| Foto: Kena Betancur/AFP

Macht Platz, ihr Alten!” (“Velhos, saiam do caminho!”)

– Slogan nazista cunhado por Gregor Strasser em 1932

Far largo ai giovani!” (“Abram caminho para os jovens!”)

– Slogan fascista dos anos 1930

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Em seu ensaio Sobre o progresso na história, o grande historiador alemão Leopold von Ranke (1795-1886) afirma que “todas as épocas são iguais perante Deus”. Posto que manifesta em tom de gracejo, a afirmação traduz uma atitude intelectual bastante séria e consequente, com a opção clara, da parte de Ranke, por uma historiologia (teoria da história) tradicionalista – ou, se preferirem, “conservadora”.

Com essa boutade aparentemente fortuita, Ranke abria polêmica com os colegas representantes de uma historiologia diametralmente oposta, que poderíamos glosar como “progressista”, e para a qual as épocas não são iguais perante Deus, sendo as mais recentes tidas por moralmente superiores.

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Esse, aliás, é o pressuposto (meta-histórico, por assim dizer) de todo o movimento cultural e político conhecido como progressismo – um conceito bem mais amplo que o de esquerdismo. Um progressista é, fundamentalmente, alguém que emite um juízo de valor sobre o movimento da história, acreditando que o passar do tempo equivale a um necessário progresso moral da humanidade, e que, quanto mais contemporânea, melhor é a época.

Característica da passagem do século 18 ao 19, a cosmovisão progressista teve uma consequência de grande significado histórico e cultural, sobre a qual já falei em artigo anterior: o ingresso dos jovens na atividade política. Trata-se, em alguma medida, de uma consequência inevitável. Pois se, à época, consagrara-se o princípio de Ernst Haeckel (1834-1919) segundo o qual a ontogenia recapitula a filogenia, era natural que também se estabelecesse um paralelo entre ontogenia e historiogenia, com a extensão do alto valor moral atribuído às épocas mais “viçosas”, por assim dizer, àqueles que são viçosos por nascimento e natureza: os jovens eles próprios.

O ineditismo da valorização cultural e política do jovem não passou despercebido pela alta literatura, em especial a do romance russo, que teve em Turgueniev e Dostoievski dois de seus primeiros e mais geniais observadores.

Dostoievski dedicou atenção ao tema em vários de seus romances e contos, mas gostaria aqui de lembrar passagens de um deles apenas: O Idiota. Para além da trama central e dos personagens principais, o romancista dedica parte considerável da obra a descrever o comportamento e o caráter de um tipo social em ascensão no século 19: o jovem revoltado e niilista.

No livro, um espécime bem representativo daquele tipo geral, o personagem Antip Burdovski, é descrito pelo narrador da seguinte forma: “Era um jovem vestido de um jeito pobre e relaxado, metido numa sobrecasaca com mangas que de tão sebentas tinham brilho de espelho, num colete engordurado, desabotoado até o alto, numa camisa de um branco que desaparecera, num cachecol de seda preto engordurado ao máximo e torcido feito corda, as mãos sujas, um rosto que era só espinhas, branco e, se é lícita a expressão, com um olhar de um descaramento nunca visto. Não era de estatura baixa, era magro, de uns vinte e dois anos. Seu rosto não expressava a mínima ironia nem a mínima reflexão; expressava, ao contrário, um enlevo completo e obtuso com o próprio direito e, ao mesmo tempo, algo que chegava a uma estranha e constante necessidade de estar e sentir-se permanentemente ofendido”.

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A certa altura do romance, após invadir uma festa em casa do personagem-título do romance – o Príncipe Liev Nikolaievitch Michkin –, Burdovski e três camaradas seus engatam num discurso furioso e emocionado, repleto de exigências impertinentes e manifestações dos referidos “enlevo completo e obtuso com o próprio direito” e “necessidade de sentir-se permanentemente ofendido”. Nesse que, a meu ver, é um dos pontos altos da obra, a húbris juvenil e a autocomplacência dos niilistas são impiedosamente expostas. Dostoievski faz Burdovski falar de maneira desconexa, a voz entrecortada por uma emotividade exacerbada e histriônica:

“‘Príncipe, não temos medo dos seus amigos, sejam lá quem forem, porque nós estamos no nosso direito... O senhor não tem o direito, não tem o direito, não tem o direito. Os seus amigos... Vejam só!’ – tornou subitamente a berrar Burdovski, olhando ao redor assustado e temeroso e excitando-se ainda mais do que antes, desconfiado e esquivando-se. – ‘O senhor não tem o direito!’ – e dito isto, parou bruscamente, como se tivesse cortado a conversa e, esbugalhando em silêncio os olhos míopes extremamente saltados, marcados por veias vermelhas e grossas, fixou-se interrogador no príncipe, inclinando-se de corpo inteiro sobre ele... ‘Não nos apresentamos humildemente, como parasitas em busca das suas graças. Entramos aqui de cabeça levantada, como homens livres, que não pedem uma esmola, mas sim formulam uma livre e altiva intimação (ouçam bem, notem bem!... uma intimação e não uma esmola)... Exigimos, exigimos, mas não pedimos!’ – balbuciou Burdovski, vermelho como um camarão”.

