Presidente Lula comparou os supostos agressores do ministro Alexandre de Moraes a “animais selvagens”.| Foto: Secom
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Uma temporada revolucionária – como a que estamos vivendo no Brasil, que passa por uma mudança de regime – costuma ser marcada pela incomum velocidade dos acontecimentos. Mudanças que, em condições normais, talvez jamais acontecessem, ou acontecessem de modo gradativo, levando nisso anos ou décadas, passam a ocorrer de um dia para o outro. De uma semana a outra, a sensação é de que se passaram séculos, tornando difícil ao cidadão comum acompanhar a intensa produção de fatos (e factoides).

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Dias atrás, por exemplo, tínhamos notícia da confissão de um golpe de Estado por parte de Luís Roberto Barroso, ministro do STF que se assumiu integrante do grupo político que derrotou Jair Bolsonaro. “Derrotamos o bolsonarismo” – foi a fala do militante profissional (e juiz eventual) em evento da UNE, sintomaticamente discursando ao lado de Flávio Dino, o comunista que dirige a pasta da Justiça e da Segurança Pública, e do qual o magistrado – que já acelera a sua chegada à presidência da corte – parece ser um companheiro de governo. Quando mal a oposição, enfraquecida e de mãos atadas (como sói acontecer em regimes não democráticos), ensaiava alguma reação e parte da sociedade clamava por uma investigação sobre o que exatamente teria feita Barroso para, na condição de presidente do tribunal eleitoral, “derrotar o bolsonarismo”, eis que o consórcio formado por governo, STF e imprensa amestrada lança uma espessa cortina de fumaça sobre o assunto.

A oportunidade foi a notícia da hostilização sofrida por Alexandre de Moraes no salão de embarque do aeroporto internacional de Roma, para onde o magistrado viajara. Antes que qualquer imagem do ocorrido tivesse sido disponibilizada, e antes que os acusados pudessem apresentar a sua versão, o assim chamado “jornalismo profissional” cravou a narrativa: o ministro havia sido agredido por “bolsonaristas”, que também chegaram a agredir fisicamente o filho de Moraes com um tapa no rosto. Na ausência de imagens que pudessem mostrar o que de fato ocorreu, o jornal O Globo – hoje praticamente indistinguível de um panfleto oficial do regime, a exemplo do Pravda soviético ou do Granma cubano – providenciou uma ilustração dramatizada do episódio, chegando a retratar o filho do ministro, um adulto de 27 anos, com feições de criança. A ilustração baseou-se única e exclusivamente no relato de Moraes.

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Diante da fala do mandatário brasileiro sobre “extirpar” determinado segmento político, lembrei-me imediatamente de frases como as de Adolf Hitler sobre os judeus

O episódio foi a senha para uma nova campanha de criminalização da oposição ao regime lulopetista e, em particular, ao assim chamado “bolsonarismo” – aquele que Barroso dissera ter derrotado. Na Globo News, a voz do consórcio ecoou de maneira paradigmática no comentário da jornalista Natuza Nery. Segundo ela, o ocorrido era a prova mais contundente que o extremismo (de direita, por óbvio, já que não há extremismo de esquerda) não havia acabado com a eleição. “O que pode garantir que situações assim cessem? Punição exemplar (...) e educação política” – declarou Natuza, sem dar maiores detalhes do que entende por “educação política”.

Seguiu-se um frenesi de histrionismo estratégico por parte do consórcio, de acordo com um procedimento que já se tornou padrão. Um caso que deveria ser, no máximo, enquadrado em crime contra a honra, a ser resolvido entre as partes em juízo de primeira instância, é transformado num ato gravíssimo, equiparado ao terrorismo e à tentativa de abolição violenta do Estado de Direito. Reproduzindo esse teatro, e municiada com a demonização do bolsonarismo propiciada pelo episódio, a presidente do STF, Rosa Weber – que, imitando a vice-presidente americana Kamala Harris em relação ao 6 de janeiro, já havia comparado os atos de 8 de janeiro ao ataque japonês à base naval de Pearl Harbor –, autorizou uma inusitada operação de busca e apreensão, de teor claramente vingativo e intimidatório, na residência dos acusados da suposta (é sempre bom ressaltar, pois até agora só temos uma versão parcial do caso) agressão a Moraes. No mesmo diapasão, a Procuradoria-Geral da República solicitou a Moraes que exija das redes sociais em funcionamento no Brasil o fornecimento de uma lista com a identificação de todos os seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em suma, de uma hora para outra, o Estado passa a reivindicar acesso aos dados privados de milhões de cidadãos brasileiros, suspeitos do “crime” de esposar uma determinada orientação político-ideológica, contrária aos mandatários do atual regime, um procedimento característico de regimes totalitários como a Venezuela ou a Coreia do Norte.

