Antônio More/Gazeta do Povo| Foto:

“ Se a opinião é a rainha do mundo, os filósofos governam a rainha” (Voltaire)

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“ Nos santuários da cultura burguesa, a esquerda dá o tom” (Roberto Schwarz)

 

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Há algo de podre no reino de Pindorama. Algo de corrompido no processo eleitoral que se aproxima. Algo de mefítico nas instâncias formadoras da opinião pública. Que fedegosos vapores são esses que se elevam em toda parte? Que pestilentas emanações? Que miasmática colusão se articula, descarada, sob nossas fossas nasais? Pois que há trama, e trama densa, já está por demais evidente.

No tocante à opinião pública, é da cientista política Elisabeth Noelle-Neumann uma das definições mais agudas e concisas. Segundo ela, trata-se do conjunto de opiniões e comportamentos que “podem ser exibidos em público sem o medo do isolamento”. No seu livro A Espiral do Silêncio, fruto de anos de pesquisa sobre a formação da opinião pública, particularmente em períodos eleitorais, a autora conclui:

“Hoje já é possível provar que, mesmo quando sabem claramente que algo está errado, as pessoas mantêm-se em silêncio se a opinião pública (opiniões e comportamentos que podem ser exibidos em público sem o medo do isolamento), e, portanto, o consenso sobre o que constitui o bom gosto e a opinião moralmente adequada, estiver contra elas”.

Tal como observo no meu livro A Corrupção da Inteligência, esse “consenso sobre o que constitui o bom gosto e a opinião moralmente adequada” pode ser perfeitamente fictício. Para o mecanismo da espiral do silêncio, importa apenas que ele apareça como consenso aos olhos do público, e que, impondo-se gradual e insidiosamente, promova a acomodação geral ao discurso (ou, para usar uma palavra da moda, à narrativa) dominante. Fundada única e exclusivamente sobre o nosso medo do isolamento social, essa ilusão de consenso objetiva castrar as consciências e restringir o debate público aos limites traçados pelos ilusionistas. Isso explica a bizarra situação em que se encontra a nossa sociedade, onde um povo cada vez mais conservador se vê silenciado e desprezado por uma classe falante cada vez mais progressista. Não é por acaso que, entre as principais instituições brasileiras, os meios de comunicação tenham enfrentado a maior queda em níveis de credibilidade ao longo da última década, despencando nada menos que 20 pontos percentuais de 2009 a 2018, como mostra pesquisa recente do Ibope Inteligência.

Com efeito, a partir dos anos 1960, uma única corrente político-ideológica, a esquerda, passou a dominar totalmente os meios para criar falsos consensos e impor a espiral do silêncio, conquistando assim uma acachapante e duradoura hegemonia cultural. Foi quando um grupo quantitativamente pequeno e socialmente homogêneo, composto por esquerdistas de classe média e classe média alta dos grandes centros urbanos do país, partilhando gostos, valores e estilo de vida similares, obteve sucesso em monopolizar a opinião pública, enfiando goela abaixo da maioria o seu moralismo politicamente correto, uma espécie de sucedâneo da moralidade autêntica. Ao longo de cinco décadas, tudo o que não se conformasse ao consenso artificialmente criado por essa elite de esquerda era tido por política e moralmente impróprio, além de atrasado, xucro e deselegante.

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Ao fim da década de 1980, com a assim chamada “redemocratização”, aquela elite começou a converter sua consolidada hegemonia cultural em hegemonia política, assumindo gradativamente o controle do Estado, a começar pela influência exercida na assembleia constituinte que nos legou a altamente ideologizada Constituição de 1988. Depois, de maneira mais direta, primeiro com sua linhagem socialdemocrata, o PSDB; e, em seguida, com sua vertente socialista, o PT e sua rede de partidos-satélite (PCdoB, PSOL, PSB, entre outros). Desde então, encastelados no aparato estatal, levaram aquela hegemonia cultural prévia ao paroxismo, consagrando na forma de leis, normas e dispositivos a sua visão elitista de mundo.

Foi graças à internet que, na segunda década do século 21, a espiral do silêncio foi estilhaçada em um sem-número de cacos, que agora a elite cultural de esquerda tenta desesperadamente reunir. Tendo perdido a hegemonia cultural, tendo, enfim, que disputar (e quase sempre perder) o debate nas redes sociais com milhares de vozes não-esquerdistas, restou a essa elite, por meio de seus vários representantes espalhados nos três poderes do Estado, na academia, na imprensa, no meio artístico e nas próprias redes sociais, se articular em torno do mesmo projeto totalitário (que é a essência mesma da cosmovisão “progressista”), tendo agora a internet por objeto e alvo.

O primeiro passo daquele projeto – a censura a liberais e conservadores nas redes, mascarada sob o belo pretexto do “combate às fake news” – já foi abordado aqui nesta coluna, bem como por muitos outros articulistas não alinhados à esquerda. Nota-se que essa censura se intensifica justamente agora, no período eleitoral, com o objetivo evidente de que opiniões conservadoras e liberais (de direita, em suma) desapareçam do debate público e não tenham a chance de influir nas escolhas dos eleitores. Depois de mais de duas décadas em que se mantiveram no comando da máquina estatal, partilhando-a consecutivamente entre suas duas linhagens, a socialdemocrata e a socialista, pela primeira vez a esquerda se vê realmente ameaçada de perder o poder para um candidato de direita, alheio a esse jogo de comadres. A despeito dos méritos e deméritos que se queiram atribuir a Jair Bolsonaro, o fato é que ele representa uma novidade em relação à velha dobradinha tucano-petista da qual todos fomos reféns nos últimos anos. A perspectiva de perda do poder político exaspera a esquerda nacional, que ora reúne todas as suas vertentes e facções em torno do inimigo comum.

