“Se você sair em busca da verdade, poderá encontrar consolo no final: se sair em busca de consolo, não alcançará nem o consolo nem a verdade, apenas conversa mole e ilusões, para começo de conversa, os quais acabarão no desespero.” (C. S. Lewis, Cristianismo puro e simples)
“Essas são as únicas ideias verdadeiras: as ideias dos náufragos” – pontificou Ortega y Gasset em A Rebelião das Massas, uma frase que o professor Olavo de Carvalho citava frequentemente: “Ortega y Gasset dizia que as únicas ideias que valem são as ideias dos náufragos: na hora em que um sujeito está se afogando, agarrado a uma tora de madeira para não morrer, as coisas nas quais ele ainda acredita nesse momento são sérias para ele; o resto é brincadeira, superficialidade”.
Pois ontem, 13 de setembro de 2023, o país testemunhou a fala de um náufrago. Atuando na defesa de um dos réus nos Processos de Brasília, o ex-desembargador Sebastião Coelho da Silva – que anunciara a sua aposentadoria em 19 de agosto de 2022, insatisfeito com a atuação política de Alexandre de Moraes à frente do Tribunal Superior Eleitoral – rompeu a espessa cortina de silêncio que ora cobre a magistratura nacional para dizer algumas verdades inconvenientes aos ministros do STF. Mal-acostumados pela cultura de elogios em boca própria, por uma imprensa amestrada que lhes envaidece com a imagem de um mundo de fantasia, e pelo estado disfuncional de nossa Nova República, que, na ausência de qualquer sistema de freios e contrapesos, lhes possibilita calar, intimidar e neutralizar os críticos mediante violência política estatal, os ministros decerto não gostaram da fala. E, se já era mal visto na corte – por ter, inclusive, pedido a prisão de Alexandre de Moraes –, agora mesmo é que Sebastião Coelho virava um alvo preferencial do partido da toga. Afinal, sua fala arriscava estragar o roteiro do julgamento-espetáculo cuja finalidade única é consagrar uma narrativa de criminalização de toda uma vertente política.
Encarando de frente os que ele considera como coveiros do direito pátrio, o desembargador e advogado de defesa demonstrou a coragem de dizer o que milhões de brasileiros sentem, mas não podem dizer
Na abertura de sua fala, o desembargador disse ter sido recém-informado de que, no exato dia do julgamento em que atuaria como advogado de defesa de um dos réus do 8 de janeiro, tornara-se alvo de uma reclamação disciplinar aberta pelo Conselho Nacional de Justiça, por ordem do ministro Luís Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça. Salomão – o mesmo que abrira investigação contra a juíza Ludmila Lins Grilo, aposentada compulsoriamente por suas críticas ao STF e ao “Inquérito do Fim do Mundo” – também pediu a quebra do sigilo bancário de Sebastião Coelho, a fim de verificar se ele financiara os atos do dia 8 de janeiro. “É necessária e imprescindível para o esclarecimento acerca de possíveis aportes financeiros a pessoas envolvidas com os acampamentos antidemocráticos que antecederam os atos de caráter terrorista posteriores” – justificou o corregedor.
Em resposta ao ataque político movido pelo CNJ – órgão hoje responsável pela administração forçada de um consenso ideológico no meio jurídico –, Coelho dirigiu-se frontalmente a Salomão: “Eu considero uma intimidação. Digo que Vossa Excelência, ministro Salomão, tentou me intimidar, mas não intimida”. Em seguida, prometeu disponibilizar a sua declaração de Imposto de Renda e os seus extratos bancários, não só para o corregedor, mas, antes mesmo do prazo por ele determinado, também para a imprensa. E defendeu a própria honra, se não mesmo a honra da magistratura nacional, nos seguintes termos: “Não tenho nada a esconder e não me intimido com absolutamente nada. Sou um homem idoso, 68 anos, com alguns probleminhas de saúde. Posso morrer a qualquer momento e não tenho mais tempo para ter medo de nada”.
Não sei qual é o estado de saúde de Sebastião Coelho, ou se ele padece de alguma doença terminal. Mas, quer seja literal ou figurada a proximidade da morte no seu caso, parece-me claro que o homem se exprimiu da perspectiva realista de quem não encara a morte como escândalo, mas, concretamente, como uma possibilidade de rever a própria vida de maneira franca, sem superficialidade, à luz do Juízo Final.
É esse o significado de não ter mais tempo de temer. A postura do desembargador foi completamente sui generis no ambiente jurídico nacional, prenhe de estetismo, e repleto de rapapés, salamaleques e frivolidades. Sebastião não deu nem levou tapinhas nas costas, não cometeu ou aceitou reverências fúteis, não desperdiçou o dom da palavra com bacharelês e retórica afetada e, sobretudo, não sorriu amarelo. Encarando de frente os que ele considera como coveiros do direito pátrio, o desembargador e advogado de defesa demonstrou a coragem de dizer o que milhões de brasileiros sentem, mas não podem dizer. Depois de desmascarar a teoria da conspiração segundo a qual o 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe de Estado, apontar a ilegalidade de um julgamento penal de réus sem prerrogativa de foro ter lugar num tribunal constitucional, e denunciar o caráter escandalosamente político e teatral do processo, Sebastião apontou para os ministros da corte e lhes dirigiu estas palavras: “Nessas bancadas aqui, nos dois lados, estão as pessoas mais odiadas deste país (...) Vossas Excelências têm de ter a consciência de que são pessoas odiadas neste país. Essa é uma realidade que Vossas Excelências têm de saber, e alguém tem de dizê-lo diretamente”.
Foram palavras muito arriscadas para se dizer num ambiente contaminado por extremismo ideológico, alienação e húbris. Mas, ilhado após o naufrágio da magistratura nacional, o desembargador aposentado falou como um náufrago, e por isso mesmo deve ser levado a sério.
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