Fotografia de 1955 mostra Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre em Pequim.| Foto: Xinhua News Agency/Domínio público
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“Tradition refuses to submit to the small and arrogant oligarchy of those who merely happen to be walking around” (G. K. Chesterton)

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The provincial man, locked in the present, lives by chance” (Allen Tate)

Observando o Brasil de hoje, não é difícil perceber o mal que alguns modismos intelectuais fizeram à inteligência nacional. Muito se fala – com razão – da influência nefasta do marxismo e seus sucedâneos em nosso sistema educacional. Mas a influência de um autor como Sartre – por meio de contatos diretos, algo místicos, com os nossos bem-pensantes, ocorridos, inclusive, na residência de um certo sociólogo ex-presidente da República – foi igualmente nociva.

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A proposta sartreana do engajamento intelectual, em particular do “engajamento no presente”, deu origem a uma terrível patologia cultural que, embora longe de ser exclusividade nossa, deitou raízes profundas na sociedade brasileira, atingindo especialmente a sua classe falante: o cronocentrismo – ou, na expressão consagrada pelo escritor norte-americano Allen Tate, o provincianismo do tempo.

Na famosa apresentação da revista Les Temps Modernes, fundada por ele próprio em 1945, Sartre escreveu as conhecidas e muito citadas palavras: “Já que o escritor não tem meio algum de se evadir, queremos que ele abrace estreitamente a sua época; ela é sua única chance; foi feita para ele, e ele para ela. Lamentamos a indiferença de Balzac diante das jornadas de 48, a incompreensão amedrontada de Flaubert diante da Comuna; lamentamo-no por eles; há algo aí que eles deixaram escapar para sempre. Não queremos deixar escapar nada de nosso tempo: talvez haja tempos mais belos, mas este é o nosso; temos somente esta vida para viver, em meio a esta guerra, talvez a esta revolução”.

Em vez de olhar para o mundo sub specie aeternitatis (da perspectiva da eternidade), nossos homens de letras encaram-no sub specie cadernos-de-cultura dos jornais

Ao contrário de Sartre, penso que não é de se lamentar a indiferença de Balzac diante da agitação política de sua época; nem, tampouco, a “incompreensão amedrontada” (alguns chamariam de discernimento) de Flaubert para com a febre comunista. Ouso imaginar, se me permite o pregador do Café de Flore, que os dois mestres da literatura universal estivessem ocupados com coisas mais interessantes: um retoque no caráter de père Goriot, um suspiro de Bovary. Não terá sido uma grande sorte para a humanidade que Balzac e Flaubert não se tenham distraído muito com as paixões políticas de ocasião? Na hipótese contrária, teriam deixado obras imortais, que resistem ao tempo?

Esta é, de fato, a função da grande obra literária ou intelectual: almejar a eternidade. Antes que a de se congelar no  presente biográfico, a missão do homem de ideias deveria ser a de tentar transcender o instante atual, fazendo com que o presente dialogue com outras épocas, outras vidas, outros modalidades da experiência humana.

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A premissa de Sartre – “já que o escritor não tem meio algum de se evadir…” – é absurda, pois que a função própria da literatura é, justamente, expandir a imaginação moral e, por consequência, arrancar-nos de nossas províncias existenciais, sejam elas de ordem temporal, espacial, política ou cultural. O escritor, o bom escritor, não apenas tem meios de se evadir, como, por graça de Deus, nos levar junto com ele. Daí que Balzac e Flaubert devessem ser leitura obrigatória, enquanto Sartre, opcional.

Mas, infelizmente, o hocus pocus sartreano enraizou-se na intelligentsia brasileira. Disso resulta o nosso obsessivo interesse, no que diz respeito às artes e à atividade intelectual, por temas contemporâneos. Usuais maneirismos cronocêntricos tais como “como pode, nos dias de hoje”, ou “em pleno século 21”, ou ainda “em tempos de redes sociais” parecem querer conferir um estatuto especial à época de quem os utiliza. Na avaliação de um artista ou escritor, busca-se desesperadamente saber se é contemporâneo, atual, moderno. Em vez de olhar para o mundo sub specie aeternitatis (da perspectiva da eternidade), nossos homens de letras encaram-no sub specie cadernos-de-cultura dos jornais.

Enfim, parecemos ter ignorado solenemente a lição do grande historiador Leopold von Ranke, segundo quem “todas as épocas são iguais perante Deus”. A violência, a arrogância, a estupidez e a brutalidade observada no Brasil de hoje – especialmente jovens e adolescentes vitimados por aquelas gigantescas máquinas de despersonalização outrora conhecidas como universidades – derivam, sem dúvida, dessa falta de amplitude de perspectiva temporal, dessa imersão absoluta nas miudezas de seu próprio tempo.

É triste constatar, mas, para todo lugar que se olhe, nos ambientes os mais diversos, em todas as profissões e em todas as classes sociais, o país foi conquistado por grandes hordas de provincianos temporais.