O segundo passo daquele projeto totalitário de reconstrução da hegemonia esquerdista foi dado por esses dias, com o escândalo que vem sendo chamado de “Mensalinho do Twitter” ou “PTgate”. Após denúncias de alguns dos próprios participantes do esquema, ficamos sabendo que agências de marketing digital ligadas ao PT (uma das quais, de nome Lajoy, pertencente a Joyce Moreira Falete Mota, militante petista e ex-consultora de internet da Rede Globo) estavam pagando “influenciadores digitais” (provavelmente com dinheiro não declarado) para executar “missões” em favor do partido na rede. Essas missões, que, segundo a nossa legislação, configuram propaganda ilegal, consistiam basicamente em difundir as pautas habituais da esquerda (feminismo, ideologia de gênero, ativismo LGBT, racialismo etc.) e tuitar comentários positivos sobre candidatos petistas (incluindo o encarcerado em Curitiba), com conteúdo previamente definido pelos comandantes do esquema.

Opinião da GazetaMilitância virtual e ilegal (editorial de 28 de agosto de 2018)

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Como bem definiu o jornalista Cláudio Dantas, do portal O Antagonista, o PT aprimorou o seu tradicional aparato de compra de consciências e inventou a cybermortadela. Era o golpe perfeito. Uma vez banidas as opiniões de direita, chegara a hora de inflar artificialmente as de esquerda. O cybermortadelismo é o corolário ideal da censura na internet. Assim como as salsichas, é melhor não ver como são fabricados os consensos de nossos autoproclamados “progressistas”.

É curioso observar o comportamento de parte da imprensa diante desse mais novo escândalo envolvendo o PT. Recorde-se que quando, recentemente, o Facebook baniu sumariamente 186 páginas e 87 contas – incluindo as do MBL (Movimento Brasil Livre) e do Brasil 200, movimento liderado pelo empresário (e então pré-candidato à presidência) Flávio Rocha –, a repercussão foi ampla e histriônica. As manchetes acusavam em letras garrafais, sem qualquer dúvida ou hesitação: “Facebook derruba rede de fake news usada pelo MBL”. Não se viu, na ocasião, nenhum sinal da costumeira prudência adotada por nossos profissionais de imprensa, que reservam o adjetivo “suspeito” até mesmo a criminosos flagrados no ato do crime. Aos olhos de nossos jornalistas, o MBL e demais censurados não tinham direito à presunção de inocência, ainda que não se houvesse apresentado nenhuma prova das acusações.

À época do banimento do MBL e do Brasil 200, o jornalista de esquerda Leonardo Sakamoto, grande entusiasta da censura à direita na internet, afirmou categoricamente: “De acordo com a explicação dada pelo Facebook, a rede não foi excluída por ser um grupo de páginas distribuindo notícias falsas. Mas porque, segundo a investigação da empresa (…), havia um sistema elaborado voltado à manipulação do debate público”. Outro jornalista de esquerda, o fundador do site Catraca Livre, Gilberto Dimenstein, comemorou a censura: “Durante 6 meses, apanhei de todos os lados por investigar a rede de desinformação clandestina conectada ao MBL. A luta não foi em vão: o Facebook baniu hoje páginas associadas ao MBL e de seus coordenadores”.

O tuíte do jornalista foi compartilhado alegremente por um procurador da República, ex-assessor de Rodrigo Janot, que qualificou a atitude do Facebook de “ação exemplar”. Seu comentário foi curtido pelo perfil oficial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o mesmo TSE que, cerca de um mês antes, impusera sigilo sobre as atas das reuniões que trataram de fake news e eleições. O mesmo TSE hoje presidido pelo senhor Luiz Fux, autor de comentário perturbador segundo o qual a Justiça pode anular uma eleição se achar que o resultado foi influenciado por fake news. Dito de outro modo: no Brasil de nossos dias, uma eleição pode ser anulada caso a esquerda, na prática detentora do poder de definir o que é ou não é fake news, não concorde com o resultado.

Até agora, o Mensalinho do Twitter vem sendo tratado de maneira bastante discreta (para dizer o mínimo) pela imprensa e pelas autoridades. Não se viu qualquer manifestação daqueles mesmos jornalistas outrora tão preocupados com a “manipulação do debate público”. Até o momento, não se tem notícia de que os perfis e páginas pagos com a cybermortadela tenham sido banidos do Facebook – rede cuja atual gerente de segurança, convém informar ao público, foi assessora de Gleisi Hoffmann na Casa Civil  – ou do Twitter. Tampouco consta que aquele mesmo procurador da República tenha externado sua indignação em face do caso.

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Resta saber, portanto, como o TSE irá lidar com esse flagrante esquema de propaganda eleitoral ilegal e (nesse caso, sim) manipulação do debate público. A sociedade exige o esclarecimento do caso, e a eventual quebra de sigilo bancário dos envolvidos, para que possamos conhecer a fonte dos recursos para o pagamento da cybermortadela. Terá sido verba legal? Provém do fundo partidário? Será dinheiro de propina? O “PTgate” tem tudo para ser um divisor de águas, pelo potencial de revelar se a tão ostentada preocupação com a qualidade do debate público e a lisura do processo eleitoral é para valer ou se, ao contrário, não passa de mero pretexto para a perseguição política dos adversários da elite esquerdista do país.

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P.S. No exato momento em que escrevo este artigo, encontro-me censurado pelo Facebook, por conta de uma piada feita há 3 anos, na qual se apontava o duplo padrão moral da militância LGBT, que debocha de símbolos católicos em suas paradas, mas adota um silêncio reverente em relação ao islamismo, religião política que os trata como criminosos nos países em que impera.