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Flávio Gordon

Flávio Gordon

Sua arma contra a corrupção da inteligência. Coluna atualizada às quartas-feiras

Debate enviesado

George Soros, Elon Musk e o antissemitismo

O bilionário George Soros tem financiado várias entidades críticas ao Estado de Israel. (Foto: EFE/Alejandro García)

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“Os defensores de Soros tentam calar toda crítica ao bilionário tachando-a de antissemita, pelo fato de Soros ser judeu. Mas ninguém financiou mais ataques destrutivos a Israel e à comunidade judaica americana do que Soros. Ele é, no máximo, um judeu auto-odioso, e não deve ser poupado de crítica por conta de sua ancestralidade.” (Farley Weiss, presidente da Israel Heritage Foundation)

Em 15 de maio deste ano, Elon Musk comparou George Soros ao personagem Magneto, vilão da Marvel. Em resposta, um seguidor lhe recordou a origem de ambos – judeus sobreviventes do Holocausto –, e disse não entender os ataques a uma pessoa com tão boas intenções. Musk retrucou negando essas boas intenções, afirmando que Soros pretende “erodir a própria estrutura da civilização”, e que “odeia a humanidade”.

Musk já vinha criticando Soros de maneira contumaz, sobretudo por seu impulso niilista e irresponsável de patrocinar a política imigratória de “portas abertas”, que facilitou a entrada de ondas de extremistas islâmicos no Ocidente, e por sua agenda antinatalista ao redor do mundo. Meses depois de acusar o fundador da Open Society de odiar a humanidade, por exemplo, ele tuitou uma mensagem claramente antissorosiana e antiglobalista: “Ter filhos vai salvar o mundo”.

Apesar de jamais ter dito nada contra Israel ou contra os judeus, Elon Musk foi acusado de antissemitismo. E a acusação partiu, sobretudo, de jornalistas, intelectuais e políticos judeus, que parecem ter caído num truque frequente utilizado por Soros e seus propagandistas

Para quem tem acompanhado as críticas do dono do X – que as repetiu em entrevista ao podcaster Joe Rogan –, fica claro que sua associação entre Soros e Magneto buscou ressaltar o ódio à humanidade supostamente partilhado pelos personagens, e não a sua comum ascendência judaica. Ainda assim, apesar de jamais ter dito nada contra Israel ou contra os judeus, Musk foi acusado de antissemitismo. E a acusação partiu, sobretudo, de jornalistas, intelectuais e políticos judeus, que parecem ter caído num truque frequente utilizado por Soros e seu exército de propagandistas (voluntários ou não).

Um editorial do jornal israelense The Jerusalem Post é bem representativo da opinião de muitos judeus em relação ao caso. Intitulado “Desta vez, todo judeu está com George Soros”, o texto conclui que o suposto ataque de Musk deveria fazer “com que cada judeu, independentemente de sua orientação ideológica, defendesse Soros”. Na revista The Atlantic, Musk foi acusado pelo jornalista Yair Rosenberg de, ao tratar Soros como um vilão de história em quadrinhos, reproduzir uma velha teoria da conspiração antissemita, remetendo aos famigerados Protocolos dos Sábios de Sião, documento forjado que, no século 19, revelava um pretenso plano judaico de dominação global. Ted Deutch, diretor executivo do American Jewish Committee, chegou a chamar os comentários de Musk de “Os Protocolos dos Sábios de Sião na era da internet”. E até o ministro de Relações Exteriores de Israel, David Saranga, aderiu à tendência de acusar Musk de fomentar o antissemitismo.

Mas é justa a acusação? Seria Musk um antissemita, ainda que só tenha se referido à atuação de Soros enquanto indivíduo (um indivíduo, aliás, cujos planos de impor suas vontades políticas em nível global são bem documentados), jamais na qualidade de membro da comunidade judaica? E, por outra, seria Soros realmente um judeu-modelo, vítima paradigmática de um vetusto e atávico antissemitismo, como sugeriram esses opinadores?

