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Manifestantes no Congresso Nacional durante atos de 8 de janeiro de 2023.
Manifestantes no Congresso Nacional durante atos de 8 de janeiro de 2023.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

É sempre engraçado ver as tentativas do ministro Luís Roberto Barroso de voltar a se expressar como magistrado. Isso porque, falando na maior parte do tempo como militante de extrema esquerda, ele parece ter perdido o jeito para a coisa, daí que, quando o pretenso ministro de corte constitucional abre a boca, o som emitido é a voz do professor da humanidade e do agente civilizatório (ou recivilizatório). A combinação entre um espírito tomado por tórrida paixão político-ideológica e uma aparência de formalidade técnica que o busca conter resulta num personagem deveras cômico, uma espécie de Rousseau carnavalesco.

Pois recentemente, Barroso manifestou-se sobre os acordos de não persecução penal (ANPP) propostos aos presos políticos do 8 de janeiro pelo Ministério Público e, para sua grande perplexidade, recusados por aproximadamente metade deles. Adotando ares paternais e pedagógicos, disse o mezzo magistrado, mezzo militante:

“O acordo oferecido era em termos bastante moderados: uma multa de R$ 5 mil para quem pudesse pagar; em segundo lugar, dois anos sem utilização de rede social; e um curso de formação democrática no Ministério Público (...) Claramente, parece uma manifestação ideológica de permanecer preso ou ser condenado em vez de aceitar um acordo bastante razoável.”

Muitos dos presos do 8 de janeiro, cientes da própria inocência, e apesar de todo o sofrimento causado pela perseguição política, recusaram a proposta indecente que lhes foi oferecida

Ora, sabemos que apenas uma minoria dos que estiveram presentes nos atos do 8 de janeiro cometeu crimes tipificados em lei – como invasão e depredação de patrimônio –, que deveriam resultar em punição proporcional e dentro do devido processo legal (o que inclui acesso a uma instância recursiva). A maioria dos presos – inclusive Clezão, morto por negligência e perversão estatal – não cometeu crime algum, e nem chegou a entrar nos prédios públicos. Alguns nem sequer estavam na Praça dos Três Poderes no momento do ocorrido! Foram presos por razões políticas. Foram presos porque seus algozes queriam “derrotar o bolsonarismo” e “combater a extrema direita”. Foram presos para dar exemplo e atemorizar os futuros críticos e opositores do regime. Foram presos porque os sanitaristas ideológicos acharam por bem purificar o debate público e expurgar as opiniões e informações dissidentes.

Eis por que, imagino, muitos dos presos, cientes da própria inocência, e apesar de todo o sofrimento causado pela perseguição política, tenham recusado a proposta indecente que lhes foi oferecida. Especialmente perversa foi a oferta de abstenção do uso de redes sociais por dois anos (quando sabemos que, no Brasil, até os mais perigosos criminosos as utilizam livremente) e a ainda mais infame sugestão de matrícula num “curso de formação democrática” que não passa, obviamente, de um curso de reeducação político-ideológica, ministrado justamente por quem tem minado todos os fundamentos de um regime democrático, a começar pela liberdade de expressão. Embora o ideólogo Luís Roberto Barroso tenha medido os presos com a própria régua, vendo na recusa do ANPP uma mera manifestação político-ideológica, é provável que os refratários tenham apenas optado por entregar o corpo ao Estado para preservar a alma, justamente o petisco que mais excita as papilas gustativas do Leviatã brasileiro contemporâneo.

Diante da reação de Barroso, lembrei-me imediatamente de Hannah Arendt. No texto A Crise na Educação, a filósofa escreve que a base do totalitarismo é uma concepção pedagógica da política. Em suas palavras:

“A educação não pode desempenhar nenhum papel na política porque na política se lida sempre com pessoas já educadas. Aqueles que se propõem a educar adultos, o que realmente pretendem é agir como seus guardiões e afastá-los da atividade política. Como não é possível educar adultos, a palavra ‘educação’ tem uma ressonância perversa em política – há uma pretensão de educação quando, afinal, o propósito real é a coerção sem uso da força.”

Em suma, recusando-se a ser politicamente educados por quem deveria se limitar a fazer cumprir a Constituição, os alvos da ação civilizadora de Barroso e cia. talvez tenham desistido de esperar alguma justiça vinda do Estado brasileiro atual, preferindo antes enfrentar o cárcere do que ceder à chantagem do poder. E, diante dessa decisão, o mínimo que um funcionário público deveria fazer é abster-se de condescendência, reprimir o ímpeto professoral e evitar o deboche com aqueles que, além de presos, ele esperava ver humilhados, submissos e devidamente “reeducados”...

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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