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A bolha

Foto: Evaristo Sá/AFP (Foto: )

(Estou interrompendo minha sequência de artigos sobre os candidatos para abordar um assunto que considero de tremenda relevância, dado o nível astronômico de vexame que a imprensa brasileira acabou de passar)

A semana passada deu dois momentos históricos para a imprensa brasileira, ambos envolvendo Jair Bolsonaro. Infelizmente, foram momentos negativamente históricos, daqueles que servirão como exemplo do que não se deve jamais fazer em uma entrevista com um candidato à Presidência ou a qualquer outro cargo público.

A semana começou com a participação de Bolsonaro no programa Roda Viva, que já foi sinônimo de jornalismo sério quando Augusto Nunes estava em seu comando. O que se viu em quase 80 minutos foi um retrato fidedigno, em alta definição e som estéreo, da completa falência do jornalismo nacional. As perguntas feitas ao candidato variaram entre, no melhor caso, lacração ideológica para tentar promover as pautas da esquerda e, no pior caso, aglomerados de palavras sem sentido, com menos elaboração cognitiva que as frases de meu filho de 3 anos. A coisa foi tão bizarra que acabou tirando o foco do programa de Jair Bolsonaro e colocando-o sobre os entrevistadores. Uma festa de inaptidão, incompetência, desonestidade, obtusidade e asnice.

Apenas quatro noites depois, o mesmo Bolsonaro foi entrevistado na Globo News. Dessa vez, alertados pelo fracasso humilhante dos entrevistadores do Roda Viva, a turma escolhida pela Globo resolveu fazer algumas perguntas pertinentes e dignas de uma sabatina com um possível futuro presidente da República. Mas, assim como na fábula do escorpião, em que o aracnídeo traiçoeiro não consegue se controlar e aferroa o sapo bem no meio da lagoa, morrendo afogado junto com sua vítima, a maioria dos entrevistadores acabou passando à lacração na parte final do programa. Acontece que Bolsonaro não é como o sapo da história; além de se livrar da ferroada, destroçou o escorpião e exibiu seus pedaços publicamente. O Brasil inteiro viu o momento mais constrangedor, ridículo, patético e inacreditável da história da imprensa televisiva nacional (quiçá da mundial): Miriam Leitão repetindo como um robô defeituoso o que a direção do programa lhe passava pelo ponto eletrônico. Creio que seja impossível que ela cave um poço mais fundo que esse em que se meteu. Seu único consolo é ter se tornado a recordista de memes da semana e de ter inspirado diversas paródias cômicas de seu vexame.

Mas, afinal, por que a imprensa brasileira chegou a esse nível tão baixo de profissionalismo e conduta? Por que seus integrantes agem de forma tão contrária ao que um jornalista virtuoso faria? Por quê?

A resposta está na bolha. Quando a esquerda tomou conta do aparato cultural brasileiro, ocupando postos-chave nas universidades e na imprensa, a bolha surgiu. No início, era pequena, imperceptível. Na década de 1960, ainda era comum encontrar conservadores nas redações dos grandes jornais das capitais. Mas, com o tempo, a esquerda não somente chegou às chefias, ocupando os cargos que fazem, aprovam e censuram as pautas, como também deu conta de formar a nova geração de jornalistas, incutindo sua mentalidade revolucionária na grande maioria dos recém-formados da área. Com o comando das redações nas mãos e novas gerações ideologicamente homogêneas substituindo os que se aposentavam ou eram demitidos, a imprensa nacional se tornou, em duas décadas, um coletivo monoideológico destinado a produzir peças de manipulação da realidade, escondendo fatos relevantes, turbinando narrativas que se encaixassem em sua agenda pré-determinada, premiando os conformistas e punindo o restante. No início dos anos 1990, a bolha já não era mais imperceptível, muito pelo contrário.

Concomitantemente ao processo acima citado, a queda geral no nível intelectual dos universitários brasileiros trouxe uma multidão de despreparados a todas as carreiras, especialmente àquelas cujo processo seletivo de entrada não era tão duro ou concorrido. Abro um parêntesis aqui para dizer que, nos dias de hoje, essa queda já chegou até aos cursos que um dia foram considerados ilhas de excelência do ensino brasileiro, como as faculdades de Medicina e Engenharia das melhores universidades do país, processo que culminou com a adoção recente do sistema de cotas pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Fecha parêntesis. Enfim, com esse bando de despreparados – muitas vezes incapazes de redigir um parágrafo mais longo sem cometer uma dúzia de erros gramaticais – por detrás dos teclados, o nível das reportagens foi caindo vertiginosamente, tudo devidamente recompensado e elogiado por chefes de redação sem nenhum compromisso com a verdade ou qualidade jornalística.

O discurso dessa casta midiática, que até então era ecoado apenas pela mídia impressa e pela televisiva, ganhou um impulso jamais antes imaginado com o advento da internet e das mídias sociais. Munidos de seus blogs, perfis e colunas digitais, esses “profissionais” do jornalismo usaram a mídia eletrônica como fermento para o crescimento final da bolha. E, finalmente, chegamos aos dias de hoje, com uma situação que desafia o senso de realidade de tão próxima que se tornou do que um dia foi apenas ficção. O jornalismo brasileiro (e, em grande parte, do resto do mundo) se tornou um grande grupo de pessoas que distorcem e ocultam fatos para transmitir narrativas que sejam agradáveis e bem vistas por esse mesmo grupo, sem a menor preocupação para com a verdade ou para com a receptividade (ou a falta dela) do público em relação ao que escrevem. Em palavras mais resumidas, é um bando de mentirosos contando historinhas uns para os outros, e nada mais. Dentro de sua bolha, eles não enxergam além da parede. Dentro da bolha, não ouvem os barulhos externos. Dentro da bolha, não sentem o mau cheiro com seus narizes já saturados e acostumados à podridão. É por isso que foram completamente surpreendidos pela eleição de Donald Trump. É por isso que deram os vexames da semana passada com Jair Bolsonaro.

A prova de que vivem numa bolha é que pouquíssimas bocas da esquerda americana foram capazes de proferir o diagnóstico correto da derrota de Hillary Clinton, e foram devidamente caladas. Da mesma forma, não se viu no restante da imprensa brasileira a indignação e vergonha alheia que a população sentiu ao ver os dois shows de horrores já mencionados. Não existe autocrítica dentro da bolha, não existe arrependimento, não existe bom senso. A bolha é, por si só, alienadora e escravizadora. Quando ela estourar, se é que já não estourou, o que veremos é uma quantidade sem precedentes de mentes atrofiadas tentando sobreviver no mundo real, de olhos acostumados à escuridão tentando ver ao meio-dia. A julgar pelos frutos que esse pessoal tem produzido, temo que seja mais provável que permaneçam aleijados e cegos do que se adaptem à realidade. E, como diz o ditado, em país de cegos, quem tem um olho é rei.

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