O presidente Lula e o ministro Paulo Pimenta durante evento em São Leopoldo (RS).| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República
Ouça este conteúdo

“Então, termina sendo o abrigo uma espécie de paraíso.” (Luiz Inácio Lula da Silva, mandatário brasileiro, em 15 de maio de 2024)

CARREGANDO :)

Em São Leopoldo, um dos municípios mais afetados pelas enchentes no Rio Grande do Sul, parece que o show da Madonna não terminou. Sim, tal como no evento-catarse na Praia de Copacabana, no qual pulularam tentativas kitsch de “arte” blasfema anticristã e propaganda esquerdista de DCE, recendeu a pornografia (só que política) o evento montado pelo regime lulopetista na cidade rio-grandense. Ali, como em tudo o mais promovido pelo PT, o que deveria ser uma reunião dedicada aos esforços de ajuda humanitária às vítimas da tragédia transformou-se em comício e ostentação teatral de virtudes inexistentes.

Quando da vitória do atual mandatário na heterodoxa eleição de 2022, lembro-me de ter publicado aqui na coluna um singelo poema de desgosto. Intitulado “De bode”, e composto por versos alexandrinos (pelo que quero dizer versos de 12 sílabas métricas, bem entendido, sem qualquer referência a personagens de nossa República Democrática Popular e Lagosteira), o poema destacava uma característica do atual mandatário brasileiro, a saber: o seu dom de “barganhar” e “apoucar” tudo no que se envolve. Pois não é que o sujeito conseguiu apoucar e apequenar um evento que, no caso de qualquer líder político respeitável, seria marcado por demonstrações de grandeza, solidariedade e desinteressada compaixão? E, como o vício político é contagioso, diga-se que o rebaixamento promovido pelo líder transbordou necessariamente para os seus acólitos. Como no verso de Antonio Machado: “Cuán difícil es, quando todo baja, no bajar también”.

Publicidade

O que deveria ser uma reunião dedicada aos esforços de ajuda humanitária às vítimas da tragédia no Rio Grande do Sul transformou-se em comício e ostentação teatral de virtudes inexistentes

Pois muitos baixaram no indecente comício de São Leopoldo, evento-símbolo de uma série de posturas e medidas aviltantes tomadas por políticos, militantes e propagandistas de esquerda desde o início da tragédia. O sinal mais evidente desse rebaixamento geral foi o exibicionismo estatal e o ciúme satânico do governo em relação à caridade civil espontânea, sobre o qual já discorri na semana passada. Foi esse ciúme, por exemplo, que fez o líder do regime indicar para o cargo de ministro especial para a reconstrução do Rio Grande do Sul ninguém menos que Paulo Pimenta, antes ministro da propaganda e hoje governador rio-grandense de fato, uma vez que o timorato Eduardo Leite, auto-humilhado por sua própria ausência de virtudes, foi cassado sem oferecer resistência.

Sem qualquer feito digno de nota referente ao auxílio às vítimas das enchentes – e, a bem da verdade, sem qualquer feito digno de nota em geral, exceto o de disseminar teorias da conspiração como a da “fakeada” em Bolsonaro –, o sujeito foi premiado única e exclusivamente por sua obstinada dedicação a perseguir e censurar os críticos do regime, o que, por si só, basta para demonstrar a real preocupação lulopetista em relação à tragédia. A presença de uma tal criatura no evento, e sua promoção a “reconstrutor” do Rio Grande do Sul, foi um ato de escárnio com todos aqueles indivíduos e organizações que, diante da letargia paquidérmica e da ineficiência estatal, empenharam esforços heroicos para os primeiros socorros às vítimas. Pela postura tirânica do comissário Pimenta, fica claro que, em lugar de reconstruir o estado afetado, o que o governo quer reconstruir é a própria imagem, gravemente danificada aos olhos da sociedade. Esperando por um Plano Marshall, os gaúchos receberam o Plano Pepper.

A ostentação de generosidade e a afetação de empatia por parte do regime foram teatralizadas do início ao fim. E, dentre os muitos atores canastrões da peça, destaca-se a senhora Janja da Silva, uma espécie de ministra informal de propaganda e, segundo denúncia de uma ex-colaboracionista ressentida, comandante de uma verdadeira milícia digital pró-governo. Começando pelo sensacionalismo em torno do cavalo Caramelo, e culminando na inusitada foto do avião presidencial com kits de ajuda humanitária ocupando cada um dos assentos (numa clara subutilização do espaço), todas as iniciativas da primeira-dama visaram tão somente à autopromoção.

Diante de um tal teatro macabro – que contou com a animada presença de um cada vez mais militante e menos magistrado Luís Roberto Barroso –, não pude deixar de lembrar daquilo que, em O Caminho de Swann (primeiro volume de Em Busca do Tempo Perdido), Marcel Proust comenta sobre a bondade genuína:

Publicidade

“Quando tive mais tarde ocasião de encontrar, no curso da vida, em conventos, por exemplo, encarnações verdadeiramente santas da caridade ativa, tinham geralmente um ar alegre, positivo, indiferente e brusco de cirurgião apressado, essa fisionomia em que não se lê nenhuma comiseração, nenhum enternecimento diante da dor humana, nenhum temor de feri-la, e que é a fisionomia sem doçura, a fisionomia antipática e sublime da verdadeira bondade.”

O espetáculo grotesco de caridade estatal encenado em São Leopoldo foi repleto de exibicionismo moral, pieguice, narcisismo, espalhafato, autocomiseração, roubo de méritos alheios e autopromoção às custas das vítimas

Com uma evidente alusão bíblica, o trecho recorda a passagem dos Evangelhos na qual Jesus Cristo trata da autêntica caridade, também ela discreta, sem comiseração, sem doçura e, sobretudo, sem autopromoção:

“Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte não tereis galardão junto de vosso Pai Celeste. Quando, pois, deres esmola, não toques trombetas diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, ao dares a esmola, ignore a tua esquerda o que faz a tua direita, para que a tua esmola fique em segredo; e teu Pai, que vê em segredo, recompensar-te-á.” (Mt,6,1-4)

Nada podia ser mais distante do espetáculo grotesco de caridade estatal encenado em São Leopoldo, repleto de exibicionismo moral, pieguice, narcisismo, espalhafato, autocomiseração, roubo de méritos alheios e autopromoção às custas das vítimas. Aos promotores de uma tal pantomima, resta, mais uma vez, o recado dos Evangelhos: “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície. Assim são vocês: por fora parecem justos ao povo, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e maldade” (Mt,23,27-28).

Publicidade
Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]