Menos de dez dias após a invasão da escola Thomázia Montoro, em São Paulo, que acabou com uma professora morta por golpes de faca desferidos pelo ex-aluno agressor, o país acordou nesta quarta-feira, dia 5, sob a comoção de um acontecimento similar, mas de desfecho ainda mais terrível. Numa creche em Blumenau (SC), um invasor assassinou quatro crianças a golpes de machadinha. Outras quatro crianças ficaram feridas. A polícia ainda busca compreender a motivação de tamanha monstruosidade, mas uma primeira pista pode estar num vídeo em circulação na internet, no qual o criminoso menciona um desafio de videogame, sugerindo a perturbadora possibilidade de que outros “jogadores” possam vir a cometer crimes análogos.
Perturbador também é constatar que, na última década, esse tipo de ocorrência, antes rara no país, passou a ser bem mais frequente. De 2011 para cá, ano do emblemático Massacre de Realengo, já foram registrados pelo menos dez atentados contra escolas. O mais preocupante nesse histórico é o fato de que os criminosos tendem a conhecer e imitar os feitos de seus predecessores, o que indica um fenômeno de contágio social, sujeição a uma cultura do espetáculo e anseio por alcançar uma macabra celebridade. E a internet – sobretudo a deep web – tem sido o meio para o intercâmbio entre os membros dessa subcultura criminosa e doentia.
O interesse sobre as causas de um fenômeno criminoso tão chocante para o senso comum, todavia, talvez seja um pouco como discutir o sexo dos anjos. Mais importante do que conhecer a origem de um mal tão obsceno, e as razões pelas quais ele pode surgir no coração dos homens, é pensar nos meios mais eficientes de conter ou minimizar a sua realização pelas mãos do criminoso. Mas, para isso, o Brasil precisa abandonar urgentemente o idealismo, o verbalismo crônico e as ideias estúpidas. E isso não parece nem perto de acontecer.
Como toda proposta sensata feita pelos interessados diretos em algum assunto, no Brasil a ideia de segurança armadas nas escolas se choca contra o muro da estupidez ideológica, dos slogans pseudo-humanistas, e no sentimentalismo perverso das autoridades e dos burocratas
Partindo do pressuposto de que o mal existe e de que é praticamente impossível prever as ações como as do infanticida de Blumenau, resta aos adultos responsáveis travar uma discussão séria sobre os meios de proteger as crianças. Mas, para que essa discussão séria possa ocorrer, os adultos irresponsáveis, apologistas de ideias estúpidas (e frequentemente cínicas, pois propositalmente alheais ao problema concreto), precisam ser desmascarados e banidos do debate. O grande problema é que, no Brasil de hoje, as principais instâncias decisórias e os espaços de formação de opinião pública são dominados pelos estúpidos e pelos irresponsáveis.
Dentre as medidas razoáveis sempre especuladas diante de casos como o de Blumenau está a presença de segurança armada. Eis uma ideia que, entre adultos responsáveis, pode e deve ser discutida livremente, com argumentos, contra-argumentos e a listagem de prós e contras. Mas, como toda proposta sensata feita pelos interessados diretos em algum assunto, no Brasil também essa ideia se choca contra o muro da estupidez ideológica, dos slogans pseudo-humanistas, e no sentimentalismo perverso das autoridades e dos burocratas. E muitas vezes, o abstratismo insano da retórica político-ideológica acaba sendo incorporado no vocabulário até mesmo de suas vítimas indiretas, que assim se alheiam da realidade na direção da etérea verborragia, jogando água no monjolo da inércia.
Como exemplo do que acabo de dizer, tomemos uma fala recente de uma das vítimas do ataque à escola em São Paulo. Em entrevista à rádio CBN de São Paulo, a professora Ana Célia de Rosa, que chegou a ser ferida pela faca do agressor, afirmou ser “radicalmente contra” a proposta de colocar policiais aposentados para fazer a segurança armada das escolas. Até aí, nada de mais. Legitimamente interessada na questão, a professora poderia ter bons argumentos para sustentar seu juízo. O problema não foi a opinião em si, mas a retórica com que se a apresentou. “Esse não é o caminho” – continuou Rosa. “A gente tem de fazer diferente, fazer educação. Nossa missão é fazer a criança gostar de livro”.
