesco que tem caracterizado a vida política brasileira desde, ao menos, o surgimento da assim chamada Nova República
E, como vimos no episódio de ontem da aprovação do comunista Flávio Dino para o STF, o agora brasileiro não é lá muito alvissareiro. Que dirá o futuro... Se o suicídio real de Zweig pareceu carregar um simbolismo dramático e de mau agouro para o país, o suicídio político e biográfico de Sergio Moro ontem tem um quê de tragicômico, e simboliza perfeitamente o teatro farsesco que tem caracterizado a vida política brasileira desde, ao menos, o surgimento da assim chamada Nova República. Sergio Moro, o homem que prendeu poderosos como o atual mandatário, e foi durante muito tempo aclamado como herói nacional, foi flagrado de abraços e risinhos amarelos com Flávio Dino, o qual, dentre outras missões a cumprir dentro do tribunal companheiro, deve ter a cassação e a prisão de Moro como uma das mais essenciais. “Não está tudo bem. Só vai estar bem quando eu foder esse Moro” – disse, afinal, o sujeito vingativo que nomeou Dino.
Diante do quadro de perseguição e vingança que tem caracterizado o novo regime lulopetista desde os primeiros dias, os gestos de “cordialidade” – que, possivelmente, incluíram o voto favorável à aprovação do comunista – parecem soar incompreensíveis. Muitos, como meu amigo Paulo Polzonoff, acreditam que Moro não entendeu nada da história brasileira recente e do seu próprio papel nessa história. E, de fato, parece haver muito de provincianismo existencial, incultura política e ignorância histórica na ridícula tentativa de apaziguar comunistas com sede de vingança.
Mas, diferentemente do Polzonoff, acho que pelo menos uma coisa o Moro entendeu bem rapidinho, desde que virou político. Como revelaram as mensagens por ele trocadas com um tal de “Mestrão” durante a sabatina de Dino, Moro entendeu que, no teatro de Brasília, a opinião pública e a vontade de seu eleitorado não valem nada diante da possibilidade de conquistar a boa vontade dos donos do poder. Eis a maldição de Brasília, à qual nem mesmo um sujeito popular como Bolsonaro foi capaz de resistir – como quando, depois de demonstrar altivez e inflamar as esperanças de seus apoiadores na Avenida Paulista em 7 de setembro de 2021, decidiu por um acordo costurado por cima, consultando Michel Temer para redigir a famigerada cartinha de apaziguamento com os seus inimigos. Cedendo a esse maldito canto de sereias gordas, o que Moro parece não ter compreendido especificamente é que, se isso pode funcionar de maneira genérica na picaretagem política centrista de Brasília, povoada de aves de rapina dispostas a pôr uma pedra sobre o assunto em troca de afagos, isso jamais funciona com comunistas e revolucionários, os quais jamais põem uma pedra sobre o assunto, mas apenas sobre o adversário. Portanto, antes de escutar Valdemares, Mourões, Mestrões e outros sábios do pragmatismo, Moro deveria ter assimilado a lição de uma das famosas fábulas de Esopo, O lobo e a cegonha.
Diz a história que, certa vez, um lobo devorou tão apressadamente a sua presa, e com tamanho apetite, que acabou com um osso entalado na garganta. Cheio de dor, o lobo começou a correr de um lado para outro soltando uivos, e ofereceu uma bela recompensa para quem tirasse o osso de sua garganta. Com pena do lobo e com vontade de ganhar o dinheiro, uma cegonha resolveu enfrentar o perigo. Depois de tirar o osso, quis saber onde estava a recompensa que o lobo tinha prometido. “Recompensa?” – berrou o lobo. “Mas que cegonha exigente! Que recompensa, que nada! Você enfiou a cabeça na minha boca e, em vez de arrancar sua cabeça com uma dentada, deixei que você a tirasse lá de dentro sem um arranhão. Você não acha que tem muita sorte, seu bicho insolente? Dê o fora e se cuide para nunca mais chegar perto de minhas garras!”.
Moral da história: não espere gratidão ao demonstrar caridade para com um inimigo. Troque-se cegonha por marreco, e lobo por dinossauro, e teremos um retrato do que se passou ontem no Senado Federal. O problema é que, em vez de se meter sozinha na bocarra da fera, a desgraçada ave levou consigo um país inteiro.
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