Uma das palavras de que mais gosto na língua inglesa é Accountability. O Dicionário Cambridge Inglês-Português tem o seguinte verbete:
accountability noun [no plural] UK /əˌkaʊn.təˈbɪl.ɪ.ti/ US /-t̬əˈbɪl.ə.t̬i/
responsabilidade, prestação de contas
Accountability deriva de accountable, que, de acordo com o mesmo dicionário, significa "pessoa responsável pelo que faz e capaz de fornecer uma razão satisfatória para seus atos".
Poucas palavras conseguem fazer um recorte tão preciso de um conjunto qualquer de entidades. Accountability aplica-se a indivíduos, empresas, organizações e governos. É, por assim dizer, o único freio comprovadamente eficiente contra arroubos de poder e incompetência alheia. Quando combinado com as devidas penalidades, compõe a base de todas as liberdades fundamentais, que começam no direito a ser e agir como indivíduo, direito esse que só faz sentido quando entendida a existência de responsabilidades e consequências. Deixado só, a seu bel prazer, o ser humano faz besteira e não conta para ninguém; se descoberto, tenta jogar a culpa em outrem. Somente quando é responsabilizado e precisa prestar contas é que ele se organiza e passa a caminhar em direção à eficiência e, posteriormente, à excelência.
A modernidade nos trouxe algo impensável há apenas duas décadas: acesso quase irrestrito às pessoas por meio de uma rede mundial de computadores e telefones celulares. Nunca, desde que Adão e Eva passaram por aqui, um indivíduo teve tamanha capacidade de falar aos seus pares como em nossa época. Munidos de seus perfis em redes sociais como Twitter, Facebook e YouTube, os influenciadores de nossa era conseguem amealhar audiências maiores que as de muitos órgãos tradicionais de imprensa no século passado. Infelizmente, essa mudança de paradigma não trouxe consigo o accountability necessário. A disseminação de todo tipo de notícias falsas, teorias estapafúrdias e opiniões sem o menor embasamento lógico só é possível hoje graças a essa estrutura de mídias sociais. E, se o conteúdo é tão idiota, mentiroso, absurdo ou ofensivo a ponto de suscitar processos ou reparações judiciais, lança-se mão do anonimato.
Somente quem já expressou uma opinião contrária ao espírito de uma época sem o escudo do anonimato sabe o que é arcar com a responsabilidade de opinar publicamente. Se há algo de corajoso no jornalismo verdadeiro, é isso: expressar-se sem medo e sem máscaras. Inventar teorias e difamar oponentes é fácil demais quando feito por um marmanjo bebendo um copo de leite com Toddy e comendo um lanchinho que a mamãe, já velhinha, insiste em continuar fazendo todas as noites. O marmanjo gosta mesmo é de criar uma revolução sem nem sequer tirar o pijama, ameaçando os que não se recusam a assinar cada palavra com seus próprios nomes com impropérios que só existem no mundo virtual. Se fosse levado para o confronto real, no mundo físico, ele certamente molharia as calças. No seu castelo de 15 metros quadrados, ele brada “Deus vult!” e se regozija com mais uma “conquista”. Accountability passou longe. Caso seja descoberto e precise arcar legalmente com a consequência de seus atos, poderá jogar a culpa no bullying que sofreu no colégio ou na criação que recebeu dos pais.
Eu tenho me mantido longe das redes sociais, e um dos motivos principais é a proliferação do anonimato covarde. Tenho muito mais respeito por um oponente ideológico que mostre a cara e defenda seu ponto de vista que por um “aliado” (faço uso das aspas porque não considero esse tipo de gente aliado de ninguém) vestindo uma máscara digital e disparando sua metralhadora verbal como uma criança mal-educada. O debate político tem se tornado, por causa disso, um fórum cheio de ruído, como quando se tenta conversar em uma festa muito barulhenta. Alguns têm a paciência de gritar e repetir várias vezes o que querem dizer, outros simplesmente vão embora da festa. Eu ando sem paciência nenhuma e, por isso mesmo, cada vez mais ermitão digital quando o assunto é política. Essa coluna permanece como minha última janela.