Há tantos equívocos pressupostos e condensados nesse raciocínio que o difícil é saber por onde começar a descompactá-los. Aceitemos de início, a título de experiência, a premissa de que a educação e o gosto por livros podem ter por efeito coibir crimes em geral, e atentados a escolas em particular. Ainda que fosse verdade que crianças formalmente educadas (ou ensinadas) e leitoras não cometem crimes como esse, o processo educativo e de desenvolvimento do hábito da leitura leva tempo, e a segurança das crianças é uma necessidade urgente. Portanto, enquanto se trabalha para “fazer a criança gostar de livro” (desde que, obviamente, não sejam livros que celebrem e incentivem a criminalidade, pois também os há de montão), o que fazer diante de eventuais novos ataques? Caso um psicopata armado invada outra escola amanhã mesmo, o que fazer? Oferecer-lhe um livro de presente? Lamentar que não tenha desenvolvido o gosto pela leitura? Educá-lo instantaneamente?
Mas, além de a solução apresentada não solucionar nada, a premissa de que indivíduos educados e leitores vorazes não cometem crimes, especialmente crimes dessa natureza, é totalmente absurda. Aliás, a realidade é quase que o inverso perfeito, pois é muito comum que autores de atentados e massacres sejam tipos introvertidos, escolarizados e estudiosos. Muitos chegam a ter livros de cabeceira, cujas ideias, usualmente distorcidas pela mente do criminoso, servem-lhes de combustível adicional à sanha homicida. Charles Mason, por exemplo, era leitor de Nietzsche. Mark Chapman, o assassino de John Lennon, é conhecido por haver se inspirado bizarramente no livro O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger. E muitos outros casos poderiam ser citados.
Mas a professora vitimada na escola Thomázia Montoro não parece ter realmente refletido sobre o problema concreto. Ao posicionar-se contra a presença de segurança armada na escola, o que ela fez, possivelmente com toda a boa intenção, foi repetir acriticamente um slogan político. Recorde-se que, durante a última campanha eleitoral, o slogan “mais livros, menos armas” foi recorrente na campanha do candidato – hoje presidente – comunista, que pretendia opor-se à causa do direito à autodefesa armada, esposada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, e posar como representante do “amor” contra a “cultura do ódio”. Em seu discurso de vitória, o comunista-em-chefe afirmou que o povo brasileiro escolhera “livros ao invés de armas”.
Caso um psicopata armado invada outra escola amanhã mesmo, o que fazer? Oferecer-lhe um livro de presente? Lamentar que não tenha desenvolvido o gosto pela leitura? Educá-lo instantaneamente?
É patente o cinismo desse tipo de fala. Em primeiro lugar, porque o comunista e seus camaradas de partido e governo contam todos com segurança armada até os dentes. Em segundo lugar, porque é notório seu passado de desprezo ao conhecimento, e em particular aos livros, objetos que ao Macunaíma de Garanhuns causaram sempre uma enorme preguiça. Em terceiro, porque é de provocar gargalhadas que o representante de uma cultura política historicamente erigida sobre o ódio – a ponto de um de seus ícones, Che Guevara, haver pregado abertamente o “ódio intransigente ao inimigo”, que transforma o revolucionário numa “fria máquina de matar” – exiba uma pose canastrona de pacifista e amoroso. Em quarto, finalmente, porque a cantilena sentimentalista “mais livros, menos armas” é tão vazia de sentido quanto a sugestão de “mais arroz, menos chaves de fenda” ou “mais eletricistas, menos feirantes”.
Ora, as entidades contrapostas nesses truquezinhos verbais não constituem alternativas reais, uma vez que abarcam, cada qual, um determinado espectro de utilidade, e se prestam a finalidades distintas. Precisamos de arroz (para comer) e de chaves de fenda (para apertar parafusos), bem como de eletricistas (para fazer reparos elétricos) e de feirantes (para nos vender frutas, verduras e legumes). Da mesma maneira, precisamos de livros (para ler) e de armas (para prover segurança). É claro que o comunista e seus companheiros sabem perfeitamente disso. Afinal, imagina-se que não comam chaves de fenda nem utilizem arroz para apertar parafusos. E, por óbvio, os seus seguranças não portam livros, mas armas de fogo.
Mas, num contexto cultural de rebaixamento da inteligência e do caráter, o sentimentalismo cínico das frases feitas tende a funcionar politicamente. Não é por outro motivo que o comunista e sua entourage estejam se aproveitando da comoção provocada pelo horror em Blumenau para impor sua agenda desarmamentista e reforçar a narrativa de culpabilização do principal opositor, tido como representante quintessencial da tal “cultura do ódio”. Durante o evento de assinatura dos decretos que alteram o Marco Legal do Saneamento Básico – um ato político vingativo, que, além de desfazer as melhorias realizadas no setor pelo governo anterior, reabre o caminho para a corrupção, ao dispensar a licitação para empresas estatais –, o comunista-em-chefe declarou, por exemplo, que o infanticida de Blumenau tinha vindo do “planeta do ódio”. Puro cálculo. Zero empatia.
