Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil| Foto:

Notícias da “Nova Era”, 2 de janeiro de 2019. As luzes fluorescentes de seu gabinete mal haviam firmado, o cafezinho ainda por fazer, e o novo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, já anunciava a sua primeira medida à frente da pasta: a extinção de uma das secretarias do Ministério da Educação, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), desde agora substituída por uma nova secretaria voltada única e exclusivamente para a alfabetização. Diante da notícia, não contive um entusiasmo quase dacioliano. “Glória a Deus!” – pensei com os meus botões.

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Para a surpresa de ninguém, choramingam a esquerda partidária e a extrema-imprensa, essa parcela do jornalismo que trocou a notícia pela militância, e que quase já não mais se distingue daquela, engajada que está, como ela, na “resistência” ao novo governo. Ao avaliar a medida do ministro Vélez Rodriguez, os heróis da resistência demonstram notável confusão entre palavras e coisas. Como se imaginassem que a palavra cachorro pudesse latir e abanar o rabo, garantem que a extinção de uma secretaria nominalmente voltada à promoção de inclusão e diversidade resultará numa educação excludente e pouco diversa, tal qual, no passado, decretaram que a extinção do Ministério da Cultura poria fim à cultura nacional.

Com efeito, a indistinção entre o nome burocrático de um órgão governamental e a substância concreta da qual formalmente se ocupa parece ser um vício do debate público brasileiro. “A Secadi foi criada em 2004 com o objetivo de fortalecer a atenção especial a grupos que historicamente são excluídos da escolarização” – diz a matéria da Folha de S.Paulo, induzindo os leitores a lamentar o fim da secretaria e, consequentemente, hostilizar o novo ministro da Educação, sujeito decerto insensível aos grupos “historicamente excluídos da escolarização”. Ocorre que, como escreveu certa vez George Orwell, “a linguagem política precisa consistir, em larga medida, em eufemismos”. Os eufemismos abundam, sobretudo, na terminologia oficial adotada por movimentos e regimes totalitários. Não há nada de particularmente assustador, por exemplo, nos nomes burocráticos de entidades tais como Comissariado do Povo para Assuntos Internos (a NKVD) ou Comitê de Segurança do Estado (KGB). “Comissariado do Povo”? Parece até algo bastante inclusivo, não? “Segurança do Estado”? Quem poderia se opor? Por que condenar Auschwitz – talvez dissessem, à época, jornalistas brasileiros simpáticos àquele outro partido dos trabalhadores – se o campo não passava de um lugar dedicado a libertar o homem por meio do trabalho, como se lia no alto de seus portões?

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Ora, deveria ser óbvio (mas para muito formador de opinião no Brasil não é) que a rubrica oficial de um dispositivo ou política de governo, bem como o slogan propagandístico com o qual é vendido, não constitui base confiável para a apreciação de seus méritos. Para julgar a qualidade de um ministério ou de uma secretaria é preciso ir além do nome, na direção da “coisa em si”. E, em relação à Secadi, o que se descobre por trás do nome cunhado com esmero para iludir inocentes é a conhecida retórica divisionista do lulopetismo, que, nada tendo a ver com inclusão e diversidade reais, apenas prolongava o velho projeto socialista de dissolução da sociedade presente com vistas à criação do “homem novo”.

Examine-se, por exemplo, o conteúdo de um dos cadernos temáticos da Secadi sobre gênero e diversidade sexual na escola, editado em 2007, durante o segundo mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, quando o ministro da Educação era Fernando Haddad. A pretexto de combater a homofobia a partir das escolas, tratava-se, na verdade, de mover uma guerra cultural contra aquilo que os ideólogos chamavam de heteronormatividade: uma pretensa norma que, na base da imposição, garante o predomínio da heterossexualidade entre os seres humanos. Segundo a lógica dos autores do material, que é exatamente a mesma da militância LGBT contemporânea, o “viés heterossexual” das instituições sociais é uma imposição violenta fruto de uma tradição cultural espúria. Filhos de um híbrido de marxismo com a chamada “esquerda nietzschiana”, os ideólogos da Secadi acreditavam que, uma vez que tudo se resume à política e à vontade de poder, a heterossexualidade não podia ser mais que uma forma de ideologia dominante. Como se lê textualmente em trecho do referido caderno: “As políticas educacionais precisam levar em conta as discussões acerca da função social da escola na construção de masculinidades e feminilidades contrapostas ao modelo convencional, masculino, heteronormativo, branco e de classe média”.

Aí está o objetivo real, declarado abertamente num material de consumo interno dos agentes de transformação social infiltrados pelo lulopetismo no sistema de ensino: a “construção de masculinidades e feminilidades contrapostas ao modelo convencional, masculino, heteronormativo, branco e de classe média”. Não se trata de ajudar as crianças a superar preconceitos e aceitar diferenças. Trata-se, em vez disso, de substituir o “modelo convencional” de identidade sexual que herdaram da família por aquele que os educadores revolucionários julgam mais afeito aos seus objetivos políticos. Como falar em inclusão aí, se é toda a classe média (que, a se acreditar nos dados oficiais do lulopetismo, corresponde a mais de 50% da população brasileira) que deve ficar de fora do novo modelo de “masculinidades e feminilidades”? Como falar em diversidade, se representantes do modelo convencional, “masculino, heteronormativo e branco”, serão mal vistos na sociedade ideal concebida pelos ideólogos da Secadi?

Não, a Secadi não foi criada para promover inclusão ou diversidade. Foi criada, isso sim, para orientar a política de reengenharia social e psicológica que o regime lulopetista concebeu para escolas brasileiras, onde as crianças deveriam ser desenraizadas e “libertas” da herança cultural familiar. Em outro trecho do panfleto, destaca-se “a importância de se discutir a educação escolar a partir de uma perspectiva crítica e problematizadora, questionar relações de poder, hierarquias sociais opressivas e processos de subalternização ou de exclusão, que as concepções curriculares e as rotinas escolares tendem a preservar”. Na sequência, a escola é novamente descrita como “um local de questionamento das relações de poder e de análise dos processos sociais de produção de diferenças e de sua tradução em desigualdades, opressão e sofrimento”. Trata-se, em suma, da velha pedagogia paulofreiriana do oprimido, que usa a educação como meio para pregação marxista barata e converter os alunos em massa de manobra de um projeto político revolucionário.

Como bem escreveu a filósofa Hannah Arendt: “O papel desempenhado pela educação em todas as utopias políticas, desde a Antiguidade até os nossos dias, mostra bem como pode parecer natural querer começar um mundo novo com aqueles que são novos por nascimento e por natureza… É por esta razão que, na Europa, a crença de que é necessário começar pelas crianças se se pretendem produzir novas condições tem sido monopólio principalmente dos movimentos revolucionários com tendências tirânicas, movimentos esses que, quando chegam ao poder, retiram os filhos aos pais e, muito simplesmente, tratam de os endoutrinar”. Logo, o ministro Vélez Rodriguez acertou em cheio ao iniciar o seu mandato à frente do MEC com a extinção de mais esse entulho totalitário da era lulopetista, um bom primeiro passo em direção à despetização da educação brasileira.

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