Como não reconhecer em Burdovski o espírito do jovem progressista contemporâneo, com seu complexo de superioridade moral? Mas antes de Dostoievski, e servindo-lhe de inspiração, Ivan Turgueniev fora pioneiro em descrever o espírito revolucionário da Rússia de sua época em termos de um conflito geracional, uma luta irreconciliável entre “Pais e Filhos” – como resume o título de sua obra mais famosa. Seu personagem Ievgueni Bazarov, um dos tipos mais insolentes de toda a literatura universal, afirma com todas as letras a sua vocação de negar. “Tudo?” – pergunta-lhe um membro da geração anterior. “Tudo” – responde o jovem arrogante com “indescritível serenidade”. “O senhor nega tudo, ou, em palavras mais exatas, destrói tudo... No entanto é preciso também construir” – insiste o interlocutor, ao que Bazarov responde: “Isso já não é da nossa conta... Em primeiro lugar, é necessário limpar o terreno”.

Ressalte-se que, na época de Turgueniev e Dostoievski, e até mais ou menos a metade do século 20, havia ainda alguma autenticidade no movimento de revolta dos jovens contra os velhos. Por mais insana, suicida ou criminosa fosse a empreitada, os jovens eram ainda, no geral, os seus reais protagonistas.

Hoje, vivemos também um recrudescimento da retórica da guerra intergeracional, com a diferença que ela é inteiramente artificial e manipulada por um punhado de homens velhos que, a exemplo dos burgueses com culpa de classe, resolveram expiar a sua “culpa de idade” mediante adulação dos jovens e repúdio aos demais membros de sua própria geração. Para eles, os jovens são vistos como ferramentas para a limpeza do terreno (para falar como Bazarov) necessária à construção do novo mundo.

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Sim, manifestando sintomas evidentes da Síndrome de Peter Pan, os integrantes da elite globalista euroamericana – cuja utopia neomalthusiana já expus alhures – resolveram apostar todas as fichas na instrumentalização da juventude para a guerra contra os refratários ao projeto de governo mundial, estigmatizando-os como “homens brancos e velhos” – um estado orgânico-biológico que serve de metáfora a um pretenso atraso histórico.

O novo culto político à juventude revela-se paradigmaticamente, por exemplo, na condescendência para com o ativismo tatibitate de Greta Thunberg, bebê de proveta de homens velhos como Al Gore, Maurice Strong, George Soros e outros mandatários da agenda ecofundamentalista. Estes, a exemplo dos talibãs, não se vexam em enviar para a frente de batalha da guerra de informação uma menina autista e visivelmente perturbada.

E então, na frente dos incontáveis microfones e câmeras que se lhe ofereceram, a ativista sueca – espécie de encarnação contemporânea do personagem Burdovski, pois igualmente trêmula de êxtase fanático – fez o que dela se esperava, exibindo ao mundo o seu “enlevo completo e obtuso com o próprio direito” e a sua “necessidade de sentir-se permanentemente ofendida”: – How dare you? How dare you?

Como também não podia deixar de ser, o novo culto à juventude faz-se acompanhar por uma retórica virulentamente gerontofóbica, consistindo em puro discurso de ódio aos mais velhos, que, com os seus maus hábitos e valores degenerados, estariam impedindo a realização da utopia globalista.

Corolário lógico da cosmovisão progressista, a gerontofobia também consiste no estabelecimento de uma analogia entre a ontogenia e a historiogenia, mas dessa vez para maldizer as eras passadas e, por extensão, os seus representantes naturais – os velhos –, tidos por incômodos obstáculos ao progresso. Portanto, quando Greta diz How dare you?, é possível entendê-lo como interpelação direta aos mais velhos: como se atrevem a continuar existindo e atrapalhando o meu projeto de mundo melhor?

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A mais recente manifestação da gerontofobia contemporânea jorrou da boca de Barack Hussein Obama, o primeiro fantoche do globalismo a assumir a presidência dos EUA com o objetivo declarado de “transformar fundamentalmente” o país (leia-se, aniquilar a sua soberania e submetê-lo totalmente à agenda das organizações internacionais). No último dia 16, num encontro de lideranças em Singapura, o coroa metido a garotão afirmou taxativamente que quase todos os problemas do mundo são causados por “gente velha, usualmente do sexo masculino, que se recusa a sair do caminho”.

Não se sabe exatamente como Hussein Obama pretende tirar os velhos do caminho (seria, por exemplo, à moda esquimó?), mas o fato é que a sua fala integra uma ampla cruzada contra os “homens brancos velhos”, quem, segundo a máquina de propaganda globalista (hoje veiculada por quase todos os veículos de mídia mainstream), são responsáveis por terríveis “retrocessos” como a eleição de Trump e a opção britânica pelo Brexit.

Brexit, aliás, que tem sido o alvo preferencial dessa narrativa, martelada incessantemente por uma imprensa servil ao projeto globalista de dissolução das soberanias nacionais e homogeneização das consciências. Segundo a tese, foram velhos reacionários que, movidos por ignorância, xenofobia e paranoia, exigiram a saída do Reino Unido da União Europeia. Como, referindo-se à vitória de Boris Johnson no Reino Unido, lamentou recentemente uma jornalista brasileira inteiramente domada pela propaganda globalista: “Quem tem mais de 65 anos selou o destino das novas gerações”.

E foi também do Brasil que, ainda na época da primeira votação do Brexit, um colunista da Folha de S. Paulo tuitou uma sugestão que, decerto, faria um Barack Hussein Obama salivar de contentamento: “Lição do Brexit: nos casos em que o voto tem consequências para o futuro da comunidade, seria bom instituir uma idade máxima para votar”.

Eis uma bela maneira de tirar os velhos do caminho, não é mesmo?

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