A cantilena sentimentalista “mais livros, menos armas” é tão vazia de sentido quanto a sugestão de “mais arroz, menos chaves de fenda” ou “mais eletricistas, menos feirantes”
Fiel à linha partidária, o ministro Silvio Almeida, da pasta dos Direitos Humanos e da Cidadania, fez um pronunciamento repleto de oportunismo político e desfaçatez. Tentando associar o crime ao bolsonarismo e às armas de fogo legais (embora tanto em São Paulo quanto em Blumenau os crimes tenham sido cometidos com armas brancas), perguntou: “Vamos esperar chegar em 300 ataques por ano em escola, com essa gente cultuando arma, com essa gente querendo dar golpe de Estado no Brasil, querendo mais é que as pessoas morram de fome?” O mesmo fez o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo, Paulo Pimenta, que repudiou o que descreveu como “a triste cultura da violência que se espalhou pelo Brasil”.
O comunista e seus asseclas gostam de falar abstratamente em cultura – “do ódio”, “da violência”, “das armas” etc. Mas nada dizem sobre a que eles próprios fomentam, e que é a mais diretamente responsável por criar o contexto social de onde emergem assassinos como o de Blumenau. Refiro-me à cultura da impunidade, manifesta em políticas como as de desencarceramento, uma das pautas principais do atual governo (e, em especial, do ministro Silvio Almeida), e laxismo penal.
O infanticida de Blumenau, por exemplo, já tinha várias passagens pela polícia, por brigas, posse de drogas e tentativa de homicídio (esfaqueou o próprio padrasto). No entanto, estava solto, ou melhor, desencarcerado – justo como querem os integrantes do regime. E também desencarcerado permanecerá o menor homicida da escola em São Paulo, uma vez que o comunista e sua rede de apparatchiks fazem lobby pesado contra a redução da maioridade penal (agenda que, aliás, deu azo a um célebre bate-boca entre o então deputado Jair Bolsonaro e uma parlamentar comunista).
Enquanto os integrantes do poder e as autoridades em geral continuarão desfrutando de blindagem e segurança armada, os demais cidadãos permanecerão vulneráveis, restando-lhes a opção de acreditar na promessa de “mais livros e mais educação”
O que também não dizem os autoproclamados embaixadores da paz e do amor universais é que, durante o governo anterior, representante da “cultura do ódio, das armas e da violência”, houve uma redução drástica no número de homicídios e crimes violentos, e isso no mesmo período em que aumentou o número de armas de fogo legais nas mãos dos cidadãos. O gráfico abaixo, baseado no Atlas da Violência produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra a série histórica de homicídios no país desde o momento em que o PT assumiu o governo até o ano de 2022.
A partir do primeiro mandato do comunista-em-chefe, viu-se uma tendência geral de aumento dos índices, tendência que culminou no alarmante número de 62.517 homicídios no último ano do governo de sua sucessora. A partir do impeachment dessa última, quando então Michel Temer assume a Presidência, inicia-se um movimento acentuado de queda nos números, movimento que continuou e se intensificou durante o governo de Bolsonaro, que adotou uma série de medidas mais duras no combate à criminalidade violenta.
Com o retorno ao poder dos fomentadores da cultura da impunidade – retorno que, sintomaticamente, foi amplamente desejado pelo eleitorado dos presídios –, é provável que aquela tendência de queda seja revertida. Como bem demonstrou o sociólogo Eduardo Matos Alencar aqui nesta Gazeta: “A sucessão de fatos [referência à revelação dos planos do PCC contra autoridades e ao terrorismo no Rio Grande do Norte] indica que a assunção do petismo ao poder foi realmente entendida como o estabelecimento de uma nova ambiência institucional, marcado pela leniência ou mesmo conivência com o crime. Com Lula na Presidência, os próceres das maiores facções criminosas do país estão dispostos a ir à forra”.
Não é absurdo imaginar que não apenas o crime organizado, mas também a criminalidade em geral se beneficie dessa nova ambiência institucional, muito mais leniente do que a anterior. No caso específico de crimes como os atentados em escolas, muito difíceis de serem coibidos pelas forças de segurança pública, um fator agravante pode vir a ser o empenho do atual regime em reprimir toda iniciativa de autodefesa e segurança privada por parte da sociedade civil. Assim, enquanto os integrantes do poder e as autoridades em geral continuarão desfrutando de blindagem e segurança armada, os demais cidadãos permanecerão vulneráveis, restando-lhes a opção de acreditar na promessa de “mais livros e mais educação”, bem como na iminência de uma era de amor, paz e picanha gratuita para todos.
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