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“Os Twitter Files continuam a revelar a extensão com que funcionários do governo americano, abusando da estrutura oficial do Estado, exerceram pressão sobre as redes sociais e se articularam com elas para restringir a liberdade de expressão na América.” (senador Ted Cruz)
Quando, no fim do ano passado, jornalistas independentes começaram a ter acesso aos documentos internos dos Twitter Files, seu foco recaiu inicialmente sobre a plataforma, que parecia formar uma espécie de poder acima do Estado. Mas o exame mais aprofundado do material logo sugeriu que, em vez disso, a rede social era algo como uma parceira do Estado. Junto com o Facebook, o Instagram e outros representantes das Big Techs, o Twitter mantinha encontros de trabalho regulares com o FBI e o Departamento de Segurança Nacional (DHS), tendo desenvolvido um sistema formal de recebimento de milhares de alertas sobre conteúdo provenientes dos quatro cantos do governo americano, do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS), da Secretaria do Tesouro, da Agência de Segurança Nacional (NSA), e até de polícias locais. E-mails remetidos pelo FBI, pelo DHS ou por outras agências governamentais vinham acompanhados de extensas planilhas com centenas de milhares de contas para revisar. Frequentemente, essas contas eram deletadas logo depois.
A esse “consórcio” formado pelo deep State, as redes sociais e uma ampla rede de ONGs e instituições acadêmicas formalmente criadas para “monitorar” a internet, os jornalistas que primeiro tiveram acesso aos Twitter Files começaram a chamar de “complexo industrial da censura”. O que os documentos revelaram foi a existência de um grande conluio entre agências governamentais, instituições acadêmicas, ONGs, redes sociais e o Partido Democrata para censurar cidadãos a respeito de vários assuntos, incluindo a origem do Sars-CoV-2, a eficácia e a segurança das vacinas, o laptop de Hunter Biden, a integridade eleitoral, as mudanças climáticas e os combustíveis fósseis, entre outros temas.
Para mobilizar os recursos estatais com vistas a impedir a livre expressão política de um indivíduo, o governo e sua rede de organizações já não precisam provar que ele é terrorista ou extremista. Basta alegar – sem ter de provar – que a opinião por ele expressa nas mídias sociais é errada
Ao lado de seus colegas Matt Taibbi e Bari Weiss, o jornalista Michael Shellemberger foi um dos que examinaram em primeira mão os documentos internos do Twitter. No dia 9 de março, em depoimento a um comitê da Câmara de Representantes dos EUA que investiga o uso das estruturas do governo federal para a perseguição política a adversários e, mais particularmente, o fomento do governo democrata à censura doméstica, ele começou a destrinchar a intrincada engenharia do “complexo industrial da censura”. O termo remonta ao célebre discurso de despedida proferido em 1961 por Dwight Eisenhower, no qual o então presidente americano alertava sobre “a influência indevida exercida pelo complexo militar-industrial”. Eisenhower temia que esse “complexo”, formado por empresas contratadas pelo governo e o Departamento de Defesa, pudesse “ameaçar nossas liberdades e os nossos processos democráticos”, tornando as políticas públicas “cativas de uma elite científica e tecnológica”.
Segundo Shellemberger, a história parece ter dado razão a Eisenhower, pois hoje os contribuintes americanos têm sido forçados a financiar justamente um complexo industrial da censura dirigido por uma elite científica e tecnológica que, atacando frontalmente o princípio consagrado da liberdade de expressão, ameaça a mais paradigmática democracia moderna. Em seu depoimento, o jornalista faz referência a uma série de organizações – o Instituto Aspen, o Observatório da Internet da Universidade de Stanford, a Universidade de Washington e o Virality Project, dentre muitas outras – que mantêm laços indevidos com o Departamento de Defesa, a CIA e outros órgãos de Estado. Sua atuação não consiste em propor abertamente um debate público sobre, por exemplo, os limites da Primeira Emenda à Constituição americana, que impede o Congresso de restringir direitos fundamentais como a liberdade de expressão e de imprensa. Em vez disso, o que fazem é criar listas negras de usuários-alvo, e em seguida pressionar e chantagear as redes sociais para que os censurem, reduzam-lhes o alcance e acabem excluindo-os definitivamente da internet.
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O complexo industrial da censura combina métodos tradicionais de manipulação psicológica, muitos dos quais desenvolvidos pelas Forças Armadas americanas durante a assim chamada “Guerra ao Terror”, com ferramentas tecnológicas altamente sofisticadas, incluindo a inteligência artificial. Boa parte de seus membros – esse é um dado significativo – provêm da comunidade de inteligência e segurança nacional, tendo transitado do combate aos terroristas da Al-Qaeda ou do Estado Islâmico, ou aos hackers russos e chineses, para o monitoramento e a perseguição de cidadãos comuns e figuras públicas politicamente indesejáveis. O parâmetro para o recurso ao aparato governamental de defesa e inteligência foi inicialmente flexibilizado de combate ao terrorismo para combate ao “extremismo” e, em seguida, à “desinformação”. Em suma, para mobilizar os recursos estatais com vistas a impedir a livre expressão política de um indivíduo, o governo e sua rede de organizações já não precisam provar que ele é terrorista ou extremista. Basta alegar – sem, ademais, ter de provar – que a opinião por ele expressa nas mídias sociais é errada.
Entre outras organizações, Shellemberger refere-se ao já mencionado Instituto Aspen, e ao congresso ali ocorrido, em agosto de 2021, sobre “desordem informacional”, evento que o jornalista apelidou jocosamente de “Woodstock da censura”. O documento redigido ao fim do festival de psicodelia censora foi coautorado pela veterana jornalista Katie Couric e o já mencionado Chris Krebs, fundador e ex-diretor da Agência de Segurança Cibernética e Infraestrutura (Cisa) do DHS. Sua conclusão foi a de que o Estado deveria ter todo acesso aos dados dos usuários das redes sociais, de modo a facilitar a busca por “fake news” e “discurso de ódio”. As redes deviam criar um campo de observação para incluir os influencers culpados de “mau comportamento”, que seriam eventualmente desmonetizados, sujeitos a “shadow banning” – outra prática que os executivos das redes negavam, mas que os Twitter Files provaram existir – e até mesmo banidos de modo definitivo.
Ao fim e ao cabo, o que os Twitter Files revelaram foram as engrenagens desse incestuoso e autoproclamado esquadrão da verdade, cujos operadores transitam livremente entre o universo da inteligência e da segurança nacional e o do setor privado. Hoje, os brasileiros também estão começando a descobrir o quão global é esse processo, que, em nossas paragens, avança numa velocidade estonteante, mesclando as versões americana e chinesa da tecnologia da censura.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos