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Flavio Gordon

Flavio Gordon

Sua arma contra a corrupção da inteligência. Coluna atualizada às quartas-feiras

Sexlib não é política pública (parte 2)

O papa Bento XVI durante visita ao Brasil, em 2007. (Foto: Rodolfo Buhrer/Arquivo Gazeta do Povo)

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“Os profetas da revolução sexual pretenderam esvaziar a relação entre os sexos de todo significado moral, assim destruindo os costumes e instituições que a regem” (Theodore Dalrymple, “Tough Love” – City Journal, 1999)

“A ciência e a religião lutam juntas uma batalha constante, perpétua, incansável contra o ceticismo e o dogmatismo, contra a descrença e a superstição. O fio condutor dessa luta vem do passado e estende-se para o futuro: em direção a Deus” (Max Planck, Religião e Ciência, 1938)

No artigo da semana passada, mostrei como grande parte dos nossos jornalistas, em conformidade com o clima de opinião hegemônico nas redações mundo afora, sente verdadeira ojeriza por opiniões como as que o papa Bento XVI e a ministra Damares Alves emitiram, respectivamente, sobre a epidemia de Aids na África e a alta incidência de adolescentes grávidas no Brasil, opiniões que logo recebem a pecha de fundamentalistas religiosas e anticientíficas.

Vimos que, na perspectiva do pontífice e da nossa ministra dos Direitos Humanos, aquelas mazelas sociais não podem ser solucionadas apenas via campanhas de distribuição de preservativos (aparentemente a única alternativa concebível por uma classe falante intoxicada de ideologia Sexlib). Sem a adoção de um comportamento sexual mais responsável e menos hedonista, a mera distribuição de preservativos (não raro indissociável da premissa oculta da revolução sexual) pode agravar o problema em vez de remediá-lo.

As melhores evidências científicas corroboram as intuições de Bento XVI e Damares Alves sobre a abstinência sexual

Tratando do recente projeto da sua pasta, inspirado na política do “Eu escolhi esperar”, a ministra Damares fez questão de esclarecer que não pretende excluir os programas de distribuição de preservativos, mas complementá-los com uma campanha de incentivo a uma vida sexual mais digna. Disse ela em entrevista a esta Gazeta do Povo: “Por muitos anos, o tempo todo, o Brasil só ofereceu para o jovem alguns métodos de prevenção à gravidez, que era a camisinha, o preservativo, o anticoncepcional e outros métodos para os jovens e para adolescentes. Mas tem um método muito eficaz. Esse método, eu vou falar ‘abstinência’, porque é o termo certo. Mas eu posso chamar também de retardar o início da relação sexual, e trazer para a relação sexual, conversar com os jovens, sobre sexo e afeto”.

Embora jornalistas como Flávia Oliveira queiram estigmatizar esse tipo de opinião como “retrocessos de motivação religiosa”, e conforme eu havia adiantado ao fim do meu artigo anterior, as melhores evidências científicas corroboram as intuições de Bento XVI e Damares Alves.

Quem o afirma é, por exemplo, uma das maiores autoridades mundiais no assunto: o antropólogo médico Edward C. Green, pesquisador sênior da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, na qual atuou como diretor do Projeto de Investigação e Prevenção da Aids do Centro de Estudos sobre População e Desenvolvimento, com uma experiência de mais de 30 anos dedicados à elaboração de estratégias para o combate à doença em países do Terceiro Mundo, sobretudo na África.

Em 2009, quando Bento XVI emitiu a opinião que tanto escandalizou a imprensa mundial, Green publicou no Washington Post um artigo intitulado “Camisinhas, Aids e África – o papa estava certo”, no qual dizia que, a despeito de toda a gritaria dos críticos, as evidências empíricas recentes corroboravam a fala de Bento XVI. “Nós, progressistas que trabalhamos no ramo do combate global à Aids e do planejamento familiar, assumimos riscos terríveis ao nos alinharmos ao papa em temas polêmicos como esse” – escreveu Green. “A camisinha tornou-se um símbolo de liberdade e – juntamente com a contracepção – emancipação feminina, de modo que os críticos da ortodoxia do preservativo tendem a ser acusados de rejeitar essas causas”.

Com a ressalva de estar se referindo particularmente à situação africana, Green afirmava que, contrariamente ao que pode ocorrer em outros contextos bem específicos, na África as políticas baseadas na mera distribuição de camisinhas têm se revelado um retumbante fracasso. Dentre as razões, destaca-se a que o antropólogo chama de “compensação de risco”. Ou seja, quando as pessoas se imaginam plenamente protegidas pelo preservativo, tendem a adotar comportamentos sexuais mais arriscados.

Portanto, ao falar que, na ausência de um comportamento sexual responsável, a distribuição de camisinhas poderia agravar o problema, tudo o que o papa fez foi, nas palavras de Green, “sintetizar as mais recentes descobertas científicas sobre a prevenção da Aids na África”.

Na África as políticas baseadas na mera distribuição de camisinhas têm se revelado um retumbante fracasso

O que deu certo na África, argumenta o pesquisador, foi justamente aquilo de que os pregadores do Sexlib não querem nem ouvir falar: a mudança no comportamento sexual da população, com ênfase na redução de parceiros, fidelidade conjugal e – sim! – abstinência (ou adiamento da iniciação sexual).

Em campo, o antropólogo de Harvard foi testemunha ocular do mais bem-sucedido caso de combate à Aids da história: Uganda. De 1991 a 2004, com base numa política pública que o próprio Green apelidou de ABC (sigla em inglês para abstinência, fidelidade e camisinha), e na qual a distribuição de preservativos não é o foco principal, o país africano reduziu em dois terços os seus índices de contaminação. O contingente de soropositivos, que antes representava 15% da população, passou a ser de apenas 5% depois que o governo lançou uma eficiente (e barata) campanha de marketing social contra o sexo inconsequente.

Tendo chegado a Uganda em 1993, como parte de uma equipe de pesquisa sobre doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), Green pôde observar os detalhes da implementação da política ABC original, então ainda inteiramente nativa, e livre da interferência da multidão de organizações internacionais, ONGs, fundações e entidades filantrópicas que costumam atuar em tais contextos.

Já no início da epidemia, percebendo a dimensão do perigo representado pelo vírus HIV, o presidente Yoweri Museveni lançou ampla campanha publicitária de incentivo à fidelidade conjugal e à iniciação sexual tardia. Por meio da parceria com organizações religiosas e curandeiros tradicionais, e priorizando as categorias sociais mais vulneráveis (jovens e mulheres), o governo ugandês foi capaz de engajar toda a sociedade, promovendo uma mudança geral de comportamento que levou àquela redução significativa no número de infecções.

Green registrou os resultados dessa experiência em seu primeiro livro, Rethinking Aids Prevention: Learning from Successes in Developing Countries. Na obra, afirma-se categoricamente que, ao menos em se tratando da África, o incentivo à mudança comportamental é mais eficaz do que a distribuição de camisinhas, e que a estratégia ABC deveria ser exportada para outros países do continente, quiçá alhures. Junto com outros estudiosos, o antropólogo passou a bater insistentemente nessa tecla, participando de comissões governamentais, e assumindo cargos importantes no universo do combate global à Aids.

Qual então não terá sido a sua surpresa ao perceber que, quando os “especialistas” do establishment ocidental do combate à Aids puseram os pés em Uganda, blindados por uma carapaça de preconceitos politicamente corretos, a política ABC começou a sofrer alterações cruciais? A partir dali, contrariando as lições da experiência, “A” e “B” passaram a ser paulatinamente ignorados, recaindo todo o investimento sobre “C” – ou seja, a distribuição de preservativos. O resultado? Para Green, era previsível: os índices de infecção voltaram a subir.

Aidslândia é um verdadeiro cartel político-financeiro formado por uma miríade de atores, todos comprometidos com os valores da revolução sexual

As evidências do fracasso das campanhas focadas unicamente na distribuição de preservativos eram abundantes. No entanto, foram sistematicamente ignoradas pelos experts ocidentais, habitantes daquilo que, em referência a uma obra crítica ao “mundo de (George W.) Bush”, Green passou a chamar de “o mundo da Aids” – ou, como prefiro traduzir, Aidslândia.

Aidslândia é um verdadeiro cartel político-financeiro formado por uma miríade de atores, e dividido, grosso modo, em duas camadas. Na camada superior – financiada pelos pagadores de impostos –, estão os acionistas ou beneméritos originais, que incluem governos de países do Primeiro Mundo, multinacionais como o Banco Mundial, organizações internacionais (ONU, Unaids etc.) e grandes fundações com viés ultraprogressista, tais como Gates, Soros, Clinton, Ford, Hewlett e Packard.

Na camada inferior, acham-se os prestadores dos serviços de filantropia, incluindo organizações (nominalmente) sem fins lucrativos tal como a CARE, a Save The Children, a Family Health International, a Population Services International, entre outras. Essa é a zona de atuação direta dos ativistas LGBT e feministas que operam no ramo, bem como de lobistas e fornecedores de camisinhas, todos invariavelmente comprometidos (uns por ideologia, outros por interesse comercial) com os valores da revolução sexual, e ansiosos para impor esses valores ao continente africano.

Confrontado com o poder e a obstinação desse establishment filantrópico, e consternado pelas milhões de vidas que poderiam ter sido salvas caso a experiência original ugandesa houvesse sido tomada por referência, Green resolveu bater de frente com Aidslândia – responsável, segundo ele, por um “desastre global de proporções épicas”, mas que era também, por outro lado, “a epidemia mais evitável da história”.

O registro das muitas batalhas dessa guerra (que lhe custou seguidos boicotes acadêmicos e campanhas de assassinato de reputação) está em seu segundo livro, Broken Promises: How the Aids Establishment has Betrayed the Developing World, no qual Green descreve como a cosmovisão progressista das elites culturais do Ocidente (que, de resto, coincide com a dele próprio) deturpou as agendas de combate à Aids no Terceiro Mundo. A ideologia do Sexlib, em particular, fez com que toda sugestão de uma mudança de comportamento sexual fosse rejeitada a priori, por opressiva e contrária ao progresso supostamente universal dos costumes. Nas palavras do autor: “A mensagem do sexo seguro passou a significar: desde que use camisinha (especialmente as que nós fornecemos, com controle de qualidade), você pode continuar desfrutando de todo o sexo que quiser. Em 2006, um cartaz fotografado por um colega na Guiné mostrava pictograficamente que ‘pênis + vagina + camisinha = risco zero’. E também que ‘pênis’ + ‘ânus’ + camisinha = risco zero’”.

Paralelamente, seguindo uma prática com a qual todo não esquerdista está acostumado, a Aidslândia tratou de estigmatizar os críticos e os céticos, lançando-lhes sem titubear a pecha de reacionários, fundamentalistas, homofóbicos etc. “Em Aidslândia” – escreve Green –, “estigmatizamos todos os que recomendam moderação sexual”.

A Aidslândia tratou de estigmatizar os críticos e os céticos, mas as evidências continuam ao lado dos estigmatizados

As evidências continuam ao lado dos estigmatizados, todavia. Além de Green, vários outros pesquisadores sobre Aids, tanto na África quanto em outros continentes, vêm confirmando a maior eficácia das estratégias de tipo ABC quando comparadas às do “código camisinha” (apelido dado por Green ao paradigma do sexo livre e seguro). Em 2011, para citar um exemplo, um estudo publicado no site PloS Medicine (e à época comentado por Marcio Antonio Campos aqui nesta Gazeta do Povo) analisava as causas da redução dos índices de incidência da doença no Zimbábue (uma queda de 13% entre 1997 e 2007).

Coautorado por uma equipe de pesquisadores vinculados a instituições como Harvard, ONU e o Imperial College de Londres, bem como a universidades locais, a pesquisa constatava que, se as estatísticas referentes ao uso da camisinha haviam se mantido estáveis no período considerado, o comportamento sexual de risco (incluindo sexo extraconjugal, prostituição e multiplicidade de parceiros sexuais) diminuíra consideravelmente, sendo essa a causa principal do recuo dos índices de infecção.

Dentre as muitas conclusões importantes do estudo, uma se impõe de maneira definitiva: “É amplamente reconhecido que a mudança comportamental deve permanecer o núcleo central dos esforços de prevenção” – dizem os autores (grifos meus).

Não é, decerto, uma conclusão que agrade a ignorantes presunçosos como muitos dos nossos jornalistas, tão ciosos de seu papel de guardiões da razão científica contra o obscurantismo religioso. Não há de agradar, por exemplo, a nossa já citada Flávia Oliveira, que, em vez de consultar pesquisas científicas reais antes de falar sobre o assunto, preferiu recorrer ao ativismo fantasiado de ciência de suas camaradas da “Rede Feminista de Ginecologia e Obstetrícia”. Em suma: um fiasco completo.

Quanto à ministra Damares Alves, essa parece, ao menos, estar na trilha certa…

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