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Como diz um clássico do humor judaico, ali onde houver dois judeus, haverá fatalmente três opiniões diferentes. E, de fato, alguns judeus não compraram a narrativa acima descrita. Alan Dershowitz foi um deles. No próprio The Jerusalem Post, o famoso advogado americano recusou-se a defender Soros e a aderir ao linchamento de Musk, observando um dado crucial da questão: o fato de Soros ser um virulento antissionista, que jamais demonstrou simpatia para com o Estado de Israel e amizade pelo povo judeu. Dershowitz argumenta que ninguém no planeta fez tanto mal a Israel quanto George Soros, sobretudo por haver financiado duas organizações que inclinaram decisivamente o campo progressista nos EUA contra Israel: a Human Rights Watch e a J. Street, que, com apoio da Open Society, passaram a ser comandadas por antissionistas radicais.

A lembrança de Dershowitz é oportuna. Em março de 2007, por exemplo, por ocasião da vitória eleitoral do Hamas em Gaza, Soros publicou no Financial Times um artigo intitulado “A América e Israel devem abrir as portas ao Hamas”. No texto, o filantropo acusava o erro do governo Bush ao apoiar Israel em sua recusa a reconhecer o Hamas como parte legítima no governo de Gaza. “Com forte apoio americano, Israel recusou-se a reconhecer o governo democraticamente eleito do Hamas” – escreveu. “Houvesse Israel aceitado o resultado eleitoral, isso poderia ter fortalecido a ala política mais moderada do grupo.”

Desde então, Soros tem sido um obsessivo crítico das políticas de Israel e dos EUA em relação ao terrorismo islâmico, bem como um patrocinador da imigração descontrolada. Quando, em 14 de agosto de 2016, houve o famoso episódio do “Soros Leaks” – o vazamento de milhares de documentos internos da Open Society Foundations –, ficamos sabendo mais detalhes desse contínuo financiamento de Soros a ONGs e movimentos antissionistas e pró-Palestina. Portanto, quando, após os terríveis atentados do dia 7 de outubro em Israel, testemunhamos a esquerda mundial condenando a vítima, minimizando a dimensão do crime e, em alguns casos, até mesmo glorificando a monstruosidade praticada pelo Hamas, devemos lembrar que parte dessa agenda é patrocinada por Soros.

George Soros, tido por vítima paradigmática do pretenso antissemitismo de Musk e outros críticos de seu projeto político global, simplesmente financiou uma entidade islâmica orgulhosa de “cerrar fileiras” com quem cometeu toda aquela selvageria

É o caso, por exemplo, do Black Lives Matter, cuja filial em Chicago chegou a postar no X a imagem de um paraquedista do Hamas, acompanhada dos dizeres “Eu apoio a Palestina”. E, mais grave ainda, é também o caso da Al-Shabaka, também conhecida como The Palestinian Policy Network, um think tank transnacional formalmente dedicado a fomentar o debate público sobre os direitos humanos na Palestina, mas que, de fato, é um agente de propaganda do islamonazismo. Tendo, na página 13 de seu relatório anual de 2022-2023, ostentado o apoio financeiro da Open Society (dentre outras organizações), a Al-Shabaka tuitou estas palavras no dia seguinte ao pogrom do dia 7 de outubro:

“A Al-Shabaka rejeita as fronteiras coloniais impostas pelo regime de Israel, que fragmentam e, em última instância, apagam a existência palestina. A violação dessas fronteiras serve para expandir o imaginário palestino rumo a possibilidades de resistência e libertação coletiva. Reconhecemos que a descolonização não é apenas uma metáfora; não se trata apenas de afirmações e análises, mas de um processo ativo que exige o desmantelamento do poder colonial e a demanda por terra. Cerramos fileira junto àqueles comprometidos com essa causa e com a libertação dos palestinos mundo afora.”

George Soros, tido por vítima paradigmática do pretenso antissemitismo de Musk e outros críticos de seu projeto político global, simplesmente financiou uma entidade islâmica orgulhosa de “cerrar fileiras” com quem cometeu toda aquela selvageria. E, ainda assim, há quem, partindo do fato acidental de uma ascendência judaica que Soros jamais pareceu valorizar (e antes pelo contrário), tenha a cara de pau de retratar automaticamente os seus críticos como antissemitas e reeditores dos Protocolos (cujas versões – aí, sim – circulam até hoje no Oriente Médio, nas mãos daqueles que, como o próprio Soros e seus soldadinhos, combatem o sionismo).

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No Brasil, o sociólogo Demétrio Magnoli foi um dos que já incorreram nessa falácia. Em 23 de março de 2017, ele publicara em O Globo um artigo intitulado “A volta dos Sábios de Sião”, que partia de um libelo antiglobalista extraído do site russo Fort Russ – engrenagem do “núcleo duro do putinismo”, segundo o autor – para atacar os assim chamados “nacional-populistas”, em particular Donald Trump e seus apoiadores, por suas críticas ao globalismo de tipo sorosiano.

Magnoli acusava-os de tudo um pouco, lançando mão dos rótulos infamantes habituais, tais como “teóricos da conspiração”, “xenófobos”, “radicais” etc. A acusação mais grave, todavia, estava já resumida no título do artigo. Ao fazer referência aos Protocolos, e também retratar Soros como vítima de uma teoria da conspiração, Magnoli tinha por objetivo colar nos críticos do globalismo a pecha de antissemitas.

Mas, aparentemente tão preocupado com o antissemitismo, Magnoli só conseguiu enxergá-lo nos críticos do globalismo, jamais em seus entusiastas, especialmente nos globalistas antissionistas. Ora, não é demais lembrar que há poucas instituições no mundo tão antissemitas quanto a própria ONU, a face institucionalmente mais visível do globalismo, e cujo viés anti-Israel é bem conhecido, ilustrado em centenas de resoluções absurdas, a exemplo da infame 3379 (que tratava o sionismo como uma forma de racismo, e que levou anos para ser anulada) e da mais recente 2234, que condenou as colônias israelenses na Cisjordânia, e foi aprovada graças à vergonhosa abstenção dos EUA, naquele que foi o último de uma série de atos de hostilidade do governo Barack Obama – o presidente mais anti-Israel da história americana, apoiado por Soros – contra o povo israelense.

O fato de Soros ser incidentalmente judeu não tem nada a ver com a história, e não o impede de agir, como tem efetivamente agido por intermédio de seus agentes globais de influência, contra os interesses dos judeus, em especial dos israelenses

O curioso é que o mesmo Magnoli que viu antissemitismo nas críticas a Soros tenha sido também autor de uma coluna que equiparava antissionismo e antissemitismo. Publicada na Folha de S.Paulo em agosto de 2014, e intitulada “O sofisma antissemita”, lia-se nela o seguinte: “O antissemita polido mobiliza um sofisma básico: a distinção entre antissemitismo e antissionismo (…) Um século atrás, a distinção entre antissemitismo e antissionismo era um argumento político admissível; desde pelo menos 1948, não passa de camuflagem do ódio aos judeus”.

Concordo com esse argumento de Magnoli. Depois dos eventos de 7 de outubro, sobretudo, restou claríssimo que o antissionismo não passa de um disfarce para o antissemitismo. Mas, se isso é verdade, George Soros, talvez o maior financiador do antissionismo no Ocidente, não pode ser considerado uma vítima quintessencial do antissemitismo, mas, logicamente, um dos seus principais promotores. O fato de ser incidentalmente judeu (como o foram tantos judeus auto-odiosos e antissemitas, a começar por Karl Marx e a terminar por Breno Altman) não tem nada a ver com a história, e não o impede de agir, como tem efetivamente agido por intermédio de seus agentes globais de influência, contra os interesses dos judeus, em especial dos israelenses. E esse é, precisamente, um dos cernes da crítica antissorosiana, a qual, portanto, nada tem de antissemita, e muito pelo contrário. Como conclui brilhantemente Dershowitz:

“A minha crítica a Soros não inclui comparações com Magneto, que, assim como Soros, sobreviveu ao Holocausto. Não faço essa comparação porque nunca tinha ouvido falar nesse supervilão, mas concordo com Musk que as atitudes, as motivações e as participações de Soros contribuem, sim, para erodir a ‘estrutura da civilização’ (...) Todo judeu deve condenar o apelo ilegítimo e antissemita à ascendência judaica de Soros. Mas esse apelo não deve coibir ou interditar a crítica legítima à influência individual de Soros sobre o mundo, não enquanto judeu, mas enquanto um supervilão por mérito próprio.”

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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