Publicada ontem com o título “Processo sigiloso revela erros e contradições de Moraes em uso de órgão do TSE”, a penúltima reportagem da série Vaza Toga fulmina os argumentos de defesa apresentados por Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes nos últimos dias, bem como as canhestras tentativas midiáticas de aliviar a barra do magistrado. A cada nova matéria, as ilegalidades cometidas sob a bandeira da “democracia defensiva” ficam a cada dia mais evidentes. Entre outras coisas, a reportagem informa que “um pedido de apuração feito por Moraes por meio de seu gabinete foi registrado oficialmente como uma denúncia ‘anônima’”, o que, segundo o jurista André Marsiglia, poderia configurar crime de falsidade ideológica (artigo 297 do Código Penal).
Autores da matéria, Glenn Greenwald e Fabio Serapião lembraram que, na sessão plenária do dia 14 de agosto no STF, logo após a publicação das primeiras reportagens da Folha, Alexandre de Moraes se disse muito tranquilo em relação ao escândalo, o qual atribuiu à fabricação de “notícias fraudulentas”, numa mal disfarçada ameaça contra o veículo que publicou as matérias, tendo em vista que é esse termo que o ministro costuma usar em seus despachos de censura. Adiantando a tese que seria repetida por seu colega Gilmar Mendes em entrevista ao Canal Livre, da Band, Moraes afirmou que todos os alvos de relatórios produzidos pelo órgão de combate à desinformação do TSE já eram investigados no inquérito das fake news ou no das milícias digitais, ambos sob sua relatoria no STF. E disse, ainda, que todos os agravos regimentais foram levados por ele para análise no plenário do STF, com acompanhamento pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de todas as movimentações do processo.
A reportagem da Folha acima referida trata do escabroso caso do ex-deputado estadual paranaense Homero Marchese, que teve as redes sociais bloqueadas graças a um erro de identificação de postagem, tudo sem direito à defesa, e à margem da PGR, ao contrário do que afirmaram Moraes, Mendes e o seu exército de protetores. Antes de mais nada, é preciso notar que, mesmo na hipótese de que Moraes estivesse falando a verdade sobre o fato de os alvos investigados estarem todos incluídos nos inquéritos, isso não tornaria menos abusivos os seus procedimentos, simplesmente pelo fato de que foi ele próprio quem os incluiu, e em seguida encomendou relatórios e produção de provas para os condenar. Como ensina a conhecida teoria da árvore envenenada, apelar à existência de inquéritos originalmente ilegais não pode servir de argumento para justificar procedimentos ilegais subsequentes.
A cada nova matéria, as ilegalidades cometidas sob a bandeira da “democracia defensiva” ficam a cada dia mais evidentes
Mas, além de tudo, as afirmações de Moraes são falsas. Como se lê na matéria da Folha:
“O então deputado Homero Marchese não era investigado anteriormente nos inquéritos sob relatoria de Moraes. O ministro também não analisou nem levou ao plenário do STF os agravos regimentais apresentados pelo Twitter, pela PGR e pelo próprio alvo das medidas. O processo mostra que o ministro bloqueou as contas do então deputado com base na identificação equivocada de Tagliaferro. O argumento da decisão é que o então deputado havia divulgado o endereço do hotel em que os ministros ficariam hospedados – dado que não constava no relatório do TSE e que se encontrava nas postagens cujos autores Tagliaferro não conseguira identificar.”
As medidas de bloqueio foram implementadas no dia 13 de novembro pelas plataformas – que tiveram apenas duas horas para executar a ordem, sob pena de multa diária de R$ 10 mil (e, a julgar pelo caso do X, possivelmente prisão). Homero Marchese teve seu Instagram bloqueado por quase seis meses, e permaneceu por quase um mês e meio sem Twitter e Facebook.
Ao contrário do que afirma Moraes, as certidões do processo mostram que a PGR só teve acesso ao caso no dia 16 de novembro, três dias após a decisão de bloqueio. Já Marchese, vítima da censura, só teve acesso em 1.º de dezembro. No dia 21 de novembro, a PGR protocolou um agravo regimental (recurso) em que pedia a anulação da decisão e o trancamento da investigação, mas os recursos da PGR e do ex-deputado não foram analisados por Moraes.
Para piorar, em junho de 2024 Marchese chegara a ganhar uma ação de indenização contra o Estado por causa do episódio. Mas Alexandre de Moraes, o próprio responsável pelo abuso gerador do dano, não apenas derrubou a decisão como solicitou que o CNJ investigasse o juiz que julgou procedente a ação de Homero. De acordo com matéria do Poder 360:
“Na decisão de Moraes, que cassa a decisão de Gimenes, o ministro diz que ao qualificar e julgar as deliberações que compete ‘exclusivamente’ ao STF, no âmbito do inquérito das fake news, ‘o Juízo de 1.ª instância desafia, não só a competência deste Tribunal, como também o modo de condução de processo que tramita na Corte’. ‘Em suma, é impensável afirmar que decisão proferida em âmbito de Juizado Especial possa julgar o modo de condução e a legitimidade de atos judiciais tomados em processo em regular trâmite neste Supremo Tribunal Federal’, diz o documento.”
Com tudo isso, há ainda formadores de opinião sonsos o bastante para sugerir que, diante de tais procedimentos judiciais excepcionais, resta ainda, ao condenado político, entrar com recurso... Comovente, não?
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