Mas o mais grave ainda estava por vir. Discursando em Bruxelas na manhã de hoje, dia 19, ninguém menos que o presidente da República, o descondenado-em-chefe Luiz Inácio Lula da Silva, aproveitou o episódio da suposta agressão ao companheiro Alexandre de Moraes para proferir as seguintes palavras: “Um cidadão desse é um animal selvagem, não é um ser humano (...) Essa gente que renasceu no neofascismo colocado em prática no Brasil tem de ser extirpada”.

Note-se que o presidente da República não se restringiu a comentar individualmente sobre o suposto agressor de Moraes, o que já seria alarmante, sobretudo porque nada ainda permite extrair uma conclusão inequívoca sobre o episódio. O mandatário, amigo e aliado de narcoditadores e criminosos contra a humanidade como Maduro e Ortega, referiu-se a “essa gente”. É “essa gente”, comparada a um animal selvagem, que o presidente da República diz querer extirpar. São esses, segundo os dicionários, os sentidos possíveis do verbo extirpar: “Arrancar pela raiz, extrair (como, em medicina, um cisto, um dente, um tumor etc.). Destruir por completo”.

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“Essa gente”, “um animal selvagem”, “extirpada”. Em períodos recentes, é difícil lembrar de algum líder de qualquer pretensa democracia no Ocidente utilizando abertamente, em público, esse tipo de retórica, a qual, a meu ver, pode perfeitamente ser qualificada como genocida. Com efeito, diante da fala do mandatário brasileiro sobre “extirpar” determinado segmento político, lembrei-me imediatamente de frases como as de Adolf Hitler sobre os judeus: “Já não são seres humanos. São animais. Nossa tarefa não é, portanto, humanitária, mas cirúrgica. Caso contrário, a Europa perecerá sob a doença judia”. Ou a de Lazar Kaganovich, braço-direito de Stalin, sobre os inimigos do Estado soviético: “Pensem na humanidade como um grande e único corpo, mas que, periodicamente, requer algum tipo de cirurgia. Ora, eu não preciso lembrá-los de que não se faz uma cirurgia sem cortar membros, destruir tecidos e derramar sangue”. É a essa cultura política que a frase do petista nos remete.

Hoje, os assim estigmatizados como “bolsonaristas” foram efetivamente reduzidos à condição de párias e inimigos do Estado, indignos, portanto, de todas as garantias constitucionais dadas aos demais cidadãos

Há coisa de um ano, antes ainda da eleição presidencial que levou o lulopetismo de volta ao controle do Executivo, publiquei uma coluna com o título “O estigma do bolsonarismo”. Nela, destacava a virulência da linguagem que a imprensa e o meio jurídico começavam a empregar sistematicamente, e sem qualquer pudor, ao se referir a Bolsonaro, seus eleitores e admiradores. Depois de mencionar casos extremos nos quais uma retórica desumanizadora conduziu ao genocídio, observei:

“No Brasil, não existe obviamente algo similar a esses casos extremos de violência política. No entanto, na esfera da linguagem, já se observa há algum tempo um mecanismo cada vez mais virulento de estigmatização, processo que tem como alvos o presidente Jair Bolsonaro, seus apoiadores e qualquer um que, apenas por não aderir irrestritamente à agenda da oposição, venha a ser marcado com o estigma do bolsonarismo. São recorrentes os exemplos de linguagem estigmatizadora e desumanizadora, utilizada com cada vez menos cerimônia (...) Fulano é bolsonarista, logo, contra ele tudo é permitido – eis, enfim, o silogismo consagrado nas redações, nos estúdios, nos palcos e nos tribunais do Brasil de nossos dias.”

Impressiona constatar como avançamos na direção da violência política. Hoje, os assim estigmatizados como “bolsonaristas” foram efetivamente reduzidos à condição de párias e inimigos do Estado, indignos, portanto, de todas as garantias constitucionais dadas aos demais cidadãos. Basta ver o tratamento desumano a que estão submetidos os presos políticos do 8 de janeiro, dentre eles idosos e doentes (até mesmo um autista, só recentemente liberado), cujo encarceramento prolongado, que já dura mais de seis meses, não se justifica sob nenhum aspecto legal. Mas assusta presenciar o próprio presidente da República empregando essa verborragia desumanizadora, uma verborragia que, ao longo da história, invariavelmente antecedeu e preparou perseguições políticas e assassinatos em massa. E assusta, sobretudo, constatar que, hoje, já não há qualquer instituição, quer estatal, quer civil, disposta a lhe fazer um contundente contraponto. Seguiremos daí na coluna da semana